“Eu tenho orgulho de ser mayrinkiano”
Rose Esquenazi
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Carmem Miranda entre Caymmi e Assis Valente: sucesso na Mayrink |
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Os equipamentos da Mayrink estão atualmente no Museu Craco Albin |
http://webeduc.mec.gov.br/midiaseducacao/material/radio/radio_intermediario/radiobrasil_faseouro.htm
Hoje, eu vou falar um pouco sobre a
história da Rádio Mayrink Veiga. Fundada no Rio, no dia 21 de janeiro de 1926,
fez um grande sucesso nos anos 30, antes da inauguração da Rádio Nacional, em
1936. Mas também se tornou popular nos
anos 50, ao se especializar em programas humorísticos, e nos anos 60, ao se
transformar em veículo político por excelência.
Vamos pelo começo. A rádio que tinha
como prefixo SOAJ pertencia ao comendador Alfredo Mayrink Veiga, dono de um dos
maiores estabelecimentos comerciais do país, ligado à exportação e importação.
Era uma pequena estação, sem muito apelo, no início. Mais eis que o programa de
Patrício Teixeira, um dos primeiros radioatores de humor, conquistou o público.
O programa foi citado no cateretê de Lamartine Babo, As cinco estações, na estrofe: “Sou a Mayrink, popular e conhecida, sou
querida até no hospício”. No jornal da época, havia sido publicado que os
internos de uma casa psiquiátrica do Rio amavam o programa de Patrício Teixeira.
Quando os atendentes não sintonizavam na estação no dia do humorista, os pacientes
quebravam tudo o que viam pela frente.
Outra atração pioneira era o Esplêndido Programa, apresentado pelo
radialista Valdo de Abreu. O esquema da atração era original: trazia diferentes
quadros em um só horário. Esplêndido
Programa passou a ser copiado por outras estações porque tinha dado certo!
Os primeiros integrantes do star system do rádio passaram a
frequentar a estação, não para ganhar cachês, que eram raros. Apareciam para
divulgar suas músicas. Francisco Alves e Vicente Celestino, com suas grandes vozes,
além de Silvio Caldas, com a malemolência de um sambista que começava a surgir
no cenário musical, todos cantavam ao microfone da Mayrink.
Tudo começou a mudar quando a direção
da rádio fez uma dobradinha com a Rádio Record de São Paulo. Passou a
transmitir ao vivo, em ondas curtas, o dia a dia da Revolução
Constitucionalista, de 1932. Nesse tempo, passou a ser chamada PRA-9. Como o
Rio de Janeiro era a Capital Federal, o presidente Getúlio Vargas tinha proibido
qualquer menção aos “revolucionários”, impondo censura em todas as rádios
cariocas. Só que, durante a madrugada, pelas ondas curtas, podia-se ouvir o que
a Voz da Revolução, como era conhecido o jovem e talentoso speaker César
Ladeira, falava sobre a luta dos paulistas. A revolução foi esmagada pelas
tropas do governo e César Ladeira ficou preso durante algum tempo. Até que foi
perdoado pelo presidente.
César foi convidado, em 1933, para ser
diretor artístico da Mayrink Veiga. Cheio de novidades, ele revolucionou a
atividade radiofônica. Eu já tinha mencionado alguns pontos dessas mudanças no
programa Todas as Vozes. Mas, para
quem não escutou, ele criou programetes de 15 minutos, os quartos de hora,
contratou funcionários, que não podiam mais faltar nem fazer bicos em outras
emissoras, como era de praxe. O cast exclusivo de César Ladeira obrigou as
rádios da cidade a se mexerem para contratar seus próprios funcionários,
técnicos e cantores. César escrevia e lia crônicas da cidade com uma voz
maravilhosa e uma entonação diferente, logo copiada por outros locutores.
O fato mais interessante foi contratar com
exclusividade a primeira artista fixa no rádio, simplesmente a cantora Carmem
Miranda. César pagava um cachê muito
alto para a época e isso significava que Carmem, a mais famosa intérprete, só
podia cantar naquela estação. O sucesso de Carmem já era enorme e, assim, ela
trouxe todos os fãs para a emissora que cresceu imediatamente. Vamos ouvir Carmem
e sua irmã, Aurora, cantando “As cantoras do rádio”, uma música muito simbólica
para os amantes do rádio. O contrato acabou em 1935. Carmem saiu da Mayrink,
mas voltou em 1937.
Faziam parte da Mayrink: Noel Rosa, Gastão
Formenti, João Petra de Barros, Victor Barcelar, Eriberto Muraro, José Maria de
Abreu, Romualdo Peixoto, o Nonô, Silvinha Melo, Mário Reis, Moreira da Silva,
Barbosa Júnior, Madelou de Assis. Além de inquestionáveis qualidades como
diretor artístico, Cesar
Ladeira também era ótimo para criar os slogans dos artistas. Carmem Miranda era
“A pequena notável”, Francisco Alves, “O rei da voz”, Carlos Galhardo, “O
cantor que dispensa adjetivos” etc.
