Rose Esquenazi
Hoje vamos falar sobre
a influência do idioma estrangeiro na nossa língua e como isso refletiu nos
programas do rádio brasileiro. Tudo que acontecia de importante na cultura dos
anos 30 e 40 tinha reflexo no rádio, é claro, que se tornou o maior meio de
comunicação no país.
Quando O cantor de jazz, com Al Johson, no
final dos anos 30, estreou no Brasil, todo o mundo ficou perplexo. Iria ficar
para trás, aos poucos, o cinema mudo, acompanhado de legendas e de um pianista
que tocava ao vivo nas salas de exibição. Era possível ouvir as vozes de
artistas pela primeira vez e a identificação foi imediata. Os filmes americanos
predominavam no país, havia muito investimento na divulgação de produções. Com
o som, Hollywood ganhou mais força. Além de copiar os gestos, as roupas, a
maquiagem e os movimentos dos astros, agora era possível dizer palavras em
inglês. Isso, mesmo que você não dominasse nem mesmo o português.
Os compositores
populares, que não são bobos nem nada, começaram a usar essa influência na
música. E as músicas, fazendo sucesso, chegavam às rádios Mayrink Veiga, com
Esplendido Programa, e Philips, com o Programa
do Casé, que transmitiam os
programas mais populares dos aos 30. Em 1932, Assis Valente compôs Good-bye,
interpretada com muito sucesso por Carmem Miranda, muito antes de se decidir
morar nos Estados Unidos. Vamos ouvir?
Nessa letra, Assis
ridiculariza um rapazinho, que ele chama de moreno frajola, dizendo que ele
nunca foi à escoal. Então, por que tem a mania de falar de falar inglês?
Em outra estrofe, Carmem canta: “Não é mais boa-noite/Nem bom-dia/Só se fala "good morning/"Good night/Já se desprezou o lampião/De querosene/Lá no morro/Só se usa luz da "Light".
Em outra estrofe, Carmem canta: “Não é mais boa-noite/Nem bom-dia/Só se fala "good morning/"Good night/Já se desprezou o lampião/De querosene/Lá no morro/Só se usa luz da "Light".
Acho interessante
também falar sobre essa transformação na cidade que passa a receber a luz da
empresa canadense Light, que começa a receber luz elétrica no lugar dos antigos
lampiões de querosene.
No ano seguinte, em
1933, Noel Rosa lança Não tem tradução,
samba gravado por Francisco Alves. É bom que se lembre que Chico Alves, o Rei
da Voz, cantava em vários programas, sempre com grande audiência e, anos mais
tarde, comprou uma rádio, a Cajuti. O que Noel Rosa escreveu? “O cinema
falado/É o grande culpado/Da transformação/ Dessa gente que sente/ Que um
barracão/Prende mais que um xadrez/Lá no morro, se eu fizer uma falseta/A
Risoleta desiste logo do francês e do inglês./ A gíria que o nosso morro
criou/Bem cedo a cidade aceitou e usou/Mais tarde, o malandro deixou de
sambar/Dando pinote/E só querendo dançar o foctrore (uma dança bem americana)
Essa gente hoje em dia/
Que tem a mania/Da exibição/Não se lembra que o samba/Não tem tradução no
idioma francês/Tudo aquilo que o malandro pronuncia/Com voz macia/É
brasileiro/Já passou do português.
Amor lá no morro é amor
pra chuchu/As romãs do samba não são I love you/E esse negócio de alô, alô boy,
alô Johnny (referência ao Al Johsnon?)/ Só pode ser conversa de telefone.”
O escritor Eduardo
Alcântara Vasconcelos, em seu livro Noel
Rosa para ler e ouvir , conseguiu descobrir que Noel Rosa usou palavras de
línguas estrangeiras em 20 músicas. As palavras francesas aparecem 20 vezes, as
inglesas, três vezes, e a espanhola, uma vez.
Na música De babado, Noel
compôs: “Brasileiro diz meu bem/E francês diz mon amour/Você diz vale quem
tem/Muito dinheiro pra pagar meu point-à-jour/Eu ando sem l’argent toujours.”
Em Dama do Cabaré, Noel continua no idioma francês: “Foi num cabaré na
lapa/Que eu conheci você/Fumando cigarro/Entornando champanhe no seu soirée”.
Já na musica Tarzan, o compositor parte para o espanhol: “Um argentino disse/Me vendo em Copacabana;
No hay fuerza sobre-humana/Que detenga este Tarzan!”
No artigo Samba
no pé e inglês na ponta da língua, Vera Lúcia Menezes de Oliveira e Paiva (da
UFMG), revela que desde os anos 20, já existe a crítica entre os compositores
em relação de abusar de termos estrangeiros. No musical Às urnas, criação coletiva de Sinhô e Ari Barroso, Luiz Iglésias e
Freire Junior, Luiz e Freire assinam um fox trot non sense. Uma bagunça que mistura
palavras que os brasileiros conhecem, mas não sabem o que é, só que escritas de
acordo com a fonética.
