Rose Esquenazi
Um dos gêneros mais antigos, admirados e ainda hoje tocados em muitas
rádios brasileiras é o sertanejo. O rádio foi o grande divulgador das músicas
que vinham do Nordeste em uma época em que quase todos os brasileiros não
viajavam de avião, nem de ônibus nem mesmo de pau-de-arara. O navio, nos anos
20 e 30, era a principal maneira de chegar aos grandes centros, como no Rio de
Janeiro, a Capital do Brasil. Era aqui que tudo acontecia, mais do que em São
Paulo, ainda em fase de começo de industrialização. No Rio, arranjava-se
trabalho e era possível começar uma nova etapa da vida. A seca e a fome, realidade na vida desses
brasileiros corajosos e sofridos, ficavam para trás.
A saudade do Nordeste fazia com que os recém-chegados cultivassem a
música e as especialidades culinárias que lembravam da casa e da família. Terra
do choro e do samba que começava a se firmar, o Rio começou a ouvir também as
emboladas, cateretês, cocos e desafios, que estavam agradando em cheio. Jovens cariocas
que também tentavam se formar no cenário musical e artístico decidiriam
arranjar fantasias de nordestinos e compor músicas nos ritmos que já começavam
a pagar bem na Praça Tiradentes. Acabamos de ouvir a música Vamos Fallá do Norte, interpretado pelo grupo musical Bando de Tangarás, com Noel Rosa, Almirante e Braguinha. Entre os cariocas influenciados pelos
nordestinos, eles saíram na frente. A empresa Estúdios Benedetti chegou a gravar
um filminho, que seria o primeiro clipe feito para divulgar o que os jovens pretendiam
ser um sucesso.
Frederico Figner, tcheco que veio dos Estados Unidos, fundou, na Rua do Ouvidor, a Casa Edison, a primeira
gravadora brasileira. Os recursos ainda
eram primários, mas vários gêneros foram registrados, incluindo os ritmos
típicos do Nordeste. A partir dessas gravações, podemos conhecer a história da
nossa música. Um nome importante dessa época foi
Catulo da Paixão Cearense, amigo de Fred Figner. A música Luar do sertão,
de 1914, em parceria com João Pernambuco, foi considerada por muitos o hino
nacional do sertanejo brasileiro, tendo sido gravado na Casa Edison.
Em
abril de 1922, desembarcou no Rio de Janeiro, o grupo Turunas Pernambucanos.
Almirante lembrou do fato no livro No tempo de Noel. Em 1921, um ano antes, os Oito Batutas, do
qual fazia parte Pixinguinha, foram ao Recife. O frisson foi tão grande que
eles inspiraram o surgimento dos Turunas Pernambucanos. No ano seguinte, o
grupo do Recife se apresentava no Cine Palais, no Rio de Janeiro, sendo
anunciados como os que faziam “músicas do Norte”, “caboclos brasileiros”,
“cantigas de sertão”, “emboladas e desafios”. Turuna quer dizer
forte, valentão. Alguns anos mais tarde, os microfones da Rádio Educadora,
Sociedade e Rádio Clube passaram a investir nesse tipo de música, que era uma
novidade.
No conjunto
Turunas Pernambucanos, dois músicos se tornaram importantes mais tarde, como
dupla: o José Calazans, o Jararaca, e o Severino Rangel, o Ratinho.
No Rio, o conjunto ganhou reforço de João Pernambuco, no violão. O sucesso foi
extraordinário na Capital. Os cariocas nunca haviam ouvido aquela cantoria
tão diferente, que embolava as palavras ao cantá-las muito rapidamente. O
pesquisador Jairo Severiano explica em seu livro “Uma história da música
popular brasileira” que, na embolada, “a letra é mais importante do que a
melodia”. Ele disse que a “a estrofe-refrão é cantada em andamento rápido,
utilizando recursos de aliteração e assonância”. Por isso, para o intérprete,
“a dicção e o fôlego” devem ser extraordinários para “não tropeçar nas palavras
e se fazer entender com clareza”.
Era tudo novo,
curioso, divertido, como as música “Óia o sapo dentro do saco”, e Espingarda pá
pá pá pá, faca de ponta, tá, tá, tá, tá”, a mais famosa embolada que a dupla Jararaca e Ratinho gravou em 1929.
Nesse movimento sertanejo, não podemos nos
esquecer que existia na Praça Tiradentes a Casa do Caboclo que funcionou de
1932 a 1940. Muitos artistas se apresentaram lá, entre eles, os cômicos João
Lino e Apolo Correia, Dercy Gonçalves, Jararaca e Ratinho, Manezinho Araújo.
Muitos palhaços também eram intérpretes de músicas da época e chegavam a gravar
na Casa Edison.
O radialista Renato Murce também teve seu
tempo de conjunto regional. Ele viu, tal como os amigos de Noel, que era
preciso cantar como os Turunas que estavam fazendo sucesso no Rio. Na Rádio
Educadora, com os primeiros cachês que ganhou na vida (e que o rádio pagou),
fundou Os Gaturamos. Segundo Murce, concorriam com “o magnífico grupo comandado
por Almirante: o Bando dos Tangarás“, segundo as suas palavras.
Os Gaturamos, disse Renato Murce em seu
livro Bastidores do rádio, tinham como elemento principal ele mesmo
e mais o irmão Dario Murce, Rogério Guimarães, Pery Cunha, Lourival Montenegro,
Rubem Bergmann, Didi do Pandeiro. O radialista afirmou que nem todas as
emissoras gostavam do gênero popular, dessa música do povo. Isso porque
tinham nariz empinado, como a Rádio Jornal do Brasil. A vantagem desses grupos
é que eles cantavam em bares e restaurantes e ganhavam comida de graça, no
final da apresentação. O que era importantíssimo para os duros que eram.
Murce se lembra da chegada de outro grupo do
gênero, no Rio de Janeiro, reforçando a tendência nordestina. O jornal Correio
da Manhã, que sempre publicava contos, sonetos e poesias populares, lançou
em 1926, um concurso carnavalesco.
Nesse momento vieram do Recife os Turunas da
Mauricéa, grupo que surgiu depois dos Turunas Pernambucanos. Faziam parte
Augusto Calheiros, o Patativa do Norte, com a sua linda voz, Riachão,
Guajurema, Piriquito e Bronzeado, logicamente, nomes de guerra. E também
fizeram sucessos com suas roupas típicas e chapéus vindos do Nordeste. O maior
sucesso dos Turunas da Mauricéa foi no Carnaval de 1928, com Pinião,
de Luperce Miranda e Augusto Calheiros.
Nos anos 30 e 40, começam a surgir várias outras duplas
caipiras. A mais famosa dupla foi Alvarenga e Ranchinho. Os ouvintes com mais
idade ainda devem se lembrar de suas piadas na Rádio Nacional, nas quais eles misturavam às músicas.
Mas os ritmos sertanejos do Nordeste ganharam ramificações no Brasil com
a música caipira. No interior do Rio Grande do Sul, ou de São Paulo, surgiram
versões musicais de origem nostálgica do campo, que revelavam intenso convívio
com a natureza. Os temas eram o amor, a
tristeza e a saudade de casa. Tonico e Tinoco, Raul Torres e Serrinha e Mandi e Sorocabinha não
eram nordestinos, eles faziam sucesso como caipiras. Vamos ouvir Modas Modernas,
de 1934, da dupla Mandi e Sorocabinha.
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