Rose Esquenazi
Segundo os estudiosos, o choro nasceu em 1845.
Mas só ganhou letra no século 20, causando surpresa e, às vezes, polêmica. A
mais importante intérprete desse gênero musical foi Ademilde Fonseca, eleita de
Rainha do Choro, por Benedito Lacerda, em 1942. A artista morreu aos 91 anos, (27/3/2003)
no Rio de Janeiro. De acordo
com a família, Ademilde tinha problemas cardíacos e sofreu um mal súbito na
casa onde morava, no bairro de Ipanema. Deixou uma filha, Eymar Fonseca, três
netas e quatro bisnetos.
A cantora era uma simpatia e
marcou por sua jovialidade e afinação até o fim da vida. Ela tinha um superfôlego
porque não é fácil cantar tão rápido e tão claramente o Choro, que é diferente
de embolada que ninguém entende nada! Ademilde chegou a ser homenageada pelo I
Prêmio Divas da Música Brasileira do Icatu Seguros em 2010. Mas os fãs acharam
que foi pouco. Ela merecia mais.
Ademilde nasceu em 1921, em
Pirituba, no município de Macaúba, Rio Grande do Norte. Mudou-se aos quatro anos quando a família
decidiu morar em Natal (RN). Desde muito
pequena gostava de cantar. Na juventude, começou a participar de serestas e a
ficar amiga dos músicos locais. Pouco mais tarde se casou com o seresteiro Naldimar
Gedeão Delfino. E os dois decidiram vir para o Rio tentar a sorte.
Um ano depois da chegada ao
Rio, em 1942, Ademilde Fonseca Delfino– seu nome de casada - conseguiu fazer um
teste no rádio, algo sonhado por quase todas as jovens da época. O primeiro
teste foi no programa de calouros Papel
Caborno, de Renato Murce, na Rádio Clube do Brasil. Cantou serestas e deu
certo, foi aprovada. Começava ali uma carreira. No mesmo ano, ela gravou na
Columbia Tico-Tico de Fubá de um lado
e Voltei pro Morro, de Benedito
Lacerda e Darci de Oliveira, do outro.
Em uma festa na Gávea, ao
ouvir os músicos tocarem Brasileirinho,
ela disse que sabia a letra. Todos ficaram espantados já que achavam que era um
gênero apenas instrumental. Ao cantar a letra, os casais pararam de dançar e
adoravam ouvi-la interpretar a música. Essa história ela contou no programa Sarau, da Globonews. Comandado pelo
jornalista Chico Pinheiro, em 2003, foi de certa forma uma despedida porque foi
gravado pouco tempo antes de Ademilde morrer. E ela estava ótima, feliz, cantando
ao lado de sua filha Eymar e acompanhada de grandes
músicos.
Depois da Rádio Clube do
Brasil. Ademilde passou para a Tupi, onde ficou 11 anos. Até que foi contratada
para a Rádio Nacional, com contrato fixo, sonho maior de todos os músicos.
Segundo o livro de Henrique
Cazes, Choro, do quintal ao Municipal, “no
começo dos anos 50, Ademilde selou sua ligação com o Choro, no rastro do
sucesso de Waldir Azevedo”. Ela tinha gravado Brasileirinho, com letra de Pereira da Costa. Foi um tremendo
sucesso, principalmente pela dicção perfeita da cantora e os vários
malabarismos com a voz. Ainda era muito raro um Choro ter letra porque era
música apenas instrumental. Sem querer, ela divulgava uma nova moda. E fazia sucesso
no Brasil e em vários outros países onde se apresentou ao lado de Jamelão e a Orquestra
Tabajara.
Pereira da Costa sumiu do
mapa, mas ele foi um rapaz humilde, nascido em Limoeiro, Pernambuco. Pouco se
sabe sobre esse brilhante compositor autodidata que só deixou um caderno
manuscrito com as suas composições. Deu o título de “O espelho da inspiração”. Mas
a grande pergunta que Henrique Cazes faz é essa: até que ponto um letrista tem
direito de fazer uma letra para uma composição sem que seu autor musical seja
consultado. Porque muita gente se
aproveita do compositor da música ter morrido ou criar uma nova letra para a
mesma música. Cazes acha que é um problema ético uma pessoa tornar-se coautor
ou coautora à revelia. O pesquisador e músico cita o caso do bandolinista que o
norte-americano Mike Marshal que incluiu seu nome na música de Jacob do
Bandolim e Baby Consuelo, que ele gravou. No caso de Pereira da Costa deu
supercerto.
O chorinho com a
letra de Pereira da Costa, mas que na internet aparece como letra de Baby do
Brasil: Brasileirinho, de 1950.
O brasileiro
quando é do choro ///// É entusiasmado
quando cai no samba/
Não fica
abafado e é um desacato ///// Quando
chega no salão/
Não há quem
possa resistir //// Quando o chorinho brasileiro faz sentir/
Ainda mais de
cavaquinho //// Com um pandeiro e um violão/
Na marcação/
Brasileirinho
chegou e a todos encantou //// Fez todo mundo dançar/
A noite
inteira no terreiro ///// Até o sol
raiar /
E quando o
baile terminou ///// A turma não se
conformou /// Brasileirinho abafou! /////
Até o velho
que já estava encostado ///// Neste dia
se acabou!/
Para falar a
verdade, estava conversando //// Com
alguém de respeito/
E ao ouvir o
grande choro //// Eu dei logo um jeito e deixei o camarada/
Falando
sozinho. Gostei, dancei ///// Pulei,
pisei até me acabei/
E nunca mais
esquecerei o tal chorinho ///// Brasileirinho!
A carreira de Ademilde foi
de vento em pôpa. E nessa última entrevista ela agradeceu o dom que Deus lhe
deu e o fato de sua voz se encaixar tão bem no gênero Choro. Um músico
americano chegou a dizer que ela tinha uma voz, mas um cavaquinho dentro da boca porque ela cantava como o instrumento tão brasileiro.
Ademilde gravou Teco Teco, também de Pereira da Costa,
com Milton Vilela. Na entrevista, Ademilde disse que a letra se parece com a
vida dela, uma criança que gostava de brincar de bola de gude.
Teco, teco, teco, teco, teco //// Na
bola de gude era o meu viver
Quando criança no meio da garotada //// Com a sacola do lado
Só jogava p'ra valer //// Não fazia roupa de bonecas nem tão pouco convivia
Com as garotas do meu bairro que era natural
Vivia em postes, soltava papagaio //// Até meus quatorze anos era esse o meu mal
Quando criança no meio da garotada //// Com a sacola do lado
Só jogava p'ra valer //// Não fazia roupa de bonecas nem tão pouco convivia
Com as garotas do meu bairro que era natural
Vivia em postes, soltava papagaio //// Até meus quatorze anos era esse o meu mal
Com a mania de garota folgazã //// Em toda parte que passava
Encontrava um fã //// Quando havia festa na capela do lugar
Era a primeira a ser chamada para ir cantar
Assim vivendo eu vi meu nome ser falado /// Em todo canto, em todo lado
Até por quem nunca me viu
E hoje a minha grande alegria //// É cantar com cortesia //// Para o povo do Brasil
Encontrava um fã //// Quando havia festa na capela do lugar
Era a primeira a ser chamada para ir cantar
Assim vivendo eu vi meu nome ser falado /// Em todo canto, em todo lado
Até por quem nunca me viu
E hoje a minha grande alegria //// É cantar com cortesia //// Para o povo do Brasil
Excelente artigo. Um ganho para a história da cultura nacional.
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