segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Clube do Papai Noel



 Rose Esquenazi




No edição da semana passada de 'O rádio faz história', falamos do Clube do Papai Noel e ouvimos as histórias contadas pela atriz Vida Alves e pelo professor Marcelo Abud sobre programas infantis no rádio. Hoje vamos falar do Clube do Guri e da Rádio Maluca.

O Club do Guri nasceu na Rádio Tupi, do Rio, e depois migrou para a TV, com o nome de Gurilândia. Dirigido por Samuel Rosemberg, estreou em 1949, sendo transmitido até 1955, na emissora de rádio. Tal como o Clube do Papai Noel, o Club do Guri revelou grandes talentos. No YouTube, há uma recriação desse programa e o hino um tanto ufanista que tocava no início da atração.

Todas as crianças queriam cantar ou tocar no rádio. E os pais incentivavam os talentos mirins. A cantora Sonia Delfino, por exemplo, foi sucesso instantâneo no Club do Guri.  Entrevistei-a para a minha coluna No túnel do tempo, no Jornal do Brasil, nos anos 90, e ela me disse que gostava tanto de se apresentar no Clube que acabou apertando os pequenos seios para que não parecesse que ela tinha crescido. Os participantes, quando chegavam aos 13 anos, não podiam mais frequentar o Club do Guri: eram considerados adultos.

 

Sonia Delfino ganhou o concurso de 1955 e começou a carreira profissional com a versão de Jingle Bells, ou seja, Sinos de Belém. Em 1960, recebeu do governador Carlos Lacerda o prêmio de cantora revelação e teve dois grandes sucessos: O barquinho (Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli) e Bolinha de sabão (Orlandivo),que estourou na época.

 

No Rio, a lista de jovens talentos também era grande. Além de Sonia Delfino, foram revelados para o estrelato no Clube do Guri, Wanderlea, Rosemary, Neide Aparecida, Neuci José da Cruz, Leni Andrade, Elizângela e o radialista Hélio Tys.

 

Mas a maior de todas as revelações foi certamente Elis Regina que se apresentou na versão do Clube do Guri, no Sul.  Ainda chamada de Elizabeth, a menina ganhava todos os prêmios. Nessa recriação, podemos ouvir a música Mamãe, tal como Elis cantou para a plateia.

 

Segundo o diretor Maurício Sherman, que eu também entrevistei nos anos 90, o programa tinha tudo para dar errado. Mas, segundo ele, “era muito bom porque não trazia calouros, mas jovens talentos”. É bom lembrar que Sherman lançou na TV duas grandes estrelas que começaram muito jovens: Xuxa e Angélica. Acho que ele sabia o que estava falando.

         

Recentemente, saiu do da grade de programação das rádios MEC AM e  Nacional o programa Rádio Maluca, devido ao falecimento de Zé Zuca. Ele  morreu em maio desse ano. Além da apresentação, Zé Zuca fazia a direção, produção, roteiro e trilha sonora do programa.  As crianças participavam ativamente no auditório.

