Rose Esquenazi
Nos anos 30 e 40, existiam profissionais de rádio que eram tão
talentosos, que podiam exercer várias funções, todas com muita qualidade. Hoje,
vamos falar de um deles: Saint-Clair Lopes. Ele foi locutor, ator,
apresentador, intérprete de noticiário (como ele mesmo disse), produtor de
programas, animador e uma referência jurídica relacionada à radiodifusão.
Como ator, ele participou da primeira novela veiculada pela Rádio
Nacional, Em busca da
felicidade. Depois, atuou em Renúncia, de Oduvaldo Viana
e em Direito de Nascer, no papel de dom Rafael de Juncal. Infelizmente,
esses áudios não existem mais. Saint-Clair
também interpretou muitas histórias dramatizadas que começavam sempre com essas
frases: “Meu nome é...” ou “Eu me
chamo...”fulano.
Seu maior sucesso foi, sem dúvida, o seriado O Sombra, que esteve no ar durante seis anos, na Rádio Nacional. Ele foi o
protagonista com aquela voz maravilhosa que ele tinha.
O Sombra foi um seriado americano que veio no
pacote da Política da Boa Vizinhança. Já fazia sucesso nos Estados Unidos na voz
de Orson Welles, o famoso diretor de Cidadão Kane. É bom lembrar que
Orson fazia várias participações como radioator em diferentes rádios
americanas, indo e vindo pela cidade de Nova York, a bordo de uma ambulância.
Isso porque ele descobriu que alugar uma ambulância não era proibido e, para
estar na hora certa nas estações precisava vencer o trânsito que já existia nos
anos 30, em NY. Segundos antes de o personagem entrar no ar, ele perguntava ao
produtor que papel teria que encarnar. Sem o menor ensaio, conseguia
interpretar muitos tipos humanos, fosse um velho chinês ou um professor
velhinho. Ganhou muito dinheiro nessa época. Vamos ouvir o Sombra de Orson
Welles:
Escrito por Walter Brown Gibson, sob o pseudônimo
de Maxwell Grant, O Sombra revelava as aventuras de um vingador mascarado que era, na realidade, o
milionário Lamont Cranston. O Sombra era descrito como um homem de nariz aquilino e olhos negros penetrantes.
Estava sempre com um casaco e capa pretos e a boca coberta com lenço vermelho. No dedo, ele tinha um anel com um rubi enorme chamado
Girassol. No bolso, guardava duas pistolas 45 e, lógico, a pontaria dele era
perfeita. Assim como aquela série que escutamos nesse preograma anteriormente
As aventuras de Fred Perkins, de Francis Hallawell, o Sombra também tinha um aparelho voador feito
sob medida para ele. Sem falar que era tão poderoso que conseguia dominar a
mente humana usando uma novidade: a hipnose, que aprendeu no Oriente. Velhos tempos!
Algumas frases ficaram registradas na memória dos radiouvintes. Sempre
que o Sombra perguntava "Quem sabe o mal que se esconde nos corações
humanos?", vinha a resposta: "O Sombra sabe... Pois ele tem o
mal em seu próprio coração!", dizia, num tom assustador. Em cada
episódio, outras frases marcaram época: "O Sombra nunca falha!",
"As sementes do mal geram frutos amargos!", "O crime
não compensa!", "O Sombra sabe!"
Não seria a primeira vez que homens ricos e altruístas se mascaravam
para defender os muito pobres. OBatman também era um super-herói mascarado que, apesar de muito rico, estava ao
lado dos oprimidos! A noiva do Sombra americano, Margo Lane, era dublada por Agnes Moorehead. Anos mais tarde, Agnes interpretou
a mãe da Feiticeira, aquela lourinha da série da TV com o mesmo nome.
O Sombra no Brasil fez sucesso instantâneo e
era patrocinado pela Gilette. A voz cavernosa e profunda de Orson Welles ganhou
um exemplar nacional maravilhoso. Toda a vez que Saint-Clair da Cunha Lopes
dava a risada do detetive, as crianças corriam para debaixo da cama. Tinham medo
de seu poder de ficar transparente e penetram em qualquer lugar, transpondo
qualquer obstáculo. Depois de salvar as pessoas, o Sombra fazia uma
ameaça: “Agora, a sua vida me pertence”. Ele
transformava aqueles que acabara de salvar em agentes do bem e não admitia qualquer
tipo de questionamento.
Em São Paulo, o personagem foi interpretado por Otávio Gabus Mendes, pai
do escritor Cassiano Gabus Mendes e avó dos atores Cássio e Tato, conhecidos na
TV. Ele também assustava o público que já estava apavorado com o clima sombrio da
Segunda Guerra. Será que a guerra iria chegar ao Brasil nos anos 40?
Saint-Clair nasceu no Rio de Janeiro, em 1906. Ao contrário de muitos
radioatores que se acomodaram, ele decidiu
estudar Direito e Jornalismo. Por essa razão, era sempre chamado para criar
leis e defender os interesses da radiodifusão que estava crescendo no país. Foi
professor de radiojornalismo na Faculdade de Filosofia da UFRJ e na PUC. Foi
comentarista de assembleias da ONU, em 1947, sendo a sua palavra ouvida através
da Rádio Nacional. Exerceu também a consultoria jurídica da ABERT, dos
empresários do rádio. Escreveu livros sobre a história do rádio, como Radiodifusão,
hoje e divulgou a jurisprudência da radiodifusão.
Antes da Rádio Nacional, ele passou por várias estações. A primeira foi
na Rádio Philips, onde fez um teste para o programa Hora do Outro Mundo, de Renato Murce. Era uma atração criativa, já
que, supostamente, era irradiada de Marte para a Terra. Depois, trabalhou na
Rádio Educadora do Brasil, Transmissora e, finalmente, na Rádio Nacional, onde
ficou 33 anos. Foi ali que Saint-Clair Lopes mostrou todo seu talento. Com
aquela voz tão poderosa chegou a apaixonar uma fã que, ao morrer, deixou toda a
fortuna para ele. A mulher de Saint-Clair não gostou nada daquilo.
Para o livro do amigo Renato Murce, Bastidores
do Rádio (Ed. Imago, 1976), seu padrinho no rádio, Saint-Clair fez uma
pequena biografia que terminou assim:
“Entrei pobre para o rádio e saí dele pouco menos pobre, mas rico, muito
rico de realizações que confortam e com a consciência tranquila do dever
cumprido”.
Saint-Clair Lopes morreu em 6/3/1980, aos 73 anos.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirÉ realmente uma pena que não se ache mais esse programa pra poder escutar. Eu sou um que adoraria escutar todos os episódios.
ResponderExcluirGostei muito dessa matéria pois meu pai me deu o mesmo nome do radialista em homenagem à ele.
ResponderExcluirEle é meu tataravô (meu pai era o Saint-Clair Lopes Neto) e não sabia da existência do livro dele.
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