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Marlene, a Rainha do Rádio de 1949 |
Sucessos dos anos 60
Semana passada, nós falamos sobre a
cantora Emilinha Borba. Para fazer justiça, nesta semana, vamos conversar sobre
a história de outra cantora, a também famosa Marlene. Victória Delfino dos
Santos tinha como nome de solteira Bonaiutti de Martino.
Ela nasceu em São Paulo, no
dia 22 de novembro de 1924, sete dias antes
da morte de seu pai. Dona Antonieta, a mãe, criou as três filhas
sozinhas, dando aulas e costurando. Todas as quatro eram ligadas à Igreja
Batista, sendo que Marlene chegou a cantar no coro juvenil da igreja.
Em 1939, começou a fazer
participações na Rádio Bandeirantes, em um programa novo chamado Hora
dos Estudantes. É claro que cantava
escondida da família muito rigorosa. Os colegas da faculdade escolheram um
pseudônimo para ela: Marlene, em homenagem à atriz Marlene Dietrich, muito
conhecida na época. Marlene começou a cursar a Faculdade do Comércio, à
noite, e trabalhou em um escritório. Mas o chamado do rádio estava ficando cada
vez mais forte. Ela estreou como profissional na Rádio Tupi de SP e começou a
fazer sucesso. Os colegas decidiram pedir apoio à mãe de Marlene para uma
cantora tão boa. A reação foi terrível, ela decidiu agredir fisicamente a
filha. Para Antonieta, samba era uma coisa do demônio.
Victória, ou melhor Marlene, aos 19
anos, em 1943, saiu de casa e veio
arriscar a vida no Rio. Ela já havia mandado cartas para empresários pedindo
uma oportunidade. Afinal, a voz da jovem era forte e tinha grande extensão.
Conseguiu um emprego no Cassino Icaraí, em Niterói e, depois de dois meses, ao
conhecer o músico e empresário Carlos Machado, foi convidada para estrear no
Cassino da Urca, o endereço glamouroso das noitadas da cidade. Tornou-se
vocalista de orquestra.
Segundo Ronaldo Conde Aguiar, no
livro As divas do Rádio Nacional,
Marlene era uma cantora teatral: “levantava os braços, gesticulava, abria as
pernas, jogava os cabelos enormes”. Isso chamava atenção dos empresários. A mãe acabou aceitando a opção da filha,
desde que ela seguisse os preceitos da religião e veio morar com ela no bairro
da Urca.
Com o fim do jogo no Brasil, em 1946,
Marlene perdeu o emprego e ganhou outro, na boate Casablanca, na Praia
Vermelha, durante dois anos. Depois, tornou-se crooner
e cantava no Golden Room e na boate Midnight, os dois no Hotel Copacabana
Palace. Cantava das 21h às 4h da manhã. O público da cantora eram os ricos que se
hospedavam e se divertiam no melhor hotel da cidade. Marlene começou a cantar
na Rádio Mayrink Veiga e fez muito sucesso com Swing do morro.
Vamos ouvir? https://www.youtube.com/watch?v=tULDcbYRCGw
Ganhou o concurso
carnavalesco, muito comuns naquela época, com a música Coitadinho
do papai, acompanhada dos Vocalistas Tropicais, que estourou no Carnaval de 1948. Nos anos 40, sucesso
mesmo quem fazia era a Emilinha Borba, na Rádio Nacional. Marlene admitiu, em
vida, que no momento em que apareceu no rádio, no Rio, ela era uma “joana
ninguém” e que o grande nome era mesmo o de Emilinha.
Marlene não se identificava muito com
o público radiofônico, mais popular. Até que a jogada de marketing da Cia
Antártica, que eu já contei na outra crônica, decidiu lançar Marlene como nova
cantora ao lado do novo formato do guaraná, o Caçula, em 1949. Ela venceu o
concurso para o desgosto do fã clube de Emilinha e passou a cantar na Nacional,
quase que exclusivamente no Programa Manoel Barcelos. As coisas mudaram
rapidamente.
Ao mostrar o seu talento, ela também conquistou
seus próprios admiradores. Pessoas menos conservadoras e mais modernas, vamos
dizer assim. Parecia liberada, sofisticada, polêmica, enquanto Emilinha era
considerada uma “santinha”. Emilinha se
apresentava no Programa César de Alencar. Como eram diferentes:
enquanto Emilinha gostava de músicas politicamente corretas e tolinhas, Marlene
escolheu outro tipo de repertório. Eram sambas brasileiros que privilegiavam
pessoas do povo. A Rádio Nacional e a Revista do Rádio começaram
a investir nesse contraponto e incentivaram a rivalidade. Marlene não resistiu
ao assédio e também ganhou um fã-clube.
