O Rádio
Faz História – 25/5/2015
Rose Esquenazi
O cantor Sílvio Caldas, o Caboclinho
Querido, participou da fase de Ouro do rádio brasileiro. Era um dos Quatro Grandes,
ao lado de Francisco Alves, Orlando Silva e Carlos Galhardo. Só que a carreira
de Silvio foi mais longa, durou mais de 50 anos e teve três fases bem
distintas. Ao longo da vida, ele ganhou muitos apelidos, além de Caboclinho
Querido. Foi chamado também de A voz morena da cidade, Titio, Poeta
da Voz, O cantor que valoriza as palavras. Dono de uma voz especial,
de um timbre próprio, inconfundível, embora não tão extenso e forte quanto a
voz de Chico Alves e Orlando Silva, ele conseguiu como ninguém unir a técnica à
emoção.
Silvio exerceu inúmeras profissões além de cantor e
compositor: foi pescador, cozinheiro, garimpeiro, lavador de carro, mecânico,
taxista, motorista particular. Por muito e muito tempo, um boêmio incurável,
que teve muitos amores. Mesmo trabalhando em tantas funções, nunca
deixava de cantar, sua maior paixão, Estava sempre com o violão, o companheiro
mais fiel. Muitas participações eram gratuitas, só pelo prazer de
cantar ao lado dos amigos. Gostava da experiência incrível de estar no estúdio
e encarar o microfone, algo assustador na época.
Silvio Antônio Narciso de Figueiredo
Caldas nasceu no Rio em 23 de maio de 1908, no bairro de São Cristóvão.
Morreu aos 90, em Atibaia, São Paulo, em 3 de fevereiro de 1998. O pai era
afinador de pianos e gostava das noitadas, o que vai influenciar o filho mais
tarde. Desde criança, aos seis anos apenas, ficou conhecido como o Rouxinol da
Família Ideal, nome de um bloco conhecido nas ruas de São Cristóvão. Na época,
a letra era assim: “Eu sou bilontra/gracioso cantor”. Para quem não sabe,
bilontra significa espertalhão. Aos nove, começou a trabalhar como aprendiz de
mecânico. Mas sempre que podia cantava em festas e reuniões.
Aos 19 anos, começou a carreira artística
profissional, em 1927, na Rádio Mayrink Veiga. Dois anos depois, passou a
cantar na Rádio Sociedade com um contrato de 20 mil réis por noite. Não era
muito comum ganhar cachê naquele tempo. Mas Silvio tinha já esse lado
profissional, que só vai se tornar corriqueiro a partir dos anúncios nos anos
30. Ele foi um dos famosos que participaram do Programa Casé.
O primeiro disco, ainda amador, chamou-se Quando
o príncipe chegar. O nome teve uma razão: era para homenagear o Príncipe de
Gales, na época, o Duque de Windsor, que veio ao Brasil. A primeira gravação
profissional foi na Victor, em dueto com Breno Ferreira, um desafio
chamado Tracuá me ferrô, de Sátiro de Melo. Em seguida, interpretou
o samba Amoroso, de sua autoria. Ele também começava a escrever
músicas com parceiros importantes, como Cartola, Benedito Lacerda e até Noel
Rosa.
No Governo Vargas, com receio de golpes e
rebeldias populares, uma nova lei proibia o cidadão de ficar em grupos
conversando nas ruas. Era preciso dispersar. Essa proibição, que voltou na
época da ditadura militar, gerou uma música gravada por Silvio Caldas,
intitulada “Vou andando”. Vamos ouvir?
O ano de 1930 foi importante para Silvio Caldas que
passou a trabalhar para a gravadora Brunswick. Cantou Recordar é viver e
o samba-canção Amor e poeta, ambas de Sinhô. Depois gravou 19
discos, com 32 músicas, pela Victor. Atuou ao lado da atriz Margarida Max na
revista Brasil do amor, de Ary Barroso, que começava na carreira
artística, e Marques Pôrto. No Teatro Recreio, ele cantou o samba Faceira,
de Ary. O sucesso contagiou os cariocas e, aos poucos, todos os brasileiros.
Silvio Caldas começava a se transformar em seresteiro. Faceira foi
mesmo o primeiro sucesso, unindo por muito tempo Silvio Caldas e Ary Barroso.
Depois do teatro de revista, lugar onde se lançavam
sucessos musicais na época, Silvio passou também a cantar em cassinos, que
pagavam bem e eram frequentados pela elite.
Em 1933, Silvio Caldas gravou Lenço no
Pescoço, de Wilson Batista, que ainda era um desconhecido vindo de Campos.
Acabou provocando uma tempestade porque valorizava a figura do malandro, imagem
que todos os compositores queriam apagar. Era uma letra politicamente
incorreta, comportamento que Getulio Vargas tentava abolir. Aquela história do
homem que não trabalhava e só queria farrear estava condenada. Por essa razão,
Noel Rosa compõe Palpite infeliz, só para dizer que Wilson Batista
estava errado. Nasceu ali a primeira polêmica musical que já falamos aqui no
quadro O rádio faz história, há algum tempo. Mas Silvio disse
que não tinha sido polêmica coisa nenhuma, foi só uma brincadeira. Vamos
ouvir Cinema falado, que mostrava a novidade do cinema já com som,
e Lenço no pescoço.
