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– Nono programa – 1/9/2014 - O Rádio Faz História
Nos anos 20,
qualquer pessoa podia trabalhar no rádio: como speaker, announcer, ator, apresentador e até cantor. Não havia
profissões estabelecidas ainda, escolas ou cursinhos. Mesmo se o candidato
tivesse voz fina, fosse fanho ou gago, ele podia fazer um bico, mas não ganhava
nada com isso. Tudo começou a mudar no começo dos anos 30, quando os anúncios
foram liberados e as emissoras passaram a ganhar um dinheirinho bom. Começou-se
a pagar o locutor comercial.
O jovem jornalista
e estudante de direito César Ladeira foi convencido a fazer um teste na Rádio
Record, de SP. Ele, sim, tinha uma bela voz, e já podia ganhar alguma coisa
lendo reclames ao vivo. Naquele tempo, os testes também eram feitos ao vivo,
com a rádio no ar. No momento do teste, em vez do anúncio que deram para ele,
Ladeira leu um discurso que tinha escrito contra Getúlio Vargas. Ele criticava
o presidente que havia prometido uma nova Constituição quando assumiu o governo
em 1930 e depois se esqueceu de cumprir tão importante compromisso de
campanha.
Os diretores da
estação ficaram surpresos com aquela ousadia. Antes mesmo de pensarem em
enxotar o candidato, começaram a receber telefonemas de ouvintes apoiando o
discurso e o jeito de falar de César Ladeira. Ele pronunciava todos os erres e
esses das palavras: Getúlio Varrrrrrrgas, osssss paulissssstasssss.
Ele foi logo contratado.
Imediatamente, todos os locutores passaram a falar como Ladeira, imitando-o
descaradamente. Era uma maneira artificial de se expressar, mas virou moda!
Os paulistanos, em
julho de 1932, deram início à Revolução Constitucionalista. A Rádio Record
decidiu fazer transmissões políticas e uma dobradinha com a Rádio Mayrink
Veiga, no Rio. Na sede do governo federal, no Rio de Janeiro, havia censura nas
estações de rádio. Mas, de madrugada, através das ondas curtas, os cariocas
podiam acompanhar a luta dos paulistas. César Ladeira virou “A Voz da
Revolução”, estimulando as pessoas a lutarem, a se sacrificarem, pedia dinheiro
e ajuda em tudo o que os soldados precisavam. No final de cada participação,
sempre dizia: "Renuncie o ditador".
A Revolução durou
dois meses e foi esmagada pelo exército de Getúlio. Muita gente foi presa,
inclusive César Ladeira. Na cadeia, o jovem jornalista aproveitou para escrever
um livro, o Acabaram de ouvir ,
talvez o primeiro dedicado ao rádio no país. O livro se tornou um bestseller porque
explicava o que era o rádio, como o speaker devia enfrentar o assustador microfone, como era o ambiente nos estúdios.
Atualmente, é muito difícil encontrar um exemplar do livro, mas, de vez em
quando, aparece um Acabaram de
ouvir, para estudos mais aprofundados.
Depois que o jovem
speaker saiu da prisão, ele recebeu uma incrível oferta de trabalho. Ele iria
ser diretor artístico da Rádio Mayrink Veiga, no Rio, e receberia um bom
salário. É claro que ele aceitou. Aos poucos, conseguiu fazer outra revolução:
criou faixas de horário para a Mayrink, os famosos quartos de hora. A cada 15
minutos, mudava a programação e ninguém ficava entediado. Uma história, uma
música, um programa curioso.
Ele passou a
remunerar todos os funcionários. A partir daquela data, começava o cast, o elenco fixo. Dessa maneira, ele
impedia que os técnicos e artistas fizessem bicos e, muitas vezes, deixassem de
cumprir seus compromissos. Coisa muito comum na época. Ou seja, com vínculo
empregatício, ninguém poderia trabalhar em outra estação de rádio.
César contratou a
peso de ouro a maior cantora dos anos 30: Carmem Miranda. Valia a pena,
Carmem era adorada e trazia muitos fãs para a estação. Carmem e César ficaram
muito amigos.
