Rose Esquenazi
Você sabe qual foi o programa de rádio
mais impactante, o mais falado no mundo? Os estudiosos dizem que foi Guerra dos Mundos, veiculado no dia 30
de outubro de 1938, um domingo, criação do genial Orson Welles. Welles (1915-1985)
tinha apenas 23 anos quando passou a dirigir o programa de teatro radiofônico
chamado Mercury Teatre on the Air, da
emissora americana CBS. Naquela data, ele decidiu adaptar o romance clássico de
ficção científica, de 1897, com o mesmo título, do autor inglês H.G. Welles.
Muito ligado ao teatro, Welles tentou dar veracidade à história de invasão de
marcianos na terra.
Hoje, para comemorar os 100 anos de nascimento de
Welles, vamos apresentar uma versão brasileira do famoso programa. Em 1998, uma
equipe da Rádio de Pernambuco encenou a Guerra
dos Mundos, sob a liderança de Luiz Maranhão Filho. O CD foi encartado no
livro Rádio e Pânico. A Guerra dos Mundos, 60 anos depois,
organizado por Eduardo Meditsch. No
livro, vários professores analisaram o impacto do programa que mais marcou a
mídia no século XX.
Vamos tentar entender porque uma simples
atração de rádio levou à população de Nova Jersey e Nova York ao verdadeiro pânico nos anos 30.
Em primeiro lugar, o mundo vivia o prenúncio da Segunda Guerra. Havia medo do
ar. O nazismo estava crescendo na Europa e ninguém sabia se os Estados Unidos
iriam ou não participar da guerra, o que de fato aconteceu em 1941. Em 1938, já
havia no rádio uma divisão entre o noticiário e o entretenimento. Mas o jovem
Orson Welles resolveu misturar as duas coisas sem dizer ao público que estava
fazendo isso. As técnicas radiofônicas nos Estados Unidos estavam muito mais
avançadas do que no Brasil. Traduzindo. Desde o início da atividade, em 1920,
três antes do Brasil, os EUA já tinham dinheiro vindo do comércio e indústria.
Coisa que só vai acontecer aqui em 1932. Com dinheiro, eles investem,
contratam, ousam fazer programas diferentes.
O público que estava ouvindo o programa Mercury Teatre on the Air desde o início sabia que aquele horário era do teatro.
Mas as pessoas que sintonizaram o rádio depois e, por acaso, não ouviram a
apresentação do locutor, pensaram que as notícias eram reais porque interrompiam
o programa musical. Acharam que realmente estava acontecendo uma tragédia. Isso
porque o diretor Welles ensaiou com a sua grande equipe todos os detalhes. Os
atores interpretaram os papéis de cientistas, prefeito, vítimas e jornalistas
com muito realismo. Além disso, a decoração sonora, ou melhor, a sonoplastia,
foi estudada minuciosamente para reproduzir sons de sirenes, supostas naves
espaciais aterrissando na terra e por aí vai. Em um filme de TV a que assisti, certa
vez, apareceu uma técnica da CBS gravando – ah, já existiam gravadores de fita,
na época, e não de acetatos como os daqui – gravando bem de perto uma descarga
de banheiro. Amplificada ao extremo, o barulho ficou parecendo o mais dramático
som jamais ouvido na Terra!
Vamos ao começo do programa com música
agradável e descontraída ao último boletim. Um suposto repórter vai ao
Observatório, conversar com um cientista sobre o Planeta Marte. Isso até que a
notícia de uma explosão chega ao rádio. É tudo muito estranho. O que caiu na
fazenda, que círculos de fogo são aqueles?
Vamos ouvir mais um trecho.
A situação de pânico foi tomando conta
da população de Nova Jersey. Muitos acreditaram nos depoimentos das
autoridades. Pegaram as crianças, as joias e o dinheiro e fugiram sem rumo. Não
queriam dar de cara com marcianos. OK, as pessoas eram mais ingênuas naquele
tempo. Mas nunca havia acontecido algo semelhante. Logo se formou um grande
engarrafamento nas estradas. Pessoas buzinavam alucinadamente, algumas tentaram
o suicídio. Não há confirmação de que alguém tenha realmente se matado.
