“Sinhá Lourdinha”
Rose Esquenazi
Este ano,
comemora-se em todo o mundo o fim da Segunda Guerra Mundial. No dia 8 de maio
de 1945 foi a data em que os aliados derrotaram a Alemanha nazista. Mas
considera-se que só nos dias 6 e 9 de agosto, acabou a guerra definitivamente
ao serem lançadas as bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki. O Japão
assinou a sua capitulação em 2 de setembro. O Brasil participou da guerra e,
setenta anos depois, podemos analisar e ouvir novamente o que os pracinhas
brasileiros faziam na Itália graças aos jornalistas que foram mandados como
correspondentes de alguns poucos jornais.
Entre eles, havia um único
radialista, o Chico da BBC, que viajou de Londres para a Itália. Uma viagem
perigosa e envolta em mistério devido à falta de segurança. Francis Hallawell,
carinhosamente chamado de o Chico da BBC, logo ficou amigo de Joel Silveira,
dos Diários Associados, Egydio
Squeff , de O Globo e de Rubem Braga, do Diário
Carioca. E passou a contratá-los para escrever crônicas para as
transmissões diárias que ele precisava mandar por telex para Londres. De
Londres, a BBC transmitia para o Brasil por intermédio das ondas curtas.
Mas Chico sempre que podia gravava,
em frágeis discos de vidros, programas radiofônicos graças a um pequeno
aparelho desenvolvido pela BBC. As entrevistas, pequenas histórias e discursos
eram gravados pelo técnico Douglas Farley e por Chico da BBC. Depois os discos
viajavam por terra até Roma ou Florença. De lá, eram transmitidos por rádio até
a emissora na Inglaterra. No serviço de transcrição da BBC, os técnicos
transformavam o conteúdo do disco de vidro em outro, mais resistente, feito de
acetado. Só a partir desse momento os brasileiros ouviam o trabalho feito em
Francolise ou em outra cidade onde estavam acampados os soldados brasileiros.
Mais tarde, os acetados também eram mandados ao Brasil e podiam ser utilizados
em qualquer emissora de rádio.
O que ouvimos na abertura do programa
foi a embolada composta e interpretada pelo soldado Natalino Cândido da Silva
chamada A Lourdinha. Era assim que os soldados chamavam a metralhadora
alemã. Essa gravação foi feita ao ar livre e teve como público todo o Regimento
Sampaio. Os soldados comemoravam a vitória de Monte Castelo, no dia 21 de
fevereiro de 1945, depois de quatro tentativas frustradas. A música venceu um
concurso entre os soldados.
Você já viu, Iaiá?/
Você já viu, Ioiô?/
No front, a
Lurdinha cantar?/
A tropa fica alerta
para avançar/
Ouvindo a voz da
metralha:/
“Vamos atacar!”/
A voz do comando /
É firme e segura/
Ninguém tem pára/
Corre e toca!/
Perde até a roupa/
Pro brasileiro, o
alemão é sopa/
Pro brasileiro, o
alemão é sopa/
Francis Hallawell nasceu em 1912, em
Porto Alegre, e morreu em 2004, no Rio de Janeiro. Como era de uma família
inglesa, ele se ofereceu para lutar ao lado dos aliados assim que estourou a
Segunda Guerra, em 1939. Ele já tinha 27 anos e, por isso, não entrou para a
infantaria inglesa, como ele queria. Conseguiu um emprego na BBC de Londres,
como radialista: speaker e autor de programas de rádio. Vamos ouvir na voz do
Chico da BBC uma transmissão de um programa de 1945, gravado em Francolise, na
Itália. O material foi preservado graças a seu esforço de trazer para o Rio de
Janeiro alguns acetados por ele gravados, depois da guerra. Na hora do
descanso, os soldados relaxavam e cantavam.
Na retaguarda,
circulavam muitos jornais, como O Globo Expedicionário e O Cruzeiro
do Sul. Havia também pequenos pasquins como A Voz do Petrecho, E A Cobra
Fumou, O Camelo, Zé Carioca, Vem Rolando, Tá na Mão. Havia muita música
também, mas só eventualmente escutava-se o rádio, raro entre os soldados no
acampamento e nos fox-holes,” boca de lobo”, em português, onde eles se
escondiam e se protegiam da neve e do inimigo. Às vezes, captava-se uma estação
portuguesa ou alemã. A Rádio Auriverde alemã tentava convencer os brasileiros a
mudarem de lado na guerra. Retransmitia jogos de futebol no Brasil e
redirecionava o sinal para os acampamentos com mensagens pró-nazistas.
Segundo o soldado Joaquim Xavier da
Silveira, que escreveu o livro A FEB por um soldado, “a atividade
musical estava sempre ligada às atividades militares, destacando-se a música
chamada marcial”. O que mais de ouvia era a Canção do Expedicionário.
“Mas, no campo, eram cantados os sucessos radiofônicos das rádios brasileiras,
como: “Adeus”, “Mangueira”, “Jura”, “Rancho Fundo”, “Teu cabelo não nega”. Esse
material todo eu pesquisei para o meu livro O rádio na segunda guerra. No ar,
Francis Hallawell, o Chico da BBC, que lancei em 2014. Quem quiser pode
encomendar o livro por email para a Editora Insular, de Florianópolis.
‘Vamos ouvir agora Cabrocha baiana,
composição feita na guerra e que é interpretada pelo terceiro sargento Serafim
José de Oliveira, autor da canção. Podemos ver que há forte influência do
compositor Ary Barroso. Na época, falar sobre a Bahia estava mesmo na moda na
nossa música popular brasileira.
É muito difícil
imaginar hoje uma gravação feita ao ar livre, usando um material totalmente
precário. Mas é possível sentir a espontaneidade e a animação dos soldados que
batiam palmas e se animavam com as comemorações daquela festa. Em outra música,
do mesmo terceiro sargento Serafim José de Oliveira, podemos perceber o tom
ufanista e saudoso da canção “No Brasil tem”.
Francis Hallawell também abriu o
seu microfone para outros momentos dos pracinhas nos bastidores da guerra.
Falava sobre o cotidiano, relatando a Hora da Mala Postal, o momento em
que os soldados recebiam a correspondência do Brasil, por exemplo, Mas também
reproduziu a Missa na Catedral de Pisa, no dia 29 de outubro de 1944, em plena
campanha de guerra. A reportagem foi feita por Sylvio da Fonseca, da Agência
Nacional. Na missa, Chico da BBC gravou o exato momento em que os soldados
brasileiros cantavam o Hino Nacional brasileiro.
Chico da BBC também fez um programa
sobre o 11º Regimento de Infantaria, o Onze, do Rio de Janeiro. Registrou o
momento em que os soldados ganharam uma medalha que reconhecia a bravura dos
soldados. Unindo trechos gravados, esse programa sobre a campanha da Itália
teve a sua produção final nos estúdios da BBC de Londres.
Chico da BBC apresentou o soldado
Pieri Junior interpretando “Sorrindo e cantando”, como vamos ouvir.
Chegou a compará-lo ao compositor Noel Rosa, quando ele incluiu o verso: “O
valor dá-se a quem tem” para falar do Primeiro Pelotão.
O interessante da história é que os músicos mesmo sem seus instrumentos fazem com que todos participem da canção que embala o ritmo na palma da mão e a harmonia nas vozes de todos muito lindo de ouvir e viajar na história parabéns.
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