Foi César Ladeira quem
inventou os nomes artísticos, que viraram uma coqueluche. Assim, Carmem era “A Pequena Notável”,
porque era baixinha e maravilhosa. Carlos Galhardo, “O Cantor que
Dispensa Adjetivos”, Sílvio Caldas, “O Caboclinho Querido”, Emilinha Borba, “A Garota Nota Dez”. Era
chique o ouvinte se referir ao artista como “O Caboclinho Querido”, no lugar do
nome do cantor. Isso queria dizer que era uma pessoa antenada e que conhecia
tudo sobre rádio.
O livro de Ladeira
contém alguns erros históricos, mas é muito divertido ,quando ele conta como as
pessoas agiam quando compravam os seus primeiros rádios. No início, eram todos
sócios das estações e pagavam mensalidades. Achavam, por isso, que podiam ligar
e pedir um determinado tipo de música. Mas tudo iria mudar com a maior
comercialização. Os sócios sumiram e quem pagava as despesas eram os anúncios.
Mas restou um pouco desse comportamento quando, por exemplo, um grupo convidava
os amigos para conhecer as maravilhas do rádio para dançando ao som de uma
música animada. Mas, ao ligar o rádio, o dono da casa descobria que a música
era fúnebre ou triste. Não dava para ninguém dançar coisa nenhuma. O que fazer?
O rádio costumava
ficar instalado no centro da sala e quem dominava o dial, o botão para mudar de estação, era o pai ou a mãe da família.
Ladeira conta que os jovens nunca queriam ouvir a música maçante, preferindo as
emboladas e os sambas que estavam estourando naquele tempo. Era uma boa
razão para sair à noite e deixar a família antiquada para trás. O melhor
do livro são as reflexões que Ladeira faz sobre o speaker. Ele escreveu: “o palhaço sem maquilagem, o palhaço
invisível, o palhaço mais íntimo, mais amigo, o palhaço amável que faz
companhia. E que entra nas intimidades alheias com uma sem-cerimônia
estupenda”.
César contou que
ficou atordoado na primeira vez em que pisou em uma estação de rádio. Depois,
reconheceu que achou mais empolgante do que a redação de jornal. “O microfone
mais misterioso, mais sedutor do que a rotativa”. Ele foi a primeira
pessoa que ensinou que as palavras tem cor, peso, que é preciso exprimir bem
cada frase que se fala ao microfone.
Ladeira também
contou o que começava a virar uma mania na cidade. As ouvintes se apaixonavam
perdidamente pelo speaker, imaginando o locutor alto, forte e bonito,
dependendo da voz. Ele escreveu que “as mulheres são mais sonhadoras.
"Ah, esse rapaz com uma voz tão simpática deve ser um homem encantador”. E
elas partiam para as estações para ver, namorar os locutores. Raramente,
a imagem coincidia com a pessoa. Mas isso até hoje acontece. Nos anos 60, na Rádio Jornal do Brasil, havia uma voz
divina, que era de um locutor chamado Majestade. E uma locutora
que possuía a voz mais sexy da emissora, apesar de já ser uma senhorinha
de idade avançada, a Maravilha Rodrigues .
César Ladeira nasceu
em Campinas em 11/12/1910 e sempre foi muito criativo. Em 1948, César Ladeira ele
entra para a Rádio Nacional onde trabalhou durante 10 anos. Ele apresentava o
programa "Seu
criado, obrigado", ao lado de Daisy Lúcidi. Chegou a trabalhar no cinema e na TV Tupi, em programas
humorísticos. Mas morreu cedo, em 1967, aos 57 anos. Foi casado com a atriz
Renata Fronzi e teve dois filhos, Cesar Fronzi Ladeira e Renato Fronzi Ladeira,
que fundaram a banda de rock A Bolha.
Pouquíssimos
brasileiros se lembram de César Ladeira, por isso acho que essa homenagem aqui
é muito merecida e necessária.
É até um momento propício para se resgatar tão acalorado patriotismo que está desaparecendo no nosso Brasil, relembrar Cesar Ladeira falando sobre a revolução!
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