Rose Esquenazi
Alguns
formatos radiofônicos passam de moda. As radionovelas, por exemplo. É muito
difícil ouvir uma novela no rádio atualmente. Vamos lembrar esse tipo de dramaturgia
que fez sucesso na era de ouro do rádio. Tudo começou com os teatros
dramatizados que eram veiculados no fim dos anos 20. Tinham apenas uma
apresentação, com um elenco tímido e poucos recursos sonoros. Começavam e
terminavam no mesmo dia.
Já
novela propriamente dita, sequenciada, existia no Brasil, mas era muito
esporádica. O grande marco ocorreu com a oferta dos patrocinadores americanos nos anos 40, durante a Política da Boa Vizinhança. As multinacionais
Colgate-Palmolive e Procter & Gamble costumavam comprar as novelas de Cuba,
antes da Revolução Cubana.
Na
cidade de Havana, havia proporcionalmente mais estações de rádios do que em
Nova York, a maior metrópole daqueles tempos. Havia um aparelho para cada
quatro cubanos. As pioneiras, a partir de 1934, falavam de um detetive, o Chan
Li Po, que conseguia desvendar crimes enigmáticos. Eram tão importantes que faziam
parte da vida cotidiana do país, patrocinadas pelos sabões Crusellas e Savatés.
Mais tarde, essas fábricas foram incorporadas à Colgate-Palmolive. Consegui essas últimas
informações no blog de Ricardo Medeiros, de Florianópolis.
Diferentemente
das novelas nos Estados Unidos que eram extensas e duravam anos, as cubanas
tinham começo, meio e fim. E sempre tinham personagens fixos, segundo Ricardo
Medeiros. Havia o vilão, ou traidor, responsável pelas maldades. A vítima, que
era a heroína, às vezes apaixonada pelo traidor. A terceira figura era o
justiceiro, que vai proteger a mocinha. Finalmente, o Bobo, responsável pelo
lado mais leve e cômico da História.
As
brasileiras, que ficavam em casa o dia inteiro cuidando dos afazeres e dos
filhos, amavam os enredos conservadores e moralistas, bem ao gosto dos anos 40.
Na mesma época, chegaram outros formatos radiofônicos que modernizaram a
atividade no Brasil, entre eles os seriados para os homens, como O Sombra.
A
primeira novela no Brasil, lançada em 1941, ia ao ar três vezes por semana, na
Rádio Nacional. O lançamento caprichado da novela Em
busca da felicidade, de Leandro Blanco,
foi bolado pela Standard Propaganda. A agência tinha a conta do Creme
Dental Colgate. Os patrocinadores pediram uma adaptação, que foi feita por
Gilberto Martins. Na campanha, a rádio anunciou que iria distribuir um libreto
com o resumo da história, com fotinhos dos atores. Para isso, os ouvintes teriam que
enviar um invólucro da pasta de dente Colgate. Esse anúncio fez com que 48 mil
cartas chegassem à Nacional. Era tanta gente que queria participar do concurso que
a direção foi obrigada a interromper o envio de libretos, já esgotados.
No dia 5 de junho de 1941, do microfone da Rádio Nacional, Aurélio Andrade anunciou: "Senhoras e Senhores, o famoso Creme Dental
Colgate apresenta... o primeiro capítulo da empolgante novela de Leandro
Blanco, em adaptação de Gilberto Martins... Em busca da felicidade". O
sucesso foi absoluto, durou dois anos e deu início a vários outros horários de
novela.
Fazendo pesquisas sobre o tema, descobri que o grande diretor
de dramaturgia Vitor Costa, da Rádio
Nacional, havia combinado com a Standard criar um elenco exclusivo de atores.
Todos teriam um percentual a mais no salário que garantia o monopólio do gênero
no Rio de Janeiro. De fato, a Nacional brilhava com as novelas. Construiu
um andar só para Departamento de Radioteatro, com estúdio caprichado, espaço
para atores, músicos, maestro, diretor e sonoplastas. Ouça no YouTube um raro trecho
do maior sucesso de todos os tempos, o Direito
de Nascer, que foi ao ar em 8 de janeiro
de 1951, e ficou três anos no ar. Era mais uma obra cubana, com autoria de
Félix Caignet.
A
novela Direito de Nascer foi escrita antes,
em 1946, e fez extraordinário sucesso em Cuba, antes de ser transmitida a toda
América Latina. Contava a história de Maria Helena que ficou grávida de seu
namorado, uma pessoa bem mais pobre do que ela. O pai jamais aceitaria tal
ligação e ela acabou tendo o filho escondida, com a ajuda de uma antiga
empregada. Maria Helena decidiu ir para
um convento, enquanto o filho, Alberto Limonta, foi criado com muitas
dificuldades pela antiga empregada da família. Até que se tornou médico e
salvou a vida de um senhor que passava mal, na rua. Limonta não sabia que era
justamente o avô, aquele que não queria que ele nascesse. Bem melodramático,
não é? Anos mais tarde, Direito de Nascer
foi reapresentada na Nacional, na TV Tupi e no SBT. Mas o chororô inicial
foi bem mais intenso.
A
Rádio São Paulo também passou a investir no gênero, só que na capital paulista.
Tornou-se, como a Nacional, uma referência na área de dramaturgia. Um dos
principais escritores paulistas foi Oduvaldo Vianna, que também era dramaturgo
e foi avô do escritor Vianinha. Em 16 de setembro de 1941, ele lançou a novela Renúncia. Emendou com Fatalidade e continuou com títulos
melodramáticos. O horário era noturno, de 21h30 às 22h30, ao contrário da
Nacional, que teve as primeiras novelas transmitidas pela manhã. Resultado: a
emissora conquistou 85% do Ibope. Oduvaldo assinou 100 radionovelas. Algumas
dessas informações eu encontrei na dissertação de mestrado de 2007 de Glenda
Rose Gonçalves Chaves, da Universidade Federal de Minas Gerais.
