O RÁDIO FAZ HISTÓRIA – Rose Esquenazi
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Linda e Dirce Batista: juntas no sucesso e no fracasso |
Quando o Caderno B,
do Jornal do Brasil, publicou uma
reportagem sobre o estado terrível em que estavam as irmãs Batista - Linda
(14/6/1919, SP, que tinha o nome de Florinda Grandino de Oliveira - e Dircinha (7/4/1922,
SP), no fim dos anos 80, ninguém acreditou. Afinal, eram duas estrelas da era
de ouro do rádio, durante 30 anos. Haviam sido milionárias, amigas de todo o
mundo, inclusive do presidente Getúlio Vargas. Diziam as más línguas que as
duas irmãs chegaram a ser namoradas de Getúlio, em épocas diferentes. O
presidente costumava chamá-las de “patrimônio nacional”.
O repórter chegou à casa das irmãs em Copacabana e levou um
choque. Havia coisas espalhadas pelo chão, sujeira. Elas estavam imundas, desnorteadas.
Dircinha, mais do que as outras duas
porque havia também a Odete, a irmã mais velha, de 70 anos, precisava ser
internada imediatamente. Segundo Ronaldo Conde Aguiar, no livro As divas do Rádio Nacional, Dircinha,
aos 63 anos, e Linda, aos 66, estavam vestidas de trapos, sofriam de diabetes,
arritmia, arteriosclerose, desnutrição seriíssima e muito mais. Havia mais notícia triste: elas não tinham
dinheiro nem mesmo para pagar a conta da mercearia do bairro, que parou com o fiado. O único amigo era o cantor José Ricardo
que providenciou a internação das três.
Mas o que aconteceu com elas?
O que a aposentadoria pagava para as irmãs cantoras não
cobria os gastos. Elas já tinham vendido joias, apartamentos, roupas,
eletrodomésticos. Ninguém as chamava para cantar nas estações de rádio ou na
TV. Tinham saído da moda. Tragédia, má administração de bens, doenças,
decepções.
No auge da carreira, só no eixo Teresópolis-Friburgo, elas
tinham quatro casas. Catorze carros de luxo na garagem, alguns importados.
Usavam muitas joias e casacos de pele. Linda gostava de beber e jogar; Dirce de
jogar e beber. Muitos vestidos milionários eram usados uma única vez. Viajavam
para o exterior e jogavam em cassinos da Europa, perdendo fortunas. As festas
duravam 15 dias seguidos! Durante 11 anos seguidos, até 1948, Linda foi eleita Rainha
do Rádio. Era adorada pelos fãs. Até 1946, quando os cassinos fecharam as portas
por ordem do presidente Dutra, elas ainda tinham trabalho. Com a lei de
proibição dos jogos no país 53 mil pessoas ficaram sem emprego do dia para a
noite. Não existiam mais cassinos, um lugar onde as irmãs Batista costumavam se
apresentar e ganhar muito dinheiro.
Com o surgimento da era da TV, a partir de 1950, as
intérpretes mais famosas do Brasil, principalmente do samba-canção, foram
saindo do circuito. Um dos últimos trabalhos de Linda foi como de repórter de
TV. Mas ela não tinha tarimba para a coisa, afinal, nunca tinha trabalhado
naquela função antes.
O pai das meninas, Batista Júnior, era humorista e
ventríloco que chegava a imitar 22 vozes sem abrir a boca. Fazia questão de
pagar bons colégios para as filhas, depois que a família veio de São Paulo para
o Rio. Dircinha estreou no rádio aos 6 anos, em 1930, ao lado do pai, cantando Morena cor de canela. Gravou seu
primeiro disco aos 8. Linda, um pouco mais tímida, estreou em 1936, aos 17
anos, em um programa do cantor Francisco Alves, o “Rei da Voz”. Chico Viola,
como ele também era conhecido, já era muito famoso na época e dono da Rádio
Cajuti. Ouvi um depoimento muito interessante de Linda contando como a irmã,
Dirce, armou uma peça para ela entrar na carreira artística na marra. Minutos
antes da participação de Dirce no programa de Chico Alves, ela fingiu ter
desmaiado. A produção pediu para que
Linda cantasse no lugar dela, para não pegar mal. Para ajudar, Linda fez isso,
sem saber que estava estreando no rádio!
A carreira das meninas cresceu rapidamente. Elas podiam ser
vistas em filmes como Banana na Terra,
Alô, alô, Brasil; Alô, alô, Carnaval; Caídos
do céu e muitos outros. Participavam
dos shows luxuosos do Cassino da Urca. Linda se tornou crooner da Orquestra Kolman,
na Urca. Ganhou o slogan de “Maioral do Samba”. As irmãs também faziam
excursões e ganhavam rios de dinheiro. Além de serem estrelas absolutas da
Rádio Nacional. Aliás, elas sempre se comportavam assim, como estrelas,
cobertas de peles e joias caras. Parecia que as fontes jamais iriam secar.