Curiosamente, não foram apenas as
mocinhas que amavam uma cantora e odiavam a outra. Em todas as escalas da
sociedade, em todos os grupos profissionais, havia uma divisão clara. Quem gostava
de Marlene, não gostava de Emilinha. E vice-versa. Em uma entrevista, Marlene
disse que o Brasil se dividiu. “Não era só a Revista do Rádio”, ela disse, “eram todos, a
imprensa toda (...) Era um negócio muito sério. Realmente todos
queriam tirar a sua lasquinha. Mas eu não gostei daquilo não”.
No livro Por trás das ondas
da Rádio Nacional, a autora Miriam Goldfeder analisou profundamente esse
fenômeno que aconteceu nas décadas de 40 e 50 e tirou conclusões muito
interessantes. Para Miriam, a classe média gostava de Marlene porque
ela era um pouco mais crítica. Mas acabou que Marlene entrou na mesma faixa de
público popular de Emilinha, aquele que frequentava o rádio e rasgava as roupas
dos ídolos.
Não havia muita lógica nos slogans
criados da época. Marlene se tornou a querida da Aeronáutica; a
Emilinha era a preferida da Marinha. Por que, ninguém sabe explicar.
Antes da chegada da TV no Brasil, em
1950, o público queria conhecer pessoalmente os cantores. Por essa razão,
os convites para o auditório da Nacional, que tinha lugar para quase 500
pessoas, eram altamente disputados. Certa vez, Marlene disse que “chegava ao
palco e queria fazer uma coisa mais séria, mas o público não queria não; se
contentava em ver, podia cantar errado, desafinar, o público queria ver”.
Marlene casou-se com o ator Luís
Delfino e, anos depois, pediu desquite, uma atitude considerada ousada.
Ninguém se separava na época. Era também atriz, bailarina e compositora.
Gravou 4 mil canções em sua carreira, fez 11 filmes, entre eles, Corações
sem piloto, Caídos do céu e Pif-Paf, e participou de cinco peças de
teatro e cinco revistas.
Tanto Marlene quanto Emilinha faziam
excursões pelo país. Mas só Marlene cantou no Teatro Olympia, em Paris, à
convite da famosa francesa Edith Piaf que a viu cantando no
Copacabana Palace. Cantou também no Waldorf Astoria, em Chicago. Segundo a escritora Miriam Goldfeder, apesar
de Marlene ser uma das primeiras a mostrar a opressão dos mais pobres, como na
música carnavalesca Lata d’água e Zé Marmita, ela
não chegava a ser nenhuma revolucionária de carteirinha. Nas letras, ela não
mostrava como superar a pobreza, apenas mostrava uma situação.
Nos bastidores, dizia-se que Marlene
se irritava com Emilinha. Essa versão nunca poderá ser confirmada. Emilinha garantia que elas se davam muito bem,
o que não acontecia com as fãs das duas, que se odiavam, se batiam e rolavam as
escadarias do Edifício A Noite, na Praça Mauá.
César de Alencar afirmou que nem os
avisos do palco que diziam “Silêncio” ou “Aplausos” costumavam ser
respeitados. Nas palavras dele: “Tinha uma hora que ficava assim,
muito violento e eu era obrigado a parar o programa (... ) Eu brincava,
quando via que não dava pé, eu dizia: Opa, parem o
programa. Vocês querem parar ou querem que a gente continue o programa? Vocês
vão ficar em silêncio?”
Marlene se interessava pelo teatro
desde que tinha 6 anos, seu pai chegou a pertencer ao teatro amador. Tornou-se
atriz de verdade e a primeira peça foi Depois
do casamento, em 1952. Depois vieram Botequim
e Ópera do Malandro. Na TV,
participou de novelas como Bandeira 2, O amor é nosso e Viver a Vida.
Marlene morreu aos 91 anos, no
dia 13 de
junho passado, de falência múltipla dos
órgãos. O velório foi no Teatro João Caetano, na Praça
Tiradentes. Os portões ficaram abertos para que os fãs fossem se despedir da
cantora conhecida também como “A Incomparável”.