História de Chinelo: programas para crianças



Rose Esquenazi


Viriato Corrêa já era um grande escritor quando começou a escrever para o rádio


 
Todo o mundo leu na escola, inclusive eu, o livro Cazuza, do jornalista e escritor Viriato Corrêa. O que eu não sabia é que Viriato teve uma participação ativa no rádio brasileiro. O programa que idealizou para a Rádio Nacional se chamava História de Chinelo: série de interessantes curiosidades históricas, que foi ao ar em 800 emissões, de 1952 a 1955. Nascido em 1884, em Pirapemas, no Maranhão, Viriato morreu aos 83 anos, em 1967, no Rio de Janeiro. Ele já tinha 68 anos quando começou a escrever os programas diários, que só não iam ao ar aos domingos.  O público alvo eram as crianças e o povo, ou seja, o grande público. Os temas eram os mais variados e tinham muito de educação cívica.
E por que esse título, História de Chinelo? Segundo a historiadora Angela de Castro Gomes, que escreveu sobre o programa e “o ensino de história do rádio no Brasil nos anos 50”, foi o próprio Viriato Corrêa quem fez a definição do termo.
“História de chinelo, como toda a gente sabe”, definiu ele, “é a história nanica, a história das miudezas, a história das coisas particulares, das coisas íntimas, das coisinhas curiosas da história”.  Hoje, chamamos de “história das coisas miúdas”. Muitas vezes, tratava-se de grandes temas da História do Brasil e outros que passavam batido da academia, como histórias em quadrinhos, por exemplo, sobre o livro Ubirajara, de José de Alencar.
Os estudos de Angela tinham como objetivo verificar a mudança do ensino nas escolas a partir dos anos 50. Para quem quiser conferir, o texto que cito está na internet. “Ao assinar o programa da Rádio Nacional”, escreveu a historiadora, “o autor dispunha de vasta experiência como literato, teatrólogo e como divulgador de conhecimentos históricos.”
Em vários periódicos do Rio ele manteve colunas voltadas para o público infantil, como o Fafazinho, na Gazeta de Notícias. Para o público adulto, no Jornal do Brasil, escreveu a crônica Gaveta de Sapateiro. Jáno jornal A Manhã, que pertencia ao Estado Novo, escrevia uma coluna chamada Teatro.
Nos anos 50, o horário da noite ainda era nobre do rádio. Assim, entre 20h e 22h, entrava no ar parte do conteúdo que Viriato escreveu nos livros publicados pela Companhia Editora Nacional. Seus títulos escolares eram História do Brasil para crianças, as peças históricas Tiradentes, Marquesa de Santos, entre outros que faziam sucesso e eram originais antes desse boom que temos hoje sobre a história do país.  Viriato também escrevia histórias para adultos, como O Brasil dos meus avós: crônicas da história brasileira.
Havia dois patrocinadores: o sabonete Linda Ross, com o slogan, “o menos dispendioso dos sabonetes de qualidade” e Glostora,  um produto que se usava no cabelo. Na abertura do quadro ouvimos o texto publicitário:
“Menino, para ser elegante e distinto, use Glostora no cabelo. Só Glostora dá aos seus cabelos aquele brilho. Depois de 30 segundos de Glostora, você ficará mais você. “Um blablablá danado!
Durante três anos, o imortal, integrante da Academia de Letras desde 1938, falou, entre outros temas, sobre a importância de Visconde de Mauá, o primeiro a escrever contra o trabalho escravo. Falou sobre Júlio Verne e a Rua do Piolho, Rua da Carioca, hoje. Sempre tentava ativar a capacidade de raciocínio do público. Ele perguntava, por exemplo, “por que havia tão poucos livros no século XII?”
Como se tratava de uma pessoa muito culta, Viriato Corrêa podia falar com profundidade tanto sobre a história grega quanto a romana. O programa História de Chinelo tinha a locução de Floriano Faissal e J. Rui.  Em uma das histórias a que tive acesso, o historiador – mesmo sem ser do oficio - perguntava ao público quem teria sido Joana D’Arc (faixa 8). Uma pastora inculta, uma fanática, uma histérica, uma santa? Com vários argumentos, o escritor mostrava que naquele momento da Idade Média, no século V, essa personagem trouxe para a França o sentido de patriotismo de que aquele povo precisava no momento.  Vamos ouvir agora um trecho sobre Joana D’Arc.

Incrível, Fantástico, Extraordinário


Rose Esquenazi

Henrique Foréis Domingues, o Almirante, era um grande pesquisador


      Em um quadro anterior, contei um pouco da história do criativo e maravilhoso radialista Almirante, pseudônimo de Henrique Foréis Domingues. Entre os 40 programas originais que ele criou para as rádios Philips, Nacional, Tupi e Rádio São Paulo,  está o programa INCRÍVEL, FANTÁSTICO, EXTRAORDINÁRIO, seu maior sucesso, não há dúvida, que ele começou a escrever aos 39 anos.  Segundo Sérgio Cabral, que escreveu No tempo de Almirante, uma história do Rádio e da MPB, esse programa encerrava a série Histórias das Orquestras e Músicos do Brasil.
 
     Hoje vamos nos concentrar nessa atração que chamou tanta atenção do público. Temos um bom motivo para fazer isso: os diretores João Velho e Rico Cavalcanti estão rodando um filme sobre Almirante. Justa homenagem ao homem que criou o primeiro programa montado do rádio brasileiro. Para explicar melhor: o primeiro editado, trabalhado, perfeitinho, que ainda não havia nos anos 30, no Brasil. Almirante profissionalizou o rádio e foi copiado por todos os outros produtores a partir dele.