Segundo Jairo Severiano, no livro Uma
história da música popular brasileira (Editora 34), Silvio Caldas
passou por três fases distintas. A primeira foi de 30 a 34, que teve o samba
como o gênero predileto. Depois, a segunda fase, de 35 a 44, o ciclo de valsas.
Na opinião do pesquisador musical, foi o melhor período, em que o cantor
começou também a compor. A terceira fase começou em 45 e terminou quando Silvio
Caldas ainda conseguia cantar. Mas não foi a mais brilhante. Ele gravava os
antigos sucessos e depois se isolou em um sítio em Atibaia, em São Paulo.
Voltando aos anos 30, fez sucesso no Carnaval de
1933, com a marcha Segura esta mulher e passou ao posto de um
dos mais queridos intérpretes de Ary Barroso. Silvio se tornou tão popular
quanto Francisco Alves, Orlando Silva e Carlos Galhardo. Tinha um primoroso
estilo de interpretação. Em 1936, Silvio Caldas experimenta a carreira
cinematográfica na comédia musical Carioca maravilhosa.
Na mesma época, participou do filme Favela
dos meus amores. Ele cantou Quase que eu disse, Torturante
ironia, entre outras. Em 1937, lançou vários sambas de sua autoria e com
parceiros. Seu grande sucesso foi a canção Chão de estrelas, com
Orestes Barbosa. A música, até hoje, não falta nas rodas de serestas. Os
frequentadores da linda cidade de Conservatória, no Estado do Rio, sabem bem
disso. A música foi gravada duas vezes, sendo que só nos anos 50 fez grande
sucesso.
O escritor Manuel Bandeira escreveu uma crônica
elogiando a letra, embora fosse complicada, em poemas decassílabos. Se alguém
fizesse “um concurso para apurar qual o verso mais bonito de nossa língua”,
disse Bandeira, “talvez eu votasse naquele de Orestes 'tu pisavas os astros
distraída'.
Cantor sentimental que fazia questão de dizer as
palavras com muita clareza, Silvio marcou a sua época falando de amor e
saudade. Jairo Severiano é categórico ao dizer que “ninguém foi capaz de
superá-lo na maneira de interpretar letras românticas, até mesmo de dizer
certas palavras – saudade, por exemplo – inflexão precisa no exato momento”.
Vamos ouvir o clássico Carinhoso, de Pixinguinha e João de Barro, um
clássico da música brasileira, na voz de Silvio Caldas.
Não vamos poder citar todas as 177 músicas que
Silvio Caldas gravou. Mas quem tiver curiosidade, pode ir ao YouTube e fazer um
tour pela voz e interpretação do cantor. Silvio esteve muito ativo nos anos 50,
60 e 70, quando gravou dois LPs com Elizeth Cardoso pela gravadora Copacabana.
Incluiu no repertório Fita amarela, de Noel Rosa. Mas foi só em
1975, na Som Livre, que ele mostrou a única parceria que fez com o Poeta
da Vila: Cabrocha do Rocha.
Em 1989, aconteceu o último show. No Teatro João Caetano,
no Rio, foi dirigido, roteirizado e produzido por Ricardo Cravo Albin. Era uma
homenagem aos 80 anos de Silvio. O show foi transformado em programa na TV
Educativa. Em 1992, recebeu no Rio de Janeiro a Medalha Machado de Assis,
pela Academia Brasileira de Letras, por sugestão do escritor Jorge Amado.
Em 1994, ao ser lançado o CD Orestes
Barbosa - O poeta nas vozes de Francisco Alves e Sílvio Caldas, o público
mais uma vez pode avaliar a qualidade do Caboclinho Querido. Em
1995, participou do Songbook Ary Barroso, interpretando
o samba Quando eu penso na Bahia. Em 1998, por ocasião os seus 90 anos,
foi homenageado com o CD Sílvio Caldas 90 anos, com Zé Renato e
Orquestra. Integrante do conjunto Boca Livre, o cantor e compositor Zé Renato
esteve próximo do cantor porque a família dele conhecia o Caboclinho. Em 2008,
em comemoração ao centenário e seu nascimento, foi lançado pelo pesquisador
Carlos Marques o livro Sílvio Caldas - O Seresteiro do Brasil,
contando a trajetória artística do cantor. Para terminar vamos ouvir a Cabrocha
do Rocha. A primeira parte é de autoria de Silvia Caldas, a segunda, é de
Noel:
CABROCHA DO ROCHA
Eu tenho uma cabrocha
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Que mora no Rocha
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E não relaxa.
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Sei que ela joga no bicho,
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Que dança maxixe,
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Que dá muita
bolacha./////////
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Tenho um filho macho
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Com cara de tacho ////
E além disso é coxo. ////////
Ele me faz de capacho,
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Qualquer dia eu
racho ///////////
Este carneiro mocho. //////
Queria ouvir a gravação que ele fez para o museu do som. Tinha esse LP ms perdi...
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