Na
Rádio São Paulo, havia um elenco fixo de 200 radioatores e cada produção
demandava 10 atores, no mínimo. Conquistou o primeiro lugar na audiência na
cidade, provando que a radiodramaturgia era uma coqueluche no país. A Nacional chegou a produzir 16 novelas diárias
e fez 10 radioteatros completos. Além das novelas cubanas e mexicanas
traduzidas, começaram a surgir os escritores nacionais de novela a fim de
adaptar a trama para o gosto brasileiro.
A
maioria era contratada, mas havia também os autores independentes. Em pouco
mais de dez anos, a programação da Nacional estava dividida: 50% eram novelas.
Os comerciais eram voltados para o seu público principal, as mulheres. Havia,
como já disse, comerciais de sabonetes, mas também de cremes, talcos, produtos
de beleza os mais variados. Até os que faziam crescer os seios e os cílios das
mulheres eram veiculados. Nos anos 50, houve
mudança de patrocinadores, produtos para a casa, leite vitaminado para as
crianças e roupa íntima para as mulheres foram incluídos.
Oduvaldo
Vianna foi convidado a fundar a equipe de dramaturgia de uma, então, nova rádio
em São Paulo, a Pan-americana. Ao montar seu cast de autores, lembrou-se do
baiano Dias Gomes, que também era teatrólogo. Segundo Arthur Xexéo, no livro
intitulado Janete Clair, Dias Gomes
se mudou para São Paulo em 1944. Nesse período, ele viria conhecer a sua
segunda mulher, que se tornaria a maior autora de novelas da TV Globo, anos
mais tarde: Janete Clair. Ela ganhou os apelidos de “Maga das Oito",
"Dama das Oito", "Nossa Senhora das Oito" e "Usineira
de sonhos”. No rádio, muito discreta, ela sabia que a escola de tudo foi a
novela, mas ela ainda teve a bênção de Dias Gomes.
O
nome verdadeiro de Janete era Jenete Stocco Emmer. Ela nasceu em Conquista, em
25 de abril de 1925 e, quando a família se mudou para Franca, em São Paulo. Janete
conseguiu uma vaga na Rádio Herz, onde interpretava músicas em árabe e francês.
O pai era libanês, daí a preferência pelos dois idiomas. A vida de Janete deu
muitas voltas, até conseguir fazer um teste na Rádio Tupi de São Paulo.
Tornou-se locutora e rádio atriz, aos 20 anos.
Como era apaixonada pela obra de Claude Debussy, "Clair de
Lune", o diretor Otávio Gabus Mendes inventou esse apelido para a mocinha. Infelizmente, não se gravavam os capítulos
das novelas. Ficaram pequenos trechos e aberturas.
Nos anos 50, Janete e Dias já estavam casados. No Rio de Janeiro, com o primeiro dos três
filhos, Janete escreveu para a Nacional a primeira novela, intitulada Perdão,
Meu Filho, que foi ao ar em 1956.
Depois, emendou com a obra Uma escada para o céu. A música Claire de lune, de
Debussy contém essa magia que sentimos ao imaginar as cenas no radionovela.
Os
cariocas talvez não saibam disso. Mas antes de Janete Clair existiu uma outra grande
escritora de radionovelas, a paulista Ivani Ribeiro. Nascida em São Vicente, em
1922, Cleide de Freitas Alves Ferreira, seu nome inteiro, começou a trabalhar
na Rádio Educadora Paulista, Começou no rádio como locutora, radioatriz e
cantora. Trabalhou também na Rádio Tupi de São Paulo e Rádio Bandeirantes.
Segundo
Reynaldo Tavares, no livro Histórias que
o rádio não contou, Ivani Ribeiro “foi a primeira mulher no Brasil a ter um
programa diário de radioteatro” só dela. A experiência com a ficção vai levá-la
mais tarde para a TV Tupi e TV Excelsior. Ela escreveu mais de 350 obras e um
sem número de folhetins, segundo Reynaldo Tavares.
Os
cariocas com mais idade devem se lembrar das novelas de Ivani Ribeiro, mas da
TV: Mulheres
de areia, A viagem, por exemplo. O importante dizer que a sua escola também
foi o rádio. Ela adaptou também A moça
que veio de longe, sucesso argentino que teve no elenco a atriz Rosamaria
Murtinho. Outros países latinos estavam no mesmo caminho. As rádios argentinas
começaram a fazer sucesso antes de nós. Em 1935, já havia horário reservado,
patrocinador e até as estrelas. Uma curiosidade: entre as atrizes estava Maria
Eva Duarte, que mais tarde se transformaria em Evita Perón, mulher do presidente
Perón. Ela trabalhou na Rádio El Mundo e Belgrano.
Outros
formatos foram experimentados na Rádio Nacional, seguindo a tendência
dramatúrgica. O Teatro de Mistério,
que já falamos aqui no quadro. Hélio de Soveral foi o responsável por 316 episódios
que iam semanalmente dos anos 50 e 70. Com 45 minutos cada, o horário tornou-se
extremamente popular. Graças a um milagre, os programas foram preservados pela
família e podem ser encontrados no Youtube no Tropix, Núcleo de Computação Eletrônica (NCE). O endereço é: outras
bossas.blogspot.com.br.
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