Rose Esquenazi
Antônio Vicente Filipe Celestino nasceu no dia
12/9/1894.
Foi um dos mais importantes cantores brasileiros do século XX. Pertenceu à
Época de Ouro da música brasileira, ao lado de outros grandes cantores como
Mário Reis e Francisco Alves, por exemplo. Vicente tinha uma voz tão potente,
que tinha que cantar e gravar de costas a cinco metros do microfone. De outra
maneira, o cristal que servia para reproduzir o som se partiria. Nessa etapa mecânica, ele gravou 28 discos
com 52 músicas. Com a gravação elétrica, não precisava mais cantar de costas. O
novo sistema melhorou muito a qualidade do som. Ao todo, gravou 137 discos em
78 rpm, ao todo 274 músicas, 10 compactos e 31 elepês.
Consegui
com meu amigo Luiz Antonio de Almeida, grande expert em Ernesto Nazareth e que
trabalha no MIS, um áudio sensacional. Trata-se de um programa da Rádio
Nacional, de 5 de fevereiro de 1949. Foi oferecido pela neta de Vicente
Celestino, Daise Celestino. Chama-se Caricaturas
Figacol, um remédio para o fígado daquela época. Escrito por Fernando Lobo,
com a orquestra de Lírio Panicalli e narração de Roberto Faissol, o programa
dramatizou a vida do grande cantor.
Mas
vamos começar com a infância. Vicente nasceu em Santa Teresa, na Rua do
Paraíso, 11. Teve 11 irmãos, sendo que
cinco dedicaram-se ao canto e um ao teatro (Amadeu Celestino). Os pais italianos vieram da Calábria, ainda muito
jovens. Por ser mais velho, Vicente teve que arcar com o sustento dos irmãos quando
o pai, que era guarda-livros, morreu.
Vicente
gostava do teatro e fez parte do grupo Pastorinhas da Ladeira do Viana, entrou para
o coral infantil da ópera Carmen, de
Bizet, no Teatro Lírico. Para ganhar dinheiro,
teve que trabalhar em uma loja que vendia chapéus de palha na Rua Sete de
Setembro. Depois, foi aprendiz de sapateiro e servente de pedreiro.
A
iniciação musical se deu em 1913, como amador. Cantando em um chope-berrante, à
noite, ganhava apenas um pro labore
simbólico. Se o público gostasse, podia alcançar mais um pequeno degrau rumo à
fama. Às vezes, cantava em italiano, idioma dos pais. Certo dia, em 1914, ao sair com os
amigos, já adulto, cantou em um bar e foi convidado por um empresário se
apresentar profissionalmente. Primeiro,
no Teatro São José, em São Paulo, depois, na Cia Paschoal Segreto, como corista,
também em São Paulo. Começou a gravar na Casa Édison, no Rio.
Vicente
participou de várias companhias de teatro, óperas e burletas, e passou a estudar
canto lírico. Faz temporadas pelo país e
logo conquistou muito sucesso. Gravou, em1926, Linda Flor e Luar de Paquetá. Conheceu a cantora Gilda de Abreu e se casou com ela em
1933. Gilda era muito talentosa. Além de cantora lírica e de operetas, era atriz
de teatro e cinema, roteirista, autora de livros, de roteiros de cinema e peças
de teatro, de rádio novelas, além de ter dirigido vários filmes. Segundo
os fãs, jamais o Brasil conseguiu juntar no mundo artístico, um casal tão
versátil como este. Isso porque Vicente também compunha e se tornou ator de
teatro e cinema.
Em
1935, VC cantou O Ébrio pela primeira
vez na Rádio Guanabara. A Rádio Guanabara ficava na Rua Primeiro de Março e foi fundada em 1932.
Muitos profissionais começaram ali, como Elizete
Cardoso, Chico
Anysio, Fernanda Montenegro. A música fez tanto sucesso que foi gravada em
1936, pela RCA Victor. Em 1942, estreou como peça teatral . Mais sucesso. Até
que, em 1946, um dos discos mais vendidos naquele ano, virou filme com direção
de Gilda de Abreu. Vamos
ouvir trecho do maior sucesso do cantor: O
Ébrio. Primeiro, há um preâmbulo e
depois, ele começa a cantar.
Tornou-se
uma das maiores bilheterias brasileira de todos os tempos. Teve nada menos do
que mil cópias, algo raro e surpreendente. Vicente fazia o papel do bêbado,
homem triste, traído pela mulher. Foi abandonado pela família e amigos. Desesperado,
o personagem tentou uma chance em um programa de calouros do rádio, que imitava Calouros em desfile, de Ary Barroso,
famoso no rádio brasileiro. E o bêbado começa a ganhar notoriedade e algum
dinheiro para terminar seu curso de medicina.