Quando a direção da rádio viu que estava
acontecendo essa confusão toda, pediu para Orson Welles parar o programa e
anunciar que era tudo mentirinha. Mas o diretor não parou. Ele quis ver o circo
pegar fogo. E pegou mesmo. No dia seguinte, ele deu uma entrevista coletiva
explicando que foi um erro dele, que não sabia o que estava acontecendo. O que
foi uma grande mentira. Welles não era bobo nem nada. Logo depois dessa
confusão, ficou tão famoso que a produtora de cinema RKO o convidou para entrar
para a indústria. Isso sem Welles ter feito um único filme na vida. Com carta
branca do estúdio, ele – o gênio – decidiu filmar Cidadão Kane, filme considerado um dos mais impressionantes
realizados até hoje.
Segundo levantamento de Adriana Ruschel Duval,
jornalista da PUC do RS, no livro de Eduardo Meditsch, havia 200 aparelhos por
mil habitantes. Os carros saíam das fábricas já com rádios. Seis milhões de
pessoas ouviram a voz de Orson Welles e dos atores naquele programa de 1938. “A
imaginação fez o resto”, escreveu Adriana.
A figura do locutor sumiu nos primeiros
minutos do programa. “Travado no solo sagrado do imaginário, não teria nem um
começo nem um fim”, nas palavras da jornalista.
“Permaneceria entre os meridianos da vida e da morte, da realidade e da
fantasia.”
No texto da professora Ana Baumworcel,
Orson Welles soube usar o silêncio no rádio como ninguém. O silêncio deu lugar
à imaginação, ao suspense e ao medo. Ana cita Bruneau quando ele escreveu, em
1973, que “o silêncio é a língua de todas as fortes paixões, como o amor, a
surpresa, o medo, a cólera”. Foram apenas seis segundos de silêncio até que a
transmissão de Guerra dos Mundos
voltasse com o boletim informativo e uma música. Mas que impacto... Esses
segundos mudaram a vida do ouvinte daquela época!
No texto do saudoso Luiz Carlos Saroldi,
um dos radialistas que mais entendia de rádio no nosso país, Orson Welles sabia
que os fatos políticos no fim dos anos 30 levavam a uma situação
dramática. Ele não era um alienado. Segundo
Saroldi, Orson Welles disse que “seis minutos depois de entrar no ar, os
painéis telefônicos das estações de rádio do país inteiro piscavam como árvores
de Natal”. Welles declarou que “vinte minutos depois estávamos com um estúdio
repleto de policiais atônitos. Eles não sabiam quem prender nem por que, mas
sem dúvida emprestaram um certo tom ao restante da transmissão”. Ainda nas
palavras de Welles: “Fomos percebendo, enquanto prosseguíamos com a destruição
de Nova Jersey, que o número de lunáticos existente no país tinha sido
subestimado”.
Durante 45 minutos, a população ficou
hipnotizada com o que ouvia. O diretor Woody Allen chegou a incluir uma cena em
seu filme A Era do Rádio, de 1987. O rapaz está com uma mocinha e, ao ouvir que
os marcianos tinham chegado, sai alucinado do carro e deixa a garota sozinha. Vamos
ouvir mais um trecho.
O impacto das transmissões foi tamanho
que houve um acordo nas emissoras para que, no futuro, as coisas nunca mais
poderiam ser misturadas, Se fosse um programa de ficção, seria preciso lembrar,
de tempos em tempos, que a transmissão se tratava de um peça teatral.E que não
é possível enganar o público misturando dois tipos de comunicação, falar de
jornalismo junto com ficção. Na Alemanha
e nos territórios ocupados, Hitler usou muito essa mistura durante a guerra e
levou muita gente a acreditar em fatos não verdadeiros. A confiança e credibilidade
se quebraram entre os ouvintes que confiavam tanto na voz do rádio.
Na análise de Sônia Virgínia Moreira,
jornalista e professora da UERJ, “ao transmitir um texto de ficção com fortes
componentes de realidade, o rádio conseguiu mostrar boa dose da sua capacidade
de convencimento e de seu poder de mobilização. Duas características que seriam
exploradas nos anos seguintes nos campos de batalha reais da Segunda Guerra
Mundial”. Vamos terminar com mais um
trecho de A Guerra dos Mundos, na
versão da Rádio de Pernambuco.
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