Rose
Esquenazi
Custódio
nasceu no dia 25/4/1910 e morreu em 1945, antes de completar 34 anos. Uma vida
tão curta não o impediu de deixar uma obra imensa e maