Rose Esquenazi
Se hoje temos um grande
reconhecimento do valor do samba, nem sempre a sociedade brasileira se
comportou assim. Na verdade, em 1939, houve uma grande briga entre os
intelectuais sobre esse ritmo que estava se impondo nas rádios brasileiras.
No jornal A Noite, o historiador Pedro Calmon, da aristocracia baiana,
decidiu escrever um artigo em que dizia que o samba não representava o país. Justamente
quando a cantora Carmem Miranda era convidada para representar o Brasil na
Feira Mundial e recebeu um convite milionário para cantar nas boates e nos
filmes americanos, durante um ano inteiro.
Carmem já fazia sucesso
absoluto no mundo da música. Foi a cantora que ganhou o maior cachê do rádio
brasileiro, era disputadíssima entre os donos das estações. Era o xodó da Rádio
Mayrink Veiga e da Tupi de São Paulo. Mas Pedro Calmon tinha traços racistas
muito profundos, como explicou o jornalista e historiador Sérgio Cabral no
livro “A MPB na era do rádio”, que vou citar aqui.
Pedro Calmon reclamou da
vulgaridade da baiana e do “prestígio súbito do violão, a volta da graça mulata
desterrada das zonas artísticas e das esferas filarmônicas do país”. Para ele, aspas,
“tudo era inverossímil, mosqueado de exageros pueris, deformado pelas imitações
incultas, para inglês ver e brasileiro não se entender”.
Assim como Carmem Miranda não
tinha preconceito em relação ao samba, o romancista José Lins do Rego também só
tinha a falar pontos positivos sobre o ritmo. Tanto que fez questão de escrever
em O Jornal, a sua crítica contra a
posição pedante de Pedro Calmon, dizendo claramente que ele era contra o samba.
Nas palavras de Lins do Rego: “O acadêmico que se volta contra os ritmos da
terra e a riqueza do nosso subsolo psicológico não terá forças nem de furar uma
cuíca, nem de partir as cordas do violão do Patrício Teixeira, nem de fechar
uma escola de samba”.
Ouvimos o início do quadro a
música O que é que a baiana tem, de
Caymmi e que fez parte do filme Banana de
Terra, de Wallace Downey. Agora, vamos apreciar um trecho de mais um samba
de 1939 e que irritou Pedro Calmon: Aquarela
do Brasil, de Ary Barroso, na voz de Francisco Alves.
O samba, como disse,
atualmente é estudado, respeitado, atrai os jovens que não se cansam de compor
novos sucessos e lembrar os antigos. A exposição que está aberta do Museu de
Arte do Rio, o MAR, na Praça Mauá, tem justamente esse tema tão abrangente e tão
carioca.
A mostra se chama “O Rio do
Samba – resistência e reinvenção”. Hoje o samba é patrimônio imaterial
brasileiro, o que não é pouca coisa.
Nasceu da diáspora africana, tornou-se resistência e foi se reinventando
ao longo dos dois séculos.
Vale a pena circular pelas
salas e descobrir como essa história é rica e cheia de contradições. Não foi só
o acadêmico Pedro Calmon que criticava o samba. A polícia do Rio também batia
em quem andava com violão debaixo do braço ou em que se reunia nas esquinas do
Rio para fazer batuque. Muitos consideravam música de terreiros, de candomblé.
É bom lembrar que durante muitos anos o candomblé e a capoeira eram proibidos
no país. No jornal A Noite, Pedro
Calmon foi explícito: “Denunciei não o samba, porém o batuque e as onomatopeias
que lembram, ao luar da fazenda, o perfil sombrio da senzala”.
No início do rádio no Brasil,
nos anos 1920, essa polêmica ainda era mais intensa, principalmente porque os
pioneiros preferiam a música clássica e de câmara à música popular brasileira.
Aos poucos porém e principalmente devido ao samba urbano, tendo Noel Rosa e a
geração dele à frente, as rádios Mayrink Veiga, Nacional e até a Sociedade,
atual Rádio MEC, perceberam que o povo gostava de ouvir os rirmos que estavam
mais próximos dele.
Surgiram tantos artistas
legítimos, compositores e artistas afinados. O fato se tornou um evidente: o
samba faz parte da nossa alma, não há o que negar. Vamos ouvir um hino de Zé
Kéti, chamado “A voz do morro”, escrita em 1955. Na letra. o compositor diz que “o queria “mostrar ao mundo” que tinha valor. Eu sou o rei dos terreiros/
/ Eu sou o samba // Sou natural daqui do Rio de Janeiro //Sou eu quem levo a
alegria // Para milhões de corações brasileiros // Mais um samba, queremos
samba // Quem está pedindo é a voz do povo de um país // Pelo samba, vamos
cantando // É... pra melodia de um Brasil feliz.
Os amantes do samba podem
descobrir on-line vários programas e emissoras dedicadas ao ritmo. Aqui na
Rádio MEC, o programa Armazém Cultural, com Tiago Alves, das duas às cinco da
tarde, de segunda a sexta, dá um show de conhecimento sobre o samba e promove
compositores e intérpretes que nem sempre têm oportunidades em outras
emissoras. Na Internet, os ouvintes podem começar pelo Rádio Viva o Samba,
Berço de Samba e a Rádio Batuta, no Instituto Moreira Salles.
Acaba de ser veiculado o documentário
“Eu também tô aí. Os 100 anos de Geraldo
Pereira.” São 10 capítulos sobre um dos mais talentosos compositores que foi
Geraldo Pereira, conhecido como “O Rei do Samba”. A concepção, pesquisa e
apresentação do documentário é de Pedro Paulo Malta e Rodrigo Alzuguir. Samba
de respeito sendo analisado por jovens músicos do século 21.
Geraldo Pereira deixou obras maravilhosas, principalmente os
sambas-sincopados, que significa o samba que tem ginga que lembra o andar dos
bambas. Entre eles: “Ela não teve
paciência", "Quando ela samba", "Você está sumindo" , “ Bolinha de
papel”, “Cabritada mal sucedida”, “Falsa Baiana”. Vamos terminar com uma das
obras de Geraldo Pereira de que gosto muito, que é “Pisei num despacho”, com
Jackson do Pandeiro. Pelo visto o samba está mais vivo do que nunca.
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