Ao
cantar Mia Gioconda, Vicente contava
a história de um pracinha
que foi lutar na Itália e lá se apaixonou por uma mulher, que ele apelidou de
minha Gioconda. A letra mistura ufanismo, FEB, paixão e tristeza. No fim da
guerra, não deixaram o soldado trazer a mulher ao Brasil. A italiana ficou no
cais cantando para o brasileiro. Algumas
frases dessa música são ditas em italiano, língua dos pais de Vicente. “Tu sarai mia Gioconda”, e ela
respondia. “Brasiliano, minha vida hoje é você”.
Chorar
a traição da mulher, sofrer por amor, beber até cair, todo esse dramalhão que
fez tanto sucesso acabou cansando o público que mudava de gosto. Vicente passou
a se sentir discriminado. A voz era ótima, mas o cantor era rejeitado no Teatro
Municipal. O cantor Orlando Silva chamou-o de “bebê chorão do rádio”.
Em
1964, a 12 de setembro, a Rádio Nacional comemorou os 70 anos de Vicente
Celestino em um programa de auditório. Curiosamente, viveu o personagem de O Ébrio na telenovela da TV Excelsior de
São Paulo. Reconhecido ele foi pelo júri do Festival Internacional da Canção
que lhe concedeu o diploma de A Expressão Máxima da Canção, pela TV Globo.
Essas informações estão no livro O
hóspede das tempestades, de Guido Guerra (Record).
O meu
amigo Luiz Antonio de Almeida, biógrafo de Vicente Celestino, contou que ficou
impressionado com a reação do cantor Gilberto Gil, ao gravar seu depoimento no
MIS. O cantor baiano lembrou-se de que ele e Caetano Veloso tinham um programa
na TV Record, que fazia homenagem aos antigos artistas, nos anos 60. O primeiro
convidado foi Vicente Celestino. Para a neta de Vicente, Gil contou: “Celestino
nos deu uma tremenda bronca... Nós estávamos ensaiando a cena da Santa Ceia
(uma versão “tropicalista” que seria levada no programa) e o Vicente, com o
dedo em riste, praticamente gritando, disse: ‘Eu posso entender um Cristo negro
(personagem do Gil), mas a sagrada hóstia substituída por uma banana, ah...,
isso eu não aceitarei jamais!’”
Segundo
Luiz, que também é biógrafo de Vicente Celestino, “ele não cantava em público
há meses... Estava doente. Um câncer já começava a espalhar pelo corpo, da
próstata aos pulmões... Perdera vinte quilos... Sua esposa, Gilda de Abreu, o
incentivara a viajar... Achava que lhe faria bem... Vicente interpretou uma de
suas, então, mais recentes canções: "Obrigado, meu Brasil", e durante
o ensaio ficara emocionadíssimo por ter alcançado notas que há muito sua voz já
não chegava. Na mesma noite de 23 de agosto de 1968, no Hotel Normandie, aguardando a hora do programa, Vicente morria.
Estava vestido com seu smoking, tinha 74 anos e sofreu um infarto fulminante.
É
do mesmo filme a música Porta Aberta,
em que, mais uma vez, a religiosidade aparece fortemente. A porta aberta era o
acolhimento que recebeu da religião católica, depois de tantas portas
fechadas. No YouTube, pode-se ouvir um
padre falando com o personagem achando que ele está cantando em casa, mas está,
na verdade, em um programa de rádio.
Parabéns Rose Esquenazi pela belíssima reportagem sobre o inesquecível e inigualável Vicente Celestino, a voz orgulho do Brasil!!!
ResponderExcluirnao tenho nem palavras pelo show de conhecimento literario de mostro da era do radio.parabens pela pesquisa e reportegem amigo 81 9 8895 7451 zap Rogério lins promoções e eventos
ResponderExcluirInteressante pq sempre leio que o Orlando Silva realmente menosprezou o Vicente Celestino justamente na época que o orlando estava no auge, coisa que se não engano o Chico Alves não fez , anos depois o Orlando Silva também caiu um tempo no ostracismo devido a perda um pouco de sua voz que tinha no início da carreira e também sofreu com o desprezo de uma nova safra de artistas, tanto que já a partir dos anos 1950 e 1960 ele já não pensava assim do Vicente , agora se ele não tivesse falecido antes de participar do programa com os tropicalista tinha com certeza revigorado um pouco seu prestígio perante seu público.
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