Rose Esquenazi
A música Tudo acabado, de J. Piedade e Oswaldo Martins, interpretada por Dalva de Oliveira pode ser ouvida em https://www.youtube.com/watch?v=696uD2GaxBw. A cantora
teve seu apogeu artístico durante os anos 30 e 50. Vicentina de Paula Oliveira nasceu na cidade
de Rio Claro, SP, no dia 5 de maio de 1917 e foi uma das maiores cantoras brasileiras. Mas a linda
voz não foi usada para cantar sambas ou marchas de Carnaval. Nem para alegrar o
público feminino que passou a lotar os auditórios da Rádio Nacional, nos anos
50. No tempo de Marlene e Emilinha, Dalva, que também tinha fã-clube, cantava a
tristeza, a desilusão.
No livro Por trás das ondas da Rádio Nacional, de Miriam Goldfeder, a autora
explica que no repertório de Dalva não há lugar para o mito da felicidade, para
o happy end. As letras podem ser redundantes,
mas a aceitação pelo público foi imediata. Depois da guerra, havia no país
uma “situação de insegurança e
insatisfação latente nos setores médios e baixos da população, já desiludidos
com as perspectivas que a sociedade parecia lhes oferecer”. Isso no
entendimento da autora Goldfeder.
Filha de uma
portuguesa e de um brasileiro, que era pintor, Vicentina foi muito pobre. Desde
cedo aprendeu música, e, como tinha uma bela e potente voz, de contralto ao
soprano, estudou canto lírico. Em 1935, conheceu o compositor e cantor
Herivelto Martins, com quem iria se casar mais tarde. Ao lado de Francisco
Sena, Herivelto formava o dueto Preto e Branco. Com a entrada de Dalva,
passaram a se chamar Trio de Ouro.
Foi assim que
estrearam na Rádio Mayrink Veiga, no Rio, a convite de César Ladeira. Modernos
para a época, Herivelto e Dalva, antes de se casarem, foram morar juntos para
horror da classe média conservadora. Finalmente, oficializaram a união em 1937.
Foram dois rituais: na igreja católica e no ritual de umbanda, na praia.
Tiveram dois filhos, que também seriam cantores: Peri Oliveira Martins, o Pery Ribeiro, e Ubiratan
Oliveira Martins. Depois de dez anos, o casamento acabou. Naquele tempo, não
era permitido o divórcio no Brasil.
As brigas foram piorando com o tempo. Agressões físicas,
temperadas com álcool e muita raiva, só pioravam a situação. Segundo Peri
Ribeiro, que lançou o livro Minhas duas
estrelas, em 2006, Herivelto não suportou o fato de Dalva conseguir viver
sem ele. Mesmo tendo sido do pai a decisão da separação e já estar com uma
segunda mulher, costumava dizer que foi ele quem criou a Dalva. Como se a fama
fosse de sua autoria e responsabilidade. O que não era verdade, apesar de Herivelto
ser um ótimo compositor.
Dalva fazia muito
sucesso na Rádio Nacional, mas começou a ser difamada. Ela passou a ter outros namorados,
o que pareceu uma atitude escandalosa para uma determinada fatia do público. O
problema é que começou na imprensa uma campanha de difamação a pedido de
Herivelto Martins. Foram publicadas várias reportagens assinadas pelo jornalista
David Nasser no Diário da Noite. As
palavras acabaram com a moral de Dalva. Como consequência, o conselho tutelar
mandou Pery e Ubiratan para um internato. A alegação era de que a cantora não
tinha boa conduta moral para criar os filhos. Dalva entrou em desespero.
Começou nas
estações de rádio a apresentação de uma série de músicas que revelavam a tensão
entre os dois. As roupas sujas do ex-casal estavam sendo lavadas em
público. Por exemplo, Segredo, de 1947, música de Herivelto Martins e Marino Pinto,
falava sobre essa situação constrangedora. Pronto, começava ali a incrível
disputa musical entre dois artistas de peso. O pior, o público acompanhava
tudo, ora apoiando um, ora apoiando o outro.
Os versos de Segredo dizem o seguinte:.
O peixe é pro fundo das redes,
Segredo é pra quatro paredes,
Não deixe de que males pequeninos,
Venham transtornar os nossos destinos,
Primeiro é preciso julgar,
Pra depois condenar.
