O RÁDIO FAZ HISTÓRIA – 8/6/2015
Rose Esquenazi
Se
a gente for pensar bem, parece um milagre. Como é possível uma pessoa não
tocar nenhum instrumento e, mesmo assim, compor músicas tão maravilhosas,
delicadas, bem humoradas e divertidas? Com Braguinha, ou melhor, João de Barro,
ou melhor, Carlos Alberto
Ferreira Braga, aconteceu assim. Ele teve uma vida toda envolvida com música,
compondo maravilhas, sem nunca ter tocado nenhum instrumento. A música que
acabamos de ouvir com o grupo Garganta Profunda chama-se Copacabana. Composta em 1946,
com parceria de Alberto Ribeiro, foi um divisor de águas. O samba-canção ganhou
arranjos muito caprichados.
Vamos
então contar como tudo começou para esse carioca que morreu em 2006, aos 99
anos. Diferentemente de muitos outros compositores, a família de Alberto era bem
de vida. Braguinha, o filho mais velho, nasceu no dia29 de março de 1907. Viveu
um pouco tempo na Gávea e logo se mudou para Vila Isabel. O pai era diretor da
Fábrica de Tecidos Confiança.
No
Colégio Batista, Braguinha conheceu um músico nato: o violonista Henrique
Brito. Com ele, começou a gostar de fazer música. A primeira criação, letra e música, foi Vestidinho Encarnado. Tinha
apenas 16 anos. Ao conhecer Noel Rosa e Almirante em Vila Isabel, passou a
integrar o grupo Flor do Tempo. Os rapazes cantavam em festinhas e nas
estações de rádio que estavam começando. Rádio Club, Transmissora, Philips.
Depois
veio o grupo Bando dos Tangarás, e, para que o pai não ficasse sabendo,
Braguinha decidiu criar um pseudônimo. Como era estudante de arquitetura, ele inventou
o nome de João de Barro. Como um arquiteto, o pássaro constrói a sua própria
casa. O público gostava do conjunto vocal, mas de 1928 a 1933, Noel Rosa e a
turma ainda tocavam seus próprios cateretês e emboladas. Os nordestinos andavam
fazendo sucesso no Rio divulgando esses ritmos.
Começava
a "Era de Ouro" do Carnaval brasileiro, que foi de 1930 a 1942. Um
dos grandes destaques, além de Lamartine Babo, foi João de Barro. Nesse tempo,
o Bando dos Tangarás já tinha terminado. Vamos ouvirMoreninha da praia,
de 1933. Era uma ousadia a menina que andava sem meias em plena Avenida
Central, hoje, Rio Branco.
Braguinha
conheceu o norte-americano Wallace Downey, e juntos formaram uma dupla no
cinema e na indústria de discos. Braguinha foi roteirista e assistente de
direção em filmes da Cinédia. Com Alberto Ribeiro, escreveu argumentos e
composições dos filmes Alô,
Alô, Brasil, Alô, alô, Carnaval e Estudantes.
Recentemente, a Cinédia restaurou a comédia musical Alô, alô, Carnaval. No filme,
pode-se ver que, em 1936, o cinema queria mostrar para o grande público como
eram os cantores do rádio brasileiro.
Na
trilha, há clássicos do compositor, como Seu
Libório, Maria, Acorda que é dia, Muito riso e pouco siso, Pirata, Cadê Mimi e
Cantores do rádio, música também com Lamartine Babo e Aberto Ribeiro. É bom
lembrar que Alberto Ribeiro foi parceiro
de Braguinha em 85 composições. Interpretada pelas irmãs Carmem e Aurora
Miranda, tornou-se um clássico. Na letra de Cantores
do rádio, podemos reconhecer o fenômeno que o novo meio de comunicação
estava provocando.
Nós somos as cantoras do
rádio/ levamos a vida a cantar/
De noite embalamos teu sono/
de manhã nós vamos te acordar/
Nós somos as cantoras do rádio/
nossas canções cruzando o espaço azul/
Vão reunindo num grande abraço corações de Norte a Sul/
De noite embalamos teu sono/
de manhã nós vamos te acordar/
Nós somos as cantoras do rádio/
nossas canções cruzando o espaço azul/
Vão reunindo num grande abraço corações de Norte a Sul/
Canto pelos espaços
afora/
Vou semeando cantigas, dando alegria a quem chora/
(bum, bum, bum, bum, bum)
Vou semeando cantigas, dando alegria a quem chora/
(bum, bum, bum, bum, bum)
Canto, pois sei que a
minha canção/
vai dissipar a tristeza que mora no teu coração/
vai dissipar a tristeza que mora no teu coração/
Braguinha
se tornou diretor artístico da gravadora Colúmbia, no Rio. Participava da
escolha de repertório e da formação de elenco, componentes fundamentais para o
sucesso que a gravadora viria a ter no mercado fonográfico. Continuou compondo
e, como mostramos semana passada, escreveu, em 1937, a letra deCarinhoso,
música de Pixinguinha. Teve um sucesso internacional antes de se casar
com Astréa Rabelo Cantolino,
com a música Sonhos Azuis (1936, com
Alberto Ribeiro), valsa interpretada por Carlos Galhardo.
Braguinha
estava mesmo inspirado em 1938. Compôs três marchas: Pastorinhas, com Noel
Rosa, Touradas em Madri e Yes, nós temos bananas, com Alberto Ribeiro.
E mais: tornou-se expert em
dublagens de cinema. Assim, foi escolhido para dirigir a dublagem de clássicos
de Walt Disney, como Branca de
Neve e os sete anões. Este
foi o primeiro desenho animado em longa metragem da história do cinema. Logo
depois, emendou nas versões brasileiras dos filmes Pinóquio (1940), Dumbo (1941)
e Bambi (1942).
Com o nascimento de sua primeira
e única filha, Maria Cecília, passou a escrever histórias infantis. Vamos ouvir
a voz de Braguinha falando como testava se uma música iria agradar ou não a
criançada, cantando primeiro para a filha. Em seguida, o conjunto Garganta
Profunda interpreta clássicos como Quem
quer casar, Pela estrada e Lobo mau, todas
essas músicas faziam parte dos disquinhos infantis. Depois, vieram Os três porquinhos, Festa no céu e
Chapeuzinho Vermelho. Todas
as músicas escritas ou adaptadas por João de Barro. Naquela época, não havia
casa com crianças sem esses maravilhosos disquinhos.
Não posso
citar todo o repertório do músico, mas tenho que lembrar que ele fez a versão
de Valsa da Despedida,
tema do filme A ponte de Waterloo. E também, para alegrar as festas
juninas, em 1939, Braguinha escreveu Noites de Junho, com Alberto Ribeiro, e gravada com
muito sucesso por Dalva de Oliveira. Vamos ouvir?
Ainda bem
que Braguinha foi reconhecido, gravado, homenageado até o fim da vida. Alguns
espetáculos foram feitos especialmente para ele. A Mangueira venceu em 1984, ano da inauguração do
Sambódromo, com o samba enredo Yes, nós temos Braguinha. Ele tinha uma frase que gostava de repetir: "A vida só gosta de quem gosta
dela". Para terminar,
quero contar a história de uma amiga, Neide de Aquino Nogueira, que era
enfermeira em um hospital no Centro da cidade. Braguinha tinha medo de injeção,
mas Neide sabia fazer isso muito bem. Por isso, o compositor começou a pagar o
almoço para ela, no Assyrius. Talvez porque tenha percebido que a jovem não
costumava fazer duas refeições por dia, por falta de dinheiro. E só isso já é
bonito, assim como uma canção de João de Barro.
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