Os ouvintes que tem hoje mais de 70 anos vão se
lembrar dos programas Canção do dia, com Lamartine Babo. Nessa atração, Lamartine foi desafiado a
compor para cada um dos times de futebol do Rio. Roubando um trechinho aqui
outro ali de famosas marchas americanas, o compositor criou as mais belas e
queridas músicas-símbolos para o Flamengo, Fluminense, Botafogo, América e
Vasco.
O Programa
Casé, com Ademar Casé, e Horas do
outro mundo, com Renato Murce, tiveram grande repercussão na Mayrink e
foram copiados Brasil afora. Em sua
biografia Bastidores do rádio
(Imago), Murce conta que a maioria dos talentos estava na Mayrink. Ele cita os
artistas novos lançados por ele no Horas do outro mundo, como Zezé Fonseca,
Manezinho Araújo, maestro Chiquinho, Luis Barbosa, o inventor do breque. No Programa Casé, que também falamos aqui e
que passou por várias emissoras, outra quantidade estrelas foi lançada na
Mayrink, deixando sua marca de profissionalismo e criatividade.
No horário nobre, durante dois anos, o radialista
Gilson Amado produziu o programa Comentários
do Observador na Assembleia Nacional Constituinte. Gilson, que foi fundador
da TV Educativa, em 1967, acompanhava as discussões que resultaram na
Constituição de 1934. Depois, o programa Mesas
Redondas de Gilson Amado, também na Mayrink, debatia com as mais
importantes personalidades, artistas e políticos sobre diferentes temas,
principalmente cultura, assunto novo e pouco valorizado nos anos 30.
A Mayrink trazia para seus estúdios as grandes
estrelas internacionais que vinham cantar nos cassinos da cidade. As pessoas
que não tinham dinheiro para frequentar o Cassino da Urca, Atlântico,
Copacabana ou Icarahy podiam, ao menos, ouvir os cantores maravilhosos que
frequentavam o Brasil e ganhavam rios de dinheiro, mesmo durante a Segunda
Guerra. Com o fim dos cassinos, em 1946, “sem as atrações internacionais, caiu
a qualidade da programação e, com ela, a audiência da rádio”. Quem explica esse
fenômeno é Sonia Virgínia Moreira, no livro
Rádio Palanque (Mil Palavras).
Nos anos
40, a Rádio Mayrink Veiga mudou de mãos. Metade de suas ações foi comprada pela
Organização Victor Costa que depois vendeu para Assis Chateaubriand. Nos anos
50, mesmo concorrendo com a Rádio Nacional, a Mayrink teve um elenco
espetacular de humoristas. Todos os dias, havia um programa diferente, atraindo
a atenção do público que queria se divertir com o rádio.
A PRK-30, que Marco Aurélio já comentou em seu
quadro de memória do rádio, e que é absolutamente genial, passou pela Rádio
Mayrink Veiga antes de estourar na
Nacional. Mas existiam muitos outros
programas de humor, como A cidade se diverte, cuja abertura ouvimos
no início do nosso quadro. O Vai da Valsa
tinha como redatores Antônio Maria, que escolhia um tema e escrevia todo o
programa em cima disso e também o humorista Chico Anysio, que começou na Rádio
Guanabara. Chico costumava dizer que aprendeu quase tudo na Mayrink Veiga, com
um supertime de redatores de humor. No
elenco de atores, só havia feras como Zé Trindade, Matinhos e Antonio Carlos, o
Minerinho, pai da atriz Glória Pires. Antes de passar para a TV Rio, Chico
Anysio já era o professor Raimundo, uma espécie de escada para os atores da
Mayrink.
Nos anos 60, outra metade das ações da estação,
que estava com Antenor Mayrink Veiga, foi parar nas mãos de Miguel Leuzzi,
muito ligado ao governo de João Goulart.
Começam a aparecer na emissora os programas jornalísticos, que não era o
forte no início das transmissões. Raimundo Nobre de Almeida, que era líder de
audiência na Rádio Mauá (oficial do Ministério do Trabalho), com a atração O trabalhador se diverte, aos domingos,
das 14h às 16h, passou para a Mayrink.
Raimundo gostava de apresentar Jango como o “líder inconteste dos trabalhadores
brasileiros”, o que deixava Jango bastante encabulado.
Seguindo o traço político que começou com a
Revolução Constitucionalista, a Mayrink, em 1961, participou da Cadeia da Legalidade, uma rede nacional
de estações organizada por Leonel Brizola , em Porto Alegre. Ele queria defender
a democracia e fazer com que o vice-presidente, Jango Goulart, que estava na
China, assumisse o poder quando o presidente Jânio Quadros decidiu renunciar. A
Cadeia durou 12 dias, a partir dos porões do Palácio Piratini, sede do governo
gaúcho. Fizeram parte da resistência aos militares, que tentavam um golpe
militar, dezenas de rádios em ondas curtas e
médias. Por pouco, não foi bombardeada.
