Considerado dono de uma das mais bonitas vozes
surgidas no país, foi integrante da Época de Ouro da música brasileira. Estava
ao lado dos outros três maiores cantores: Francisco Alves, Silvio Caldas e
Carlos Galhardo. Orlando Garcia da
Silva faria 100 anos no dia 3 de outubro. Será que ele vai
receber alguma homenagem, será que os jovens já ouviram falar nele? A carreira
durou apenas oito anos e seis meses, mas que carreira e quantos fãs!
Orlando nasceu no bairro do Engenho de Dentro, no Rio, em 1915 (morreu
antes de completar 63). O pai, José Celestino da Silva, era violonista e amigo do fabuloso Pixinguinha e, com ele, tocava serenatas. Existe uma gravação na Rádio Cultura, de 1973, em que Orlando Silva fala de sua vida ao lado dos músicos que tocavam com o pai.
Órfão de pai
muito cedo, Orlando viveu em uma casa pobre. Adorava ouvir discos na casa da vizinha
e costumava
subir em uma amoreira para imitar Francisco Alves. Para escutar a própria voz,
pegava uma lata de manteiga, tampava os ouvidos com algodão e projetava a
própria voz. O invento maluco surpreendeu a mãe.
Teve muitos empregos: foi sapateiro, vendedor de
tecidos e roupa, mensageiro, estafeta da Western, como se dizia na
época. Quando passou a trabalhar como office boy, aos 16 anos, caiu do bonde e
lesionou gravemente a perna. O acidente o obrigou a ficar em casa muitos dias.
Mas as dores eram tão intensas que ele tinha que tomar doses cavalares de
morfina em vários hospitais da cidade. Preso à cama, ficava cantando e, do lado
de fora da janela, as pessoas se juntavam para ouvi-lo.
Já que não podia contar com a agilidade das pernas,
foi trabalhar como cobrador de ônibus. Durante o trajeto, cantava com aquele
vozeirão maravilhoso, capaz de alternar altos e baixos. Segundo o biógrafo
Jorge Aguiar, autor do livro Nada além,
o ouvinte precisa “penetrar no mundo de beleza que ele criou”. O “timbre vocal
cristalino é soberbo, de abrangência notável, a extensão impressionante da
tessitura, a variedade e o imprevisto de efeitos emocionais”. Orlando passava em cada palavra um sentido
poético e dramático e era totalmente intuitivo.
Quando chegava à garagem de ônibus, os colegas
pediam para ele cantar. Era aplaudido por todo o mundo. Até que um senhor mais velho aproximou-se dele
e disse que ele precisava se profissionalizar. Orlando ficou com isso na
cabeça. Ao chegar para fazer um teste na Rádio Guanabara, no Centro, tão
tímido, feio, magro e malvestido, os músicos fizeram chacota dele,
principalmente porque o novato de 18 anos disse que podia cantar em qualquer
tom.
Para o músico Luiz Barboza,
produtor da Rádio Cajuti, que o recebeu para um teste, Orlando interpretou a
valsa Céu Moreno. Ao abrir a boca e soltar o vozeirão, todos levaram
um susto. Ele era muito bom. O compositor Bororó (Alberto
de Castro Simões da Silva, 1898/ 1986) convenceu-o a
conhecer uma pessoa muito especial, em um determinado dia, em frente ao famoso Café Nice, na
Av. Rio Branco. Orlando aceitou o convite.
E quem era essa pessoa? Nada menos do que Francisco
Alves, o Rei da Voz, já fazendo um extraordinário sucesso em várias emissoras de
rádio, recordista da indústria de discos de 78 RPM. No tal dia marcado, Chico
Alves pediu para o rapaz cantar. Ao perceber que ele era tímido, convidou-o
para entrar no carro. Orlando cantou Lágrimas.
Chico Alves ficou encantado. A partir daí, decidiu ser o padrinho do cantor.
Levou-o à Rádio Cajuti, onde ele estava estreando um novo programa. As músicas
de Orlando eram sempre românticas, canções seresteiras, sambas-canção que
vieram das antigas modinhas imperiais. Ele era eclético.