Em 1932, Lamartine Babo compunha
o fox-humorístico Canção para inglês ver,
que ele chamou de "fox-charge". Mostramos o non-sense de Lamartine, que já mostramos em outro programa que
fizemos aqui. Nos anos 80, Rogério Rossine e Nei Lopes escrevem a música A neta de madame Roquefort batendo na
mesma tecla. Segundo a autora Vera Lúcia, eles fazem “críticas à burguesia
sempre sujeita a influências estrangeiras. A palavra Roquefort remete a uma
marca de queijo de prestígio na elite brasileira. Nas palavras da pesquisadora:
“Os quatro últimos versos falam da neta da madame que, como sua avó, também não
fala português, mas inglês”.
A NETA DE MADAME ROQUEFORT
Rogério Rossini - Nei Lopes
Rogério Rossini - Nei Lopes
Madame Roquefort traz cada vez melhor o seu charme burguês
E já tem quase oitenta e três
Da Rua do Chichorro foi morar no morro mas fala francês
Sua garconière tem bufê, étagère e um lindo sumier
Só tem filé mignon, maionese, champignon, champanhe e vinho rosé
(do bom Chateau Duvalier que é o que tem melhor buquê)
Já por volta das sete, ela pega o chevette e vai fazer balé
De sapatilha de croché,
E já tem quase oitenta e três
Da Rua do Chichorro foi morar no morro mas fala francês
Sua garconière tem bufê, étagère e um lindo sumier
Só tem filé mignon, maionese, champignon, champanhe e vinho rosé
(do bom Chateau Duvalier que é o que tem melhor buquê)
Já por volta das sete, ela pega o chevette e vai fazer balé
De sapatilha de croché,
Voltando para o passado, em 1933,
Jurandir Santos grava, de sua autoria, a "marcha turística" Alô John, elogiando o Carnaval
brasileiro.
Alô John/ Cambeque
prá folia/Se não reve mone/Não faz mal/ Alô, ô, ô, ô/Alô John/ Cambeque prá folia/Inde Brasil/Reve
muito chope/Opp opp (bis)/American if drinque/Não estope
O
mesmo Jurandir Santos cria a marcha OK,
que foi gravada por Lamartine Babo e Carmem Miranda, em 1934.
Ô quei, ô quei/ Estope que eu já cansei/Ii... Ii... esse ife iu plise/Ô quei/ Por tua causa foi que me cansei /Luque...
luque para mim/Vê como estou fagueiro/ô ô...ÔÔ...ÔÔ...quei/ ai reve pouco
dinheiro
Em Brasil Pandeiro, de 1941, gravada pelo grupo Anjos do Inferno,
ganhou nova versão de Baby Consuelo. Segundo os estudiosos é um samba ambíguo
que enaltece o Brasil ao esmo tempo em que reconhece que é ótimo ser conhecido
no exterior por sua cultura. Naqueles anos 40, estava em vigor a Política da
Boa Vizinha, logo, era bom fazer boas tricas, incluisve musicais.
Vamos
ouvir? https://www.youtube.com/watch?v=iTXWpdkAp6Y
O inglês continuou a ser usado no
samba, quase sempre com o objetivo de criticar o americanismo. Os habitantes da
favela continuam sendo o alvo principal das críticas à adesão aos ritmos
americanos. Denis Brian, compositor paulista, é mais um que se incumbe de
criticar a imitação dos comportamentos americanos. Segundo Gomes (1987:34),
Denis Brian bandeou‑se a falar dos
crioulos de uma favela bem carioca, e que viviam entusiasmados com o lançamento
do boogie‑woogie na década de 1940. Os versos de Brian diziam:
Chegou o samba minha gente
lá da terra do Tio Sam com
novidade
E ele trouxe uma cadência
maluca
pra mexer com a cidade,
O boogie‑woogie, boogie‑woogie
Boogie‑woogie
a nova dança que balança, mas
não cansa,
a nova dança que faz parte da
política
da boa vizinhança
Ao usar os empréstimos da língua
inglesa, Zeca Baleiro em Samba do approach,
ironiza o excesso de expressões em inglês presentes no cotidiano da burguesia brasileira.
SAMBA
DO APPROACH, com Zeca Pagodinho
Venha
provar meu brunch/Saiba que eu tenho approach/Na hora do lunch/Eu ando de
ferryboat/ Eu tenho savoir-faire/Meu temperamento é light/Minha casa é
hi-tech/Toda hora rola um insight/Já fui fã do Jethro Tull/Hoje me amarro no
Slash/Minha vida agora é cool/Meu passado é que foi trash/Fica ligada no link/Que
eu vou confessar my love/Depois do décimo drink/Só um bom e velho engov/Eu
tirei o meu green card/E fui pra Miami/Beach/Posso não ser pop star/Mas já sou
um noveau riche
"Eu tenho sex-appeal"
Saca
só meu background/Veloz como Damon Hill/Tenaz como Fittipaldi/Não dispenso um
happy end/Quero jogar no dream team/De dia um macho man/E de noite drag queen.
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