A Rede da Legalidade divulgava boletins em
espanhol, inglês, português e francês. E terminou em 5 de setembro de 1961,
quando Jango foi recebido em Brasília como mandatário da nação. Durante o seu
governo, a Mayrink foi parceira de Jango, que divulgava ali as reformas de base.
Em 1962, as revistas de rádio garantiam, segundo
o livro de Angela Virgínia Moreira, que a Mayrink havia sido comprada por
Leonel Brizola, mas isso nunca ficou provado. Outros diziam que a emissora fora
apenas alugada por Brizola que veiculava seus discursos em diversos horários. Logo após o golpe militar, a Rádio Mayrink
Veiga foi destruída pelos militares e outros opositores. Todo o acervo foi queimado ou jogado no meio da rua.
Em
2011, o pesquisador Ricardo Cravo Albin recebeu, em regime de comodato, o
microfone, onde cantou a famosa Carmem Miranda, e equipamentos que sobraram do estúdio da rádio Mayrink Veiga. Atualmente,
tudo isso está no Instituto Cultural Cravo Albin, na Urca, esperando que algum historiador conte essa
história incrível que se perdeu no meio do caminho. A Mayrink Veiga teve até um
hino, composto por Urbano Lóes e Britinho.
Pertence o teu futuro a cada fã (bis)
Rainha do éter sempre campeã. (bis)
Amor à luta é toda tua história (bis)
Nas páginas da luta pela glória.
O rádio brasileiro enobreces
Vou eu cantado que de ti me ufano
Eu tenho orgulho de ser mayrinkiano
Avante colegas cantando
Avante fãs do coração.
Cantemos todos proclamando
A glória da "sua estação"
Rainha do éter sempre campeã. (bis)
Amor à luta é toda tua história (bis)
Nas páginas da luta pela glória.
O rádio brasileiro enobreces
Vou eu cantado que de ti me ufano
Eu tenho orgulho de ser mayrinkiano
Avante colegas cantando
Avante fãs do coração.
Cantemos todos proclamando
A glória da "sua estação"
Fui admirador de uma grande maioria de artistas,cantores compositores e políticos. Ouvia todas as rádios do passado, assim como lia os jornais e revistas de minha época, pois nasci em 1928! Belos tempos onde a comunicação era feita pelo telégrafo e meu primeiro carro foi um Ford fabricado em 1927 e o possuí quando tinha 15 anos.
ResponderExcluirObrigada por seu comentário, fiquei feliz.
ResponderExcluirGOSTARIA QUE ME ENVIASSE UM VIDEO DO PROGRAMA HOJE É DIA DE ROCK COM JAIR DE TAUMATURGO PELA RÁDIO MAYRINK VEIGA DO RIO . POR FAVOR. ERA OUVINTE . AMAVA. SAUDADES.
ResponderExcluirObg ! Sou apaixonado por essa época de ouro do rádio , embora não a tenha vivido ! De Belém do Pará .
ResponderExcluirVivi uma das melhores épocas de minha vida, ouvindo a Rádio Mayrink Veiga.
ResponderExcluirEU TENHO SAUDADES DOS PROGRAMAS HUMORISTICOS DA MAYRINK VEIGA COMO LEVERTIMENTOS, ALEGRIA DA RUA, VAI LEVANDO, BOATE DO ALI BABÁ, CAFÉ SEM CONCERTO, ME DÁ MEU BONÉ, VAI DA VALSA, MISS CAMPEONATO, ALARICO MALASSORTE ENTRE OUTROS.
ResponderExcluirBela reportagem. Faltou citar muitos programas de sucesso: Este norte é de morte. Aquarela Sertaneja.
ResponderExcluirMuito feliz em encontrar informações tão detalhadas. Na infância minha mãe e irmã ouviam essa rádio tão querida. Também fomos participar e assistir ao programa de Raimundo Nobre de Almeida, no Natal dos trabalhadores. Após a tragédia que foi a ditadura, Raimundo trabalhou na Rádio Difusora de Duque de Caxias, converteu-se ao Cristianismo e fundou sua própria rádio em seu templo religioso, situado no Jardim Ideal II, em Belford Roxo. Sua segunda esposa, a cantora Marilene Santiago, ainda está viva e continua liderando a comunidade evangélica que minha irmã caçula frequenta.
ResponderExcluirSou historiadora e estou escrevendo um livrinho que deverá falar um pouco de tudo, inclusive da Mayrink Veiga, que teve a melhor programação de todos os tempos. Estou com idade avançada, tinha 11 anos quando a ditadura cortou os nossos sonhos, e estou residindo em Cabedelo, na Paraíba. Infelizmente, não posso aceitar o desafio de contar esta histórias. Saudações Históricas.
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