Seu mal é comentar o passado,
Ninguém precisa saber o que houve
Entre nós dois,
O peixe é pro fundo das redes,
Segredo é pra quatro paredes,
Não deixe de que males pequeninos,
Venham transtornar os nossos destinos.
Os filhos ficaram afastados e só podiam visitar os
pais em datas festivas e fins de semana. Aos 18 anos, Peri e Ubiratan ganharam
o direito de sair do internato. Em 1952, Dalva
se consagrou na música mundial, cantou em Paris e Buenos Aires, e ganhou o
título de Rainha do Rádio. Outras músicas fizeram parte da polêmica musical radiofônico:
Tudo acabado, Que será, Errei sim, Falso
amigo, Calúnia, Palhaço. Vamos ouvir Saia
do meu caminho.
Dalva conheceu o argentino Tito Climent, que foi seu amigo, empresário e, finalmente, seu segundo marido. Dalva se mudou para Buenos
Aires, e também não apressou no casamento. Decidiram adotar uma menina, grande
sonho de Dalva, que não quis mais ter filhos. Achava que n]ao tinha tempo
devido ao sucesso de sua Carrera. O casal adotou uma criança em um orfanato de
Buenos Aires. Ela ganhou o nome de Lúcia
Oliveira Climent.
Dalva e Tito acabam se casando. Depois de quatro
anos, o casamento acabou e, mais uma vez, Dalva viveu uma turbulência de
brigas. Tito Climent queria uma mulher fina e elegante, coisa que Dalva não
era. Mulher simples e de fácil relacionamento, a cantora sofreu um choque ao
saber que o marido queria tirar a filha de sua convivência. Entre o Brasil e Argentina, Dalva decide ficar
em Buenos Aires para cuidar da filha. Curiosamente, Tito fez como Herivelto:
inventou mentiras sobre Dalva e usou os jornais para fazer intrigas.
Ao retormar a carreira em 1963, Dalva experimentou
novo sucesso e mais um amor. Manuel Nuno Carpinteiro, 20 anos mais novo, casou-se
com a cantora. Como não podia deixar de ser, muita gente achou a diferença de
idade, um verdadeiro absurdo. Mas Dalva assumiu o casamento e passou ao largo
das intrigas. Conseguiu ser feliz durante um tempo até que, dois anos Manuel,
que estava dirigindo bêbado, teve um acidente que matou quatro pessoas. Foi condenado
e preso. Enfrentando a imprensa corajosamente, Dalva costumava visitá-lo na
prisão. No Carnaval, costumava interpretar um grande sucesso: Bandeira branca, de Max Nunes e Laércio
Alves.
Chamada de Rouxinol Brasileiro, Dalva realizou mais
de 400 gravações. Sua voz está registrada também em vários coros de discos de
Carmen Miranda, Orlando Silva e Francisco Alves. Na primeira versão do filme Branca de Neve e os Sete Anõe , produzida pelos estúdios Disney, em 1938, Dalva de Oliveira dublou os diálogos da
personagem Branca de Neve.
Dalva morreu no Rio de Janeiro, no dia 30 de agosto
de 1972, aos 55
anos. Mais de 2 mil pessoas foram se despedir dela no Teatro João Caetano. No
ano de 2010, a Rede Globo reviveu essa história na minissérie Dalva e Herivelto, uma canção de amor, de Maria Adelaide Amaral. No elenco, estavam
Adriana Esteves e Fábio Assunção. Vamos ouvir mais uma canção que fez muito
sucesso no repertório de Carmem, Folha
morta, de Ary Barroso. Os versos dizem assim:
Sei que zombam de mim
Oh, Deus
Como sou infeliz
Vivo à margem da vida
Sem amparo ou guarida
Oh, Deus
Como sou infeliz
Já tive amores
Tive carinhos
Já tive sonhos
Os dissabores
Levaram minh'alma
Por caminhos tristonhos
Hoje sou folha morta
Que a corrente transporta
Oh, Deus
Como sou infeliz, Infeliz
Eu queria um minuto apenas
Pra matar minhas penas
Oh, Deus
Como sou infeliz
Agora, a interpretação de Dalva.
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