Rose Esquenazi
Mil corações, a valsa de 1938, com Nuno Roland.
No dia 31 de
dezembro de 1942, a Rádio Nacional passou a falar várias línguas. No governo do
Estado Novo de Getúlio Vargas, durante a Segunda Guerra, o Departamento de
Imprensa e Propaganda decidiu investir na radiodifusão através das ondas
curtas. Programas da Rádio Nacional eram traduzidos para os idiomas inglês,
francês e espanhol. Com essa primeira estação de ondas curtas, das quatro que vão
existir nos anos seguintes, a Nacional se torna uma das potentes rádios do
mundo. Eram estações de ondas curtas: a
PRE-8, a PRL-7, a PRL-8 e a PRL-9.
Imaginem um
mundo sem internet, computadores e antenas parabólicas. É difícil, mas era
assim nos anos 40. Para as novas gerações entenderem do que estamos falando, segundo
o texto da Rádio France, as ondas curtas são quase um milagre porque as
frequências por onde passam essas ondas dependem de três fatores para sintonia:
a hora do dia, a estação do ano e a atividade do Sol. “Esta dificuldade que
muitos encontravam para sintonizar uma rádio internacional é o que acabava
transformando a atividade em um hobby.”
O
professor João Batista de Abreu Junior, doutor em Comunicação na UFF, ensina
que, enquanto o sal é um ótimo propagador de som, a luz solar é péssima. De preferência,
escolhe-se uma área junto ao mar para instalar as antenas porque é preciso de
10 mil metros quadrados de área para que a onda possa propagar. Segundo João,
uma das primeiras experiências em ondas curtas foi durante a Guerra Civil
Espanhola. Havia a rádio falangista, de Franco, e a rádio republicana, as duas
em Barcelona. Perto do Mar Mediterrâneo, as ondas chegavam ao norte da África,
e, em árabe, os locutores arregimentavam pessoas para lutar na guerra.
No
início dos anos 40, o investimento em ondas curtas mobilizou a Rádio Nacional.
E isso aparece nas páginas extras do Boletim
da emissora. Três meses depois, passaram a ser publicados boletins
específicos da emissora intitulados Rádio
Nacional – do Brasil para o Mundo: Boletim Informativo de Serviços de
transmissões. Bimensais, eram editadas em português, inglês e espanhol.
A partir de 1943,
são muitas as pessoas do Alasca, Inglaterra, África do Sul, África Francesa,
Índia, Nova Zelândia, Suíça, Japão que mandam cartas para a Nacional pedindo um
cartão-postal da emissora. Dessa maneira, elas confirmavam o recebimento da
mensagem. Pediam também discos de cantores brasileiros e faziam muitos elogios.
O senhor Higham
Hill, de Northbanks, Inglaterra, por exemplo, escreveu a seguinte carta,
publicada na última semana de dezembro de 1944, na Revista da Rádio Nacional. Vocês vão ver que é muito curiosa a
linguagem formal e estranha que o senhor Higham se comunicava em português.
“Prezados
senhores – Tenho o prazer em dar-vos os parabéns pelos ótimos programas que
levais a afeito. Sou um ouvinte costumeiro da Rádio Nacional e acho os novos
programas (são) muito interessantes. Os ouvintes daqui das Ilhas Britânicas
sentem-se mais próximos dos seus aliados brasileiros devido a vossos
broadcastings. Desejaria apenas que a duração de vossos programas fosse maior,
uma vez que é recebido aqui com notável clareza e bastante forte.”
Em outubro de
1944, J.B. Cooper, um ouvinte do Canadá, disse que captou as transmissões em
Vancouver. Sabia que estavam dirigidas aos Estados Unidos, mas afirmou que elas
eram bem-vindas por lá. Acabava assim a carta: “O transmissor do qual temos
ouvido as irradiações tem por prefixo PRL8 – 11,720 kcs, 25 metros”.
É bom
esclarecer: a estação de 50 quilowatts de potência da Nacional tinha oito
antenas, sendo duas dirigidas aos Estados Unidos, duas à Europa e para a Ásia. Com a grande extensão do território
brasileiro, outras antenas enviam as ondas curtas onde não havia rádio e,
assim, acabaram unindo o país. As
antenas estavam instaladas no bairro de Lucas, ao lado das antenas de onda
média. Até hoje, a Rádio Nacional da Amazônia tem uma importância muito grande
na comunicação.
