Rose Esquenazi
Ary
Barroso (1903-1964) foi um grande compositor, todo o mundo sabe disso. Ele compôs 264 músicas sendo que Aquarela do Brasil, de 1939, é considerada, em muitos países, o
verdadeiro hino nacional brasileiro. Foi gravada por muitos artistas, inclusive
por Carmem Miranda e Frank Sinatra.
Além
de gênio musical, Ary Barroso foi também importante radialista. Natural de Ubá,
Minas Gerais, Ary ficou órfão aos 8 anos e foi criado pela avó. Ele aprendeu,
desde cedo, com uma tia, a ser pianista. Aos 17 anos, veio para o Rio para
estudar direito. Ele havia ganhado uma fortuna de um tio e resolveu descobrir
tudo que a noite da Capital Federal poderia lhe oferecer. O dinheiro acabou
antes de Ary terminar a faculdade e ele teve que procurar emprego. Acabou no
Cine Iris, na Rua da Carioca, acompanhando os filmes mudos. Ele fazia a mesma
coisa que fazia em Ubá, com a tia, no cinema da cidade. Começou a trabalhar no teatro musicado, mas
custou a emplacar com suas composições. Até que escreveu a música Dá nela que ganhou um concurso promovido
pela Casa Edison, em 1939.
Fanático
por futebol e, principalmente, pelo Flamengo, Ary Barroso tornou-se speaker esportivo.
Ele não era dono de voz muito boa, mas tinha emoção. O problema é que ele era
politicamente incorreto. Quando os jogadores do Flamengo estavam impedidos ou
se ele achasse que o juiz havia prejudicando o time do coração, Ary largava o
microfone, entrava no campo e começava a xingar e ameaçar o outro time. O
público, coitado, ouvindo a partida em casa, ficava sem saber o que estava
acontecendo. Curiosamente, todos sabiam que ele torcia pelo Flamengo, e, mesmo
assim, o aceitavam como speaker.
Naquele
tempo, anos 30 e 40, os speakers transmitiam
do campo, não havia cabine especial ou protegida por vidros. A gente pode
imaginar a quantidade de interferência que havia, os ruídos de estática nessas
transmissões eram enormes. Por essa razão, no momento exato do gol, não se
conseguia ouvir nada, daí a grande frustração do público. Ary Barroso achou que
deveria fazer algum som especial para avisar os torcedores de rádio que havia
acontecido o gol.
Certo
dia, ele percorreu várias lojas de música na Rua Carioca e testou vários instrumentos.
Nada o contentava. Até que chegou a uma simples gaitinha. Havia descoberto o
som para marcar os gols. Nascia a “gaitinha do Ary”. Depois, várias estações de
rádio passaram a adotar sinais sonoros. Isso, antes de os computadores reproduzirem
qualquer tipo de som.
Como
era politicamente incorreto, Ary era impedido de entrar em alguns estádios de
futebol. O jeito era improvisar. Existe uma foto maravilhosa em que o speaker
esportivo está em cima do telhado, com um microfone e seu técnico, um pouco
mais abaixo, segura o fio, em uma verdadeira cena de equilibrismo. Tudo para
que o público ouvisse a transmissão do jogo.
Ary
inaugurou, no Rio de Janeiro, o primeiro programa de novatos, em 1947, na Rádio
Cruzeiro do Sul, o programa Calouros em desfile. Ele dizia que havia
inventado o gênero, mas não foi verdade. Na Rádio Cruzeiro do Sul, em São
Paulo, estreou o primeiro desse tipo a Hora
dos Calouros, que depois virou moda em todas as rádios brasileiras. Se formos rigorosos, o programa nasceu mesmo
nos Estados Unidos, com o The Gong Show,
a hora do gongo. Os desafinados ganhavam uma gongada nos estúdios da estação de
rádio.
Ary
copiou o gongo, contratou o ator Macalé e vestiu-o de preto, como se fosse um
carrasco. Os candidatos, pessoas humildes, tinham o sonho de começar uma
carreira no mundo da música e queriam mostrar a veia artística. Como tinha um
ótimo ouvido, assim que a pessoa desafinava, Ary olhava para Macalé e o
“carrasco” batia em um gongo enorme que soava forte no estúdio. O candidato
saía da estação humilhado e, às vezes, chorando.
Muitos
dizem que Ary gostava de humilhar as pessoas e o público se divertia com isso.
O fato é que o ser humano tem esse lado cruel. Por essa razão, muitos calouros preferiam
pseudônimos para que não fossem ridicularizados pelos parentes e amigos quando
chegavam em casa ou perturbados pelos colegas quando voltavam ao trabalho. Ao
ser tão rigoroso, Ary Barroso também abria portas para os jovens. Ou seja, quando
um candidato se dava bem, a carreira de cantor ou cantora estava garantida.
Isso
aconteceu com a cantora Elza Soares, aos 16 anos, em 1953. A história é contada
pelo escritor José Louzeiro, na biografia que escreveu sobre Elza. Muito pobre,
pesando 45 quilos, ela morava na comunidade de Água Santa. Vivia cantando com
uma lata de água na cabeça e ficou com uma voz rouca, especial. Naquela data, o
filho de Elza estava doente e ela decidiu tentar o prêmio do programa para
levá-lo ao médico. Sem roupa adequada nem dinheiro para ir ao cabeleireiro, Elza
apareceu na rádio para cantar do jeito que deu. Muito mal vestida. O diálogo
que se seguiu, ficou conhecido:
Ary Barroso perguntou ao
microfone do programa Calouros em desfile:
- O que você veio fazer
aqui?
Elza Soares disse:
- Seu Ary, eu acho que aqui
a gente canta, né?
- E quem disse que você
canta?
- Eu canto.
- Então me faz o favor e me
diga de que planeta você veio?
-Do mesmo planeta seu, seu
Ary.
- E qual é o meu
planeta?
- Planeta fome.
Ary ficou sem graça e,
depois, maravilhado com a voz de Elza Soares. Ela passou a frequentar o
programa e deslanchou na carreira.
Ary
compôs muitas músicas para Carmem Miranda e, no Brasil, conheceu oi diretor
Walt Disney. Ele convidou Ary para trabalhar nos Estados Unidos. Ele foi,
chegou a trabalhar no cinema. Ganhou um bom dinheiro mas, de repente, quis
voltar. Por que, quiseram saber os amigos. Porque aqui não tem o Flamengo
jogando aos domingos.
https://www.youtube.com/watch?v=5DBA5tnAJDk - 43 segundos - Carmem Miranda cantando no filme “Entre a loira e a morena”, de 1943.
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