     Almirante nasceu no Rio de Janeiro em 1908 (morreu em 1980). Em 1947, na Rádio Tupi, convidou o público para contar as suas próprias e estranhas histórias. Mas, antes, a sua equipe confirmava a veracidade de cada relato. Cada colaborador tinha que enviar o endereço e telefone e, caso fosse montada o causo, como eles chamavam, a pessoa ganharia um pequeno cachê. Almirante tinha uma equipe de radioatores, como a atriz Ida Gomes, uma pequena orquestra e sonoplastas, para dar o clima certo ao relato. Tudo ao vivo, naturalmente. Centenas de histórias foram enviadas e produzidas. Tornou-se um programa muito popular. Almirante recolheu centenas de casos até 1958.
Vamos ouvir a abertura?



     Almirante era muito organizado e guardou todos os relatos que depois foram reunidos em um livro, com o mesmo nome do programa, editado pela Editora Francisco Alves, em 1989.  Vamos ouvir o primeiro trecho de um dos programas que teve o patrocínio de Guaraína,  remédio que combatia a dor de dente, a dor de cabeça e resfriados sem atacar o coração, segundo o anunciante. Foi ao ar no dia 9 de dezembro de 1947.  

 https://www.youtube.com/watch?v=b3N02UjV41E
 
     INCRÍVEL, FANTÁSTICO, EXTRAORDINÁRIO era uma ideia antiga inspirada em um fato que aconteceu quando Almirante era criança. No chalé onde a família foi morar em Nova Friburgo, fenômenos estranhos aconteciam diariamente. Havia barulhos incompreensíveis, a luz acendia e se apagava, as venezianas batiam sozinhas. Incrédulo, o pai chamou o vizinho para confirmar aquilo tudo. Naquele dia, todos presenciaram as xícaras de cafezinho se espatifarem no chão sem que ninguém tivesse provocado aquilo.

     Almirante dava um alerta para as pessoas mais impressionadas. Ele dizia: “Não se assustem, ouvintes, mas será um programa em que vamos apresentar o sobrenatural sem tentar explicar coisa alguma e sem o menor propósito de fazer com que vocês acreditem nos fatos verdadeiramente fantásticos que ocorrem n o dia a dia de muita gente”.

       A vinheta era espetacular e metia muito medo. Almirante avisava que não era preciso temer nada porque quase todo o mundo tinha casos extraordinários para contar de suas famílias e amigos. Coincidências, aparições, avisos, sonhos, mensagens, pessoas mortas que voltavam ao mundo dos vivos e até se casavam, defuntos que se vingavam dos amigos.

    As crianças eram proibidas de ouvir o programa que era irradiado tarde da noite. Os pais achavam que os filhos teriam pesadelo. Mas assim que os pais saíam de casa, as crianças corriam para o rádio para ouvir, às escondidas, o programa que metia medo. Anos mais tarde, esse programa foi levado várias vezes para a TV e o título do programa  se tornou uma expressão corriqueira no nosso vocabulário.

 
      Algumas histórias correram até no começo do século passado e eram lembradas pelos filhos e netos. Depois de confirmadas, Almirante dirigia a sua equipe e levava ao ar a história com muita emoção e interpretação. Talvez por isso, havia um culto, entre as famílias e moradores de pequenas e grandes cidades, de conversar sobre as estranhezas do lugar onde habitavam. No caso do programa, lemos que  uma pomba acompanhou o enterro de uma boa professora, o noivo que se casou mesmo depois de sua morte.

      Havia muitos milagres de santas, assim como castigos para aqueles que cometiam maldades. Parece que os mortos costumam fazer justiça com as próprias mãos, mas também ajudam na cura de alguma criança. Tudo era incrível, fantástico e extraordinário. Graças ao sincretismo religioso, o brasileiro mistura várias religiões e costumamos acreditar em quase tudo. Você tem alguma história incrível para contar, Marco Aurélio? E os seus ouvintes?