O temperamento do pai era bonachão, mas o da mãe, dona Neném,
era explosivo e dominador. Depois da fase de timidez, Linda herdou o jeito da
mãe. As irmãs Batistas tinham uma séria rivalidade com Emilinha Borba, que
estava subindo no estrelato na mesma época. Há relatos de brigas físicas,
problemas com os fãs e pequenas baixarias. Havia problema também em relação ao namoro
de Linda com o diretor de cinema Orson Welles, que esteve no Brasil para rodar
o filme It’s all true e transmitir um
programa de rádio em cadeia nacional a partir do Copacabana Palace, em 1942. No
livro O rei da roleta. A incrível vida de
Joaquim Rolla, os autores João Perdigão e Euler Corradi descrevem que
Welles explicou ao vivo a letra da música Sabemos
lutar, interpretada por Linda. Segundo o livro, Welles trocou “gracinhas
com Linda que era seu caso, em pleno palco”.
Na opinião dos críticos, Dircinha tinha um domínio melhor da
técnica vocal. Sabia postar a voz e “tinha emissão quase perfeita”. Ela gravou 23
discos de 78 rpm e dois LPs, sendo que fez muito sucesso com Periquitinho Verde, Conceição, Nunca mais. Vamos
mostrar Dircinha interpretando Conceição
(duração: 3:10), de Dunga e Jair Amorim. Apesar de ser considerada uma
canção símbolo de Cauby Peixoto, há quem diga que Dirce interpretou com mais
emoção. Vamos ouvir?
Já Linda, apesar de não ter tanta técnica, se tornou mais
popular do que a irmã. Gostava das marchinhas de Carnaval, tinha um grande
pique. Nega maluca, Risque, Clube dos
barrigudos fizeram um grande sucesso. Tinha predileção também pelas músicas
sobre amor desfeito nas composições tão bem escritas por Lupicínio Rodrigues.
Linda gravou 29 discos de 78 rpm e três LPs. Vamos ouvir Linda Batista cantando
a música Chico Viola (duração 3:07),
de Wilson Batista e Nássara. Observação, essa música era homenagem ao grande
músico que morreu em um trágico acidente de carro, na Via Dutra, em 1952. O Rio
de Janeiro parou com a notícia da morte do “Rei da Voz” que tinha gravado 524
discos de 78 rpm, um recordista. Durante
todo o dia, os rádios só tocaram as músicas de Chico Viola em toda a
programação. A voz de Linda transpirou emoção, já que o pai dela era amigo do
cantor e ela mesma tinha começado a carreira com ele.
Em 1961, Dirce gravou seu último disco, Quero morrer no Carnaval, e encerrou a carreira em 1970, com a
marcha-rancho O primeiro clarim. Quando
dona Neném morreu, depois de cinco anos lutando contra um câncer, Dircinha caiu
em depressão e nunca mais saiu de casa.
As irmãs já tinham gasto uma fortuna para o tratamento da
mãe. Linda também ficou esquecida, ninguém a chamava para nada. O cantor José Ricardo ajudou em tudo que
podia, mas ele também ficou doente e morreu em 1999. Linda morreu no dia 17 de
abril de 1988, anos 68 anos, e Dircinha em 18 de junho de 1999, aos 77 anos, no
Hospital Dr. Eiras.
Foi uma história que marcou a MPB, gerando o musical “Somos
irmãs”, em 1998, de Cinthya Graber.
A montagem que teve como Linda (Suely Franco) e
Dircinha (Nicette Bruno)- como idosas – e Cláudia Lira(Linda), e Cláudia Netto
(Dircinha), no papel das cantoras ainda jovens,
chamou a atenção do público. Fez muita gente pensar que não podemos deixar os
nossos idosos, famosos ou não, esquecidos à prova sorte.
Que blog maravilhoso e bem escrito. Não vivi a Era do Rádio, mas minha mãe sempre me conta essas belas histórias. Parabéns!
ResponderExcluirSou apaixonado pelas Irmãs Batista.
ResponderExcluirPena elas terem terminado assim no ostracismo.
Pena .
Por mais que elas tenham gastado toda a fortuna,elas não mereciam esse fim de vida doentes e na miséria,afinal elas eram PATRIMÔNIO NACIONAL como dizia o Presidente Getúlio Vargas .
a verdade é que élas tinham tudo p não ficarem assim .
ExcluirParabéns pelo blog
ResponderExcluirExcelente!
Tenho 39 anos...mas sempre gostei de curtir essas musicas da era do radio...especialmente as irmãs Batistas!
ResponderExcluirParabéns pelo texto.
ResponderExcluirObrigado