De acordo com o
livro Rádio Nacional, o Brasil em
sintonia, de Luiz Carlos Saroldi e Sonia Virgínia, o diretor Gilberto de
Andrade, em 1941, escreveu um texto
dizendo que, a partir daquele momento, era “a voz do Brasil que vai falar ao
mundo, para dizer aos poucos civilizados do universo que o que aqui se faz em
prol dessa civilização. É a música brasileira que será difundida através dos
recantos mais distantes do globo, exibindo toda a sua beleza e todo o seu
esplendor”.
Nós ouvimos, no
início do quadro, a valsa Mil corações,
de 1938, com Nuno Roland. O cantor catarinense que estreou na Rádio Nacional no
primeiro dia de funcionamento da estação, 12/9/1936, era uma das atrações dessa
programação internacional. Fazia parte da época de ouro, ao lado de Francisco
Alves e Orlando Silva. Todos estavam começando a fazer sucesso também em outros
países já que a Argentina já tinha sido conquistada.
Nas revistas divulgadas pela Rádio Nacional,
havia toda a grade de programação e, marcadas com asteriscos, as atrações dirigidas
especialmente para os estrangeiros. Não era apenas a música e o Repórter Esso que iam para o exterior.
Havia propaganda maciça de produtos nacionais. Falava-se do café, da borracha,
do algodão e da madeira.
O baião de Luiz
Gonzaga e Humberto Teixeira, interpretado pelo grupo Quatro Azes e um Coringa,
deve ter surpreendido muita gente em diversas partes do mundo, nos anos 40. Era
um som diferente e bem brasileiro. Vamos ouvir?
https://www.youtube.com/watch?v=AaCntPYVNx8
Grandes nomes também
escreviam crônicas que eram lidas em várias línguas. Manuel Bandeira assinava
algumas delas, sempre tratando assuntos do cotidiano. Anos mais tarde, essas
crônicas se transferem para a Rádio MEC, onde ganham a voz de Paulo Autran e o
nome de Quadrante.
Além de Manuel
Bandeira, assinavam textos exclusivos para a Nacional o poeta Cassiano Ricardo,
que também era diretor do jornal A Manhã,
do governo, e era diretor também do Departamento de Divulgação
Político-Cultural da PRE-8. Seus
colaboradores – Roquete Pinto, Raul
Machado. Vieira de Melo, Gilson Amado, Andrade Muricy e Silvio Froes de Abreu -
se reuniam e, diariamente escreviam crônicas de caráter cultural e político e
transmitidas nas frequências de 9.520 e 11.720 quilociclos.
Além de viajar para
o exterior, esse material também era apresentado na Rádio Nacional, em ondas
médias. A expansão tinha um caráter
ideológico e político. O mesmo projeto era praticado pela Rússia, e, depois,
pela Alemanha, Inglaterra e Estados Unidos. Fazer a cabeça das pessoas usando a
música e o sotaque local era sucesso garantido.
Na última semana
de dezembro de 1944, a Revista da Rádio
Nacional publicou a programação de ondas curtas que incluíam as atrações
exclusivas para os soldados da FEB na Itália, às 11h da manhã. Às 15h30, havia
as mensagens aos expedicionários, mandados pelas mães, noivas e mulheres dos
pracinhas.
Os anos 50 foram
o auge das ondas curtas. O professor João Batista lembra do noticiário diário Llamando a América, em espanhol, feito
por José Payá. Vamos ouvir agora um fado
brasileiro que estreou no Um milhão de
melodias na Nacional, em 1953. Nora Ney foi
acompanhada pela Orquestra Brasileira, sob a direção de Radamés Gnattali. Deve
ter agradado muito os portugueses. Em 1944, Um milhão de melodias já aparece na grade da Nacional.
Canção de Portugal Garoto e José Vasconcelos
Além do noticiário
para o Uruguai, e outro geral, para a América Latina, havia um especial para
Portugal, o Canadá e os Estados Unidos, com Rocky Wood. Já o programa para a
Inglaterra e Irlanda, era apresentado por C. Corder.
A Hora do Brasil ganhou uma versão mais enxuta
porque os ideólogos do Estado Novo imaginaram, com razão, que os estrangeiros
não suportariam muito sobre os feitos do governo brasileiro. Vamos ouvir Rosina Pagã, outra atração para os
estrangeiros. Só para lembrar, a paulista Rosina era irmã de Elvira Pagã e
juntas formaram a dupla Irmãs Pagãs. Em 1940, ela foi contratada pela Nacional.
Rosina morreu aos 94 anos, em Los Angeles, no ano passado.
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