Conceição - https://www.youtube.com/watch?v=SK88bmpcvgk
No dia 15 de maio de 2016, Cauby
Peixoto morreu aos 85 anos deixando inúmeros fãs. Ele comemorava 65 anos de uma carreira rica e versátil. Fenômeno da música, Cauby marcou a história do rádio e, quase até o fim da vida, fez shows e foi aclamado pelos fãs.
A voz foi comparada com a de Frank Sinatra e Nat King Cole, nos áureos
tempos, não se manteve a mesma, mas surpreendeu por sua capacidade de
alternar graves e agudos, dando emoção à interpretação.
É interessante saber que Cauby
foi o primeiro produto de marketing do rádio brasileiro, antes mesmo de existir
essa palavra “mar-ke-ting”. Tudo por conta do empresário Di Veras, sagaz e
focado, que decidiu fazer de um cantor pobre e com bela e poderosa voz, o maior
cantor brasileiro. Passou a ser idolatrado pelas jovens que sonhavam em se
casar com ele. Di Veras transformou Cauby em “O Professor”, sempre elegante e com
roupas ricas, bem talhadas, sapatos sob medida.
Cauby Peixoto não era um
pseudônimo, mas nome mesmo. O garoto morava em Niterói e a família dele era muito
musical: desde os pais até os irmãos. Desde criança, ouvia e cantava, aos
poucos desenvolveu seu talento. Começou a cantar em boates, tendo que aumentar
a idade para 18 anos. O irmão mais velho, Moacyr, fazia com que Cauby ouvisse
Silvio Caldas e Orlando Silva. Cantavam com ele nas boates os irmãos Andyara e
Araken
Curiosamente, o cantor, depois
de gravar seu primeiro disco, passou a fazer parte da Rádio Nacional, não do
Rio, como se esperava, mas de São Paulo, em 1951. Hospedando-se na casa da irmã
Andyara, ele começava a carreira com uma grande paixão, a música americana. Tudo lembra você, por exemplo, foi uma
versão de These Foolish Things,
gravada por Nat King Cole.
Em 1953, o empresário Di Veras
decidiu investir em Cauby, depois de ter tentado fazer o mesmo com Ângela
Maria, que já tinha o próprio empresário. Di Veras era uma pessoa rica que gostava
do meio musical. Ele decidiu imitar Tom Parker, empresário de Elvis Presley,
nos Estados Unidos. Depois de ouvi-lo atentamente, Di Veras o convidou para vir
ao Rio de Janeiro tentar a carreira porque, em S.Paulo, o cantor estava muito apagado.
A primeira coisa que fez foi levá-lo ao melhor alfaiate do Rio, e mandar fazer
um terno irretocável. Ensinou coisas importantes para o rapaz: sempre sorrir, saber
onde colocar as mãos, ser gentil com as fãs e, lógico, soltar a voz.
Cauby foi convidado a
participar do Programa César de Alencar,
na Rádio Nacional, em 1953. O jornal A
Noite chegou a fazer uma nota sobre a sua estreia, chamando Cauby, o rapaz
de 21 anos (tinha 22), de cantor da Rádio Nacional de São Paulo que veio ao Rio
interpretar Dois amores, por uma
temporada de apenas um mês. Mas não
foi o que aconteceu. Em seis meses, tornou-se um fenômeno e capa da Revista do Rádio, que era o melhor
termômetro do talento naqueles tempos.
Di Veras começou a usar os
seus truques para que seu cliente estivesse sempre na mídia, palavra usada
atualmente, mas que, nos anos 50, simplesmente não existia.
O escritor Rodrigo Faour, em
seu livro Bastidores – Cauby Peixoto, 50 anos da voz e do mito (Editora
Record), fez um grande pesquisa e sintetizou a trajetória do artista. Visto
como cantor romântico “fazendo sucesso com sambas-canções abolerados e alguns
foxes – gravou também samba, baião, tarantela, tango, bolero, mambo, valsa,
choro, flamenco, calypso e rock”. E eu
acrescento jazz e swing.
Ele era assim, multitalentoso,
capaz de cantar em várias línguas, com certa facilidade. Além do empresário, as
cantoras que já eram muito conhecidas na Rádio Nacional, como Nora Ney, Leny
Eversong e Carmem Costa decidiram começar uma verdadeira campanha para que o
jovem Cauby fosse contratado na emissora carioca. Se o convite não fosse feito,
elas pediriam demissão! A pressão funcionou.
Em 1954, Cauby cantou Blue
Gardenia, outra versão de uma música americana, de Bob Russell-Lester Lee, com versão de Antônio Carlos. O sucesso foi estrondoso. Tornou-se uma
referência, o sonho de todas as fãs, que começaram a escrever milhares de
cartas elogiando o cantor, querendo namorá-lo, revelando paixões
avassaladoras. Logo no primeiro mês depois
do lançamento, foi criado um fã-clube para Cauby, que tinha como nome, nada
mais nada menos, do que Blue Gardenia.
Na Revista do Rádio, a reportagem
dizia que, ao entrar no auditório da Nacional, “as fãs desmaiavam gostosamente”,
e, segundo o repórter, davam “gritinhos de contentamento”. Por essa razão,
Cauby passou a ser conhecido como o cantor que fazia “as garotas desmaiarem”.
Vamos ouvir Blue
Gardenia?
https://www.youtube.com/watch?v=Mc_-ZE3ZBk0
Di Veras criou o mito. Ajudou as fãs a fazerem faixas com
elogios ao cantor e forçou a barra para que ele tornasse o campeão de faixas
passando na frente de outro cantor popular na ocasião, o “rival”, o rei dos
brotinhos, Francisco Carlos. Passou também o número de cartas enviadas para a
Nacional. E olhe que as divas Emilinha Borba, Marlene e Nora Ney recebiam muita
correspondência. Só no mês de julho de 1954, ele recebeu 3.052 cartas. A seção
de correspondência da Rádio Nacional era uma sala gigantesca com vários funcionários
trabalhando duramente para dar conta do recado de arrumar cada escaninho das
celebridades.
Em 1954, ele já tinha sido capa da Revista do Rádio 38 vezes, nenhum cantor conseguiu tal feito! Mas o
assédio das fãs, que só aumentava, começou a cansá-lo. Não era só no Rio, mas em
várias cidades brasileiras a reação era sempre a mesma. Em Porto Alegre, ele
teve Elis Regina, ainda criança, como uma de suas admiradoras. Nas excursões, a loucura era a mesma, gerava
tumulto. Cauby dizia que “aguentava tudo porque era jovem”.
O professor passou a frequentar outros programas da Nacional,
como Ronda dos bairros, com Paulo
Gracindo, aos domingos, transmitido de vários cinemas da cidade. No Politeama,
no Largo do Machado, hoje Supermercado Extra, ou no Imperator, no Meier, onde
fosse, Cauby era aclamado. Para sobreviver às duas mil fãs que foram
recepcioná-lo no Cine Ipanema, a polícia teve que intervir para abrir caminho
para a estrela. Além do programa Ronda
dos bairros, Cauby participou de Um
milhão de melodias e Quando os
maestros se encontram, Quando canta o Brasil, três programas da Rádio Nacional.
É claro que tanto sucesso gerou ciumeira, inveja e fofoca.
Para fortalecer a masculinidade, Di Veras propôs capas e matérias com O
Professor beijando na boca de atrizes. Em matérias internas, repórteres diziam
que ele iria ser “papai”, e que era um bom partido. Na matéria “O casamento que
todos querem”, ao lado de Ângela Maria, não parecia muito convincente na foto.
Parceira de muitos shows em toda a carreira, a cantora nunca foi companheira
mais íntima. O auge da forçação de barra foi a capa da Revista do Rádio em que o cantor aparece de quimono com o título:
“Cauby aprendendo jiu-jítsu disposto a tudo”. Embaixo da foto principal, havia
um cineminha de imagens de um lutador de verdade sendo derrubado por Cauby.
Então, tá!
Em 1955, influenciado por Di
Veras, Cauby decidiu ir para os Estados Unidos. Ele achava mesmo que seu contratado era tão
bom ou melhor do que Frank Sinatra. Então, por que não tentar a sorte nos
States, como fez Carmem Miranda nos anos 40? Na apresentação despedida da
Nacional, o empresário pediu para o alfaiate apenas alinhavasse o terno de
Cauby, em vez de costurá-lo na máquina. Conversou com as fãs, dizendo para aparecerem
na porta da Nacional, na Praça Mauá. Convidou os fotógrafos dos principais
jornais para estarem lá em determinado horário.
Para o jornal A Noite, que ficava no mesmo prédio da
Nacional, era fácil. Mas outros profissionais não iriam perder o furo de
reportagem. Depois de se apresentar na PRE-8, Cauby apareceu na rua recebendo uma multidão
de fãs que correram a seu enlaço. Conforme foram puxando a roupa do cantor, os
pedaços do terno foram saindo. Ótimo assunto para a imprensa daquele tempo. Ele apareceu nas fotos abatido e triste com a roupa
rasgada. A cena que foi, verdade seja dita, armada.
Nos Estados Unidos, com o
apelido de Ron Coby, Cauby cantou em rádios e em boates, mas não fez o sucesso
esperado. Ficou no país durante oito meses, voltando em 1956. Também foi capa
de revista, mas decidiu voltar ao Brasil trazendo na bagagem fotos posadas ao
lado de lindas mulheres, como a atriz Jayne Mansfield.
Em 1957, teve a coragem de ser o
primeiro cantor brasileiro a gravar uma canção de rock em
português, a canção Rock and Roll em
Copacabana, de Miguel
Gustavo. Já era tempo de TV e inúmeras vezes ele apareceu em programas cantando
e mostrando a sua arte. O estilo pode ter ficado ultrapassado para alguns, mas
muita gente o prestigia até hoje, reconhecendo o talento atrás de tantos
trejeitos e ternos cheios de paetês e brilho. Ao completar 25 anos de carreira,
em 1980, ganhou um álbum só com músicas escritas em sua homenagem. A mais
famosa, a que mais marcou, foi Bastidores,
assinada por Chico Buarque, um resumo de sua vida. O musical Cauby!, Cauby!, de Flávio Marinho, de 2006,
atraiu milhares de pessoas ao teatro. Cauby sempre foi uma sensação.
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