Quatro Ases e Um Curinga


Vozes afinadas e bonitas: os Quatro Ases e um Coringa fizeram muito sucesso




Na Era de Ouro do rádio brasileiro, anos 40, os conjuntos vocais faziam o maior sucesso. Hoje vamos falar de um deles: os Quatro Ases e Um Curinga. Os irmãos cearenses Evenor Pontes de Medeiros (1915/ 2002), que era violonista e compositor; José Pontes de Medeiros (1921/ 2005), que era violonista e cantor e Permínio Pontes de Medeiros (*1919), gaitista e cantor, estudavam no Rio de Janeiro. Nos intervalos das aulas, eles gostavam de cantar junto com o amigo André Vieira, o Melé. Nas férias de 1940, o quarteto foi passar férias em Fortaleza e lá foram incentivados por João Dumar, proprietário da Ceará Rádio Clube. 
    O quarteto ganhou mais um componente: o violonista Esdras Guimarães, o Pijuca e assim se apresentou na estação de rádio com o nome de Bando Cearense. Depois, usaram o nome de Quatro Ases e Um Melé, que quer dizer coringa, no Nordeste. Quando voltaram ao Rio, os cantores foram procurar o famoso radialista César Ladeira, diretor da Rádio Mayrink Veiga. Ladeira, grande inovador do rádio, amigo de muitos artistas, inclusive de Carmem Miranda, gostou muito das vozes do grupo e convidou-os para o horário nobre de sua emissora. Por sugestão dele, o grupo mudou o nome para Quatro Ases e Um Curinga.
     Ao lado do grupo Anjos do Inferno, os Quatro Ases e Um Curinga formaram o conjunto de maior sucesso do rádio brasileiro, principalmente nos anos 1940. Eles gravaram o primeiro disco na Odeon, acompanhando Dircinha Batista. Muito famosa na época, a cantora interpretou os sambas Ela disse que dá (Assis Valente) e Costela de cera (Linda Batista).
     Nessa época os Quatro Ases já estavam na Rádio Tupi. Infelizmente, não encontrei essas duas músicas. Por isso, ouça um trecho de Boneca de pano, de 1950.
     Também na Odeon, o grupo gravou o primeiro disco solo: a marcha Os dois errados (Álvaro Nunes, Estanislau Silva e Nelson Trigueiro) e o samba Dora, meu amor (Curinga e Constantino Silva). Em 1942, obtiveram o primeiro grande sucesso com a marcha Viva quem tem bigode (David Nasser e Rubens Soares) e foram contratados para atuarem no Cassino Copacabana. No cassino, trabalharam por quatro anos, até que, em 1946, durante o governo de Eurico Gaspar Dutra, foi decretado o fechamento dos cassinos. No mesmo ano, participaram do filme Astros em desfile, de José Carlos Burle. Ouça um trecho de Viva quem tem bigode. Quem tem cavanhaque é bode, de David Nasser e Rubens Soares, 1942.
      Os Quatro Ases e um Coringa trabalharam  também na Rádio Nacional, contratados pelo diretor Victor Costa. Na principal emissora do país, eles expandiram as atividades. Dramatizavam histórias ao lado de atores profissionais, interpretavam a música de abertura do programa que fez o maior sucesso na Rádio Nacional: o Programa César de Alencar.  Composta por Haroldo Barbosa, o grupo animava a plateia e o público de casa. Um sucesso absoluto. Ouça a abertura Quatro ases e um curinga. 
     Os Quatro Ases e um Coringa  participaram também de outro famoso programa de auditório. Um milhão de melodias era apresentado por Paulo Gracindo e dirigido pelo maestro Radamés Gnattali. Outro estrondoso sucesso dos Quatro Ases e que marcou a MPB foi interpretar a música Baião, de Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga. O gênero musical nordestino desconhecido passou a ser tocado em todo o país
     Outros curingas entraram no grupo a partir de 1950: Jorginho do Pandeiro, Nilo Falcão e, por último, Miltinho.  Depois de se apresentarem nos sucessos, viram a carreira entrar em decadência depois da proibição do jogo no Brasil, em 1946, e depois do cancelamento do contrato com a Nacional. Em 20 anos de carreira, gravaram 100 discos em 78 rpm, sendo 65 na Odeon, 33 na RCA Victor e dois na Marajoara, e participaram de seis filmes. Vamos terminar com o Barão das Cabrochas, de Bide e Marla, de 1946.