Nos seis anos seguintes, a vida do pobre Orlando
Silva mudava. Ele gravava na RCA Victor, principal gravadora do país que tinha um
elenco formidável. De Carmem Miranda a Chico Alves, de Vicente Celestino e,
agora, Orlando Silva. Vendia milhares de
discos, atraía multidões para ouvi-lo nas emissoras. Daí o apelido dado pelo locutor
Oduvaldo Cozzi, Orlando Silva, o Cantor
das Multidões. Ficou amigo de Noel Rosa,
embora o estilo dos dois fosse bem diferente. Em 1936, Noel precisava gravar uma nova
canção, mas o cantor convidado não apareceu no estúdio. Noel pediu ajuda a
Orlando: o tempo de reserva do estúdio estava acabando. Orlando disse que o
ajudaria, aprendeu rapidamente a música Menina
dos meus olhos e foi gravar. Ficou ótimo. Vamos ouvir?
https://www.youtube.com/watch?v=jZN0cJvYWMo
Depois Noel perguntou a ele como conseguiu aquele
feito, cantar de forma tão diferente. Orlando Silva respondeu que descobriu ter
muitas vozes diferentes: a voz de Carnaval, a voz do samba e assim por diante.
Orlando se apresentava na Rádio Guanabara e na
Rádio Transmissora, futura Rádio Globo, tornando-se ídolo número um. Com tantos
compromissos, com muitas viagens e assédio de mulheres (logo ele que não era um
bonitão), Orlando parecia exausto. Um homem se aproximou dele, certa vez, e
ofereceu um pó mágico que não embebedava nem dava ressaca. O cantor olhou
desconfiado para aquilo, mas aceitou e experimentou cocaína, novidade na época.
Provavelmente sob efeito da droga, na Rádio Nacional, cantando ao vivo, chegou
a chorar ao interpretar a música Caprichos
do destino, música de
Pedro Caetano e Claudionor Cruz. A música contagiou todos na plateia e até
funcionários da emissora. Nunca se viu nada igual. O jornal A Noite fez uma reportagem especial
sobre aquela apresentação. A partir
dali, a carreira deu um grande salto. Até o presidente Getulio Vargas admirava
o cantor.
Um engraxate chegou a adverti-lo: “cuidado com a
feitiçaria” Ele tinha visto a reação daquela apresentação na Rádio
Nacional. Todos enlouqueceram. O humilde
engraxate arrematou: “Tenha cuidado. A feitiçaria geralmente se volta contra o
feiticeiro”. É claro que Orlando não ligou para a advertência. O fato é que ele
mergulhou no mundo da cocaína. O público
comprou o disco Lábios eu beijei
(1937)e parece ter redescoberto o cantor que já vinha fazendo sucesso há alguns
anos. Os discos batiam recordes de venda e até no Carnaval o cantor romântico
surpreendia. Gravou Abre a janela, de
Roberto Martins e Arlindo Marques Jr. e A
jardineira, sucesso absoluto e símbolo do Carnaval brasileiro durante
muitos anos. Vamos ouvir Abre a janela
:
É bom lembrar que Orlando Silva entrou para a Rádio
Nacional em 1936 e ajudou a colocar a emissora no primeiro lugar. Apesar de ser
sempre elogiado pelo maestro Radamés Gnatalli, que fazia seus arranjos, Orlando
Silva assustava alguns bons compositores que achavam que a música deles não era
tão boa para o Cantor das Multidões. Assim, no repertório havia pérolas ao lado
de mediocridades. Orlando Silva conseguiu ultrapassar em sucesso o padrinho
Francisco Alves, algo inimaginável.
As apresentações em São Paulo, na Rádio Record,
reuniram milhares de pessoas, todos abismados como aquele cantor dominava a
voz. Só que Orlando não se sentia feliz. Pelo contrário, ao chegar ao hotel, depois
de se apresentar para a multidão paulista, ficou agitado demais e passou mal. O
enfermeiro chamado às pressas aplicou-lhe algo na veia que deu resultado. O que
era? Morfina. Aquela mesma substância que usou quando teve o acidente de bonde.
Acabou se viciando na droga que parecia tirar da mente todos os problemas. Mas o vício acabou minando a sua vontade.
Perdeu a humildade, passou a levantar a cabeça e fazer exigências contratuais,
algumas, mais do que justas. Foi demitido da RCA e foi para a gravadora Odeon,
mas não era a mesma coisa. Será que era a tal feitiçaria voltando-se contra o
feiticeiro? A morte do padrinho Francisco Alves, em 1952, aumentou a tristeza. Orlando
passou por altos e baixos na carreira. Casou-se com Maria de Lourdes Souza
Franco, que o apoiou e tirou-o do vício. Orlando largou a carreira e passou os
anos 60 e 70 longe dos microfones. Morreu
em 7 de agosto de 1978. Fez um sucessor: Nelson Gonçalves.
Vamos ouvir um fox, grande sucesso de Mário Lago e
Custódio Mesquita, Nada além, em que
O. Silva inova na arte de interpretar, mais uma vez. Aproximou-se das lindas
canções de Cole Porter e Irving Berlin.
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