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Rose Esquenazi
O programa
Rancho Alegre, veiculado na Rádio Nacional do Rio de Janeiro nos anos 1950, com Emilinha Borba, foi escrito pelo pesquisador, produtor e
diretor artístico da Nacional, Lourival Marques. Mas será que algum ouvinte do seu
programa, Marcus Aurélio, ainda se lembra dele, esse gênio do rádio? Esse é um
problema da nossa época, não nos lembramos de grandes nomes, trabalhadores
incansáveis e criativos, que fizeram o rádio brilhar durante muitas décadas.
Lourival Marques nasceu em Juazeiro do Norte, Ceará, em 15
de novembro de 1915. Filho do jornalista Sebastião Marques, teve a incrível oportunidade
de ver, em sua formatura no Grupo Escolar, o Padre Cícero, ele mesmo, em carne
e osso. Muito jovem, Lourival começou a descobrir o poder das ondas sonoras no
Centro Regional de Publicidade, que reunia 18 alto-falantes em Juazeiro do
Norte. O sistema veiculava notícias, informações de utilidade pública e
comerciais.
Em 1943, já estava trabalhando na Ceará Rádio Clube, em
Fortaleza. Criou os primeiros formatos de programa que iria adotar mais tarde
na Rádio Mayrink Veiga, no Rio de Janeiro. Ele foi contratado em 1945. Nessa
parte da história, também constatamos que não foi preservada a memória dessa
grande emissora brasileira que teve a sua sede lacrada no Centro da cidade.
Resultado de um ato do governo militar, todo o acervo da Mayrink Veiga
desapareceu por completo. Uma pena. Entre as 20 atrações que Lourival Marques
produziu na Rádio Mayrink Veiga, vamos citar “Recordações em Desfile”, sem
nenhum registro sonoro ou escrito.
Em 1950, Lourival Marques foi contratado pela Rádio
Nacional e entrou para um timaço de redatores. Mário Lago, Paulo Gracindo,
Hélio de Soveral e muitos outros. Na lista dos programas de Lourival está “Seu Criado,
Obrigado”. No depoimento do apresentador e radio-ator Gerdal dos Santos, ainda hoje
funcionário da Nacional, e um dos famosos contrarregras da era das novelas, ele
citou Lourival Marques. Mas teve dúvidas sobre a participação do roteirista,
que confirmo aqui. Durante muitos anos, a partir de 1953, Lourival Marques foi
também colaborador da Revista Radiolândia,
assinando a coluna “Dicionário da Gente do Rádio”.
Em 1963, Lourival escreveu um livro com o mesmo título do
programa, que consegui comprar em um sebo: “Seu Criado, Obrigado”. Em 12 anos,
ele reuniu centenas de perguntas dos ouvintes que o Criado, no caso, ele mesmo,
respondia. Mas a voz era de César Ladeira e a secretária do programa, vejam só,
era a radialista Daisy Lúcidi. Na Nacional, Lourival Marque tinha, além de uma
vasta biblioteca, recortes de jornais, revistas e as mais variadas publicações
para ajudá-lo nas pesquisas. Nem é preciso dizer que não havia Google, Internet
ou computadores na época, não é?
As perguntas dos ouvintes eram curiosas. Por exemplo:
“Odete Ramalho, de Petrópolis, Estado do Rio, queria conhecer o nome da
primeira pessoa a medir a pressão arterial”. O criado respondeu: “Foi um
sacerdote, o reverendo inglês Stephen Halles, em 1744. Baseado em observações
de Harvey e em outros estudos, usou Halles, naquela prova, um manômetro de sua
invenção”.
Outras perguntas: “Qual é a mais alta montanha do mundo”,
“A mais antiga emissora de rádio do mundo”, “Por que sofremos mais com o frio
do que com o calor”. E por aí vai.
Outro programa famoso de Lourival Marques foi o “Superflit”.
Patrocinado pelo veneno muito popular para matar insetos, antigamente, era a
garantia de estabilidade de Lourival Marques no rádio. Como disse
anteriormente, foram muitos programas escritos por ele, muito culto e
caprichoso. Pois bem, com o tempo, mostrando todo o seu talento, se tornou
diretor artístico da Nacional, na época de ouro da emissora.
Encontrei algumas citações sobre esse grande profissional
nos blogues de Jota Alcides e Renato Casimiro no Google, mas não há ainda uma
biografia alentada sobre ele. Nem sei quando morreu o autor dos seguintes
programas radiofônicos: "Bahia dos meus amores",
"Dicionário dos Extremos", "Brasil país dos mil ritmos",
"A música e o Dia", "Gente que faz a gente cantar",
"Radio Revista", "Em cima do Fato", "Clube das donas
de Casa".
Um dos grandes destaques foi a atração “A Canção da
Lembrança”, que teve como locutores os radialistas Jorge Cury e Reinaldo Costa,
O patrocínio era de Phimatosan, o “tônico poderoso". Em uma entrevista que
concedeu em 1948, ao jornal Noite
Ilustrada, Lourival Marques disse que era um dos mais lindos programas
noturnos da Nacional, de extremo bom gosto”. Mais tarde, ele se transferiu para
a Rádio Globo, onde apresentou “Cenas Brasileiras". Ter seu próprio
patrocinador, no caso Phimatosan, lhe dava a segurança de continuar trabalhando
naquilo que mais gostava: o rádio! Ouça, no YouTube, o jingle do Phimatosan.
Na introdução do livro “Seu criado, obrigado”, Lourival
Marques diz que não é tão fácil escrever para o rádio. Nas palavras dele: “Nem
todos se são conta dessa apreciável diferença entre a linguagem literária dos
livros e o texto simples dos programas de rádio. Não foram poucos os grandes
nomes da literatura nacional que naufragaram na tentativa de escrever para o
microfone, de expor suas ideias na palavra fácil que vai direto ao povo”.
Muita gente dizia para ele: “escreva como fala. Ponha no
lixo os acentos desnecessários”. OK, pode dar certo. Mas o desafio aceito por
Lourival Marques ao escrever um livro foi o oposto: “transportar o texto radiofônico
para o livro”, segundo ele, “era tarefa muito mais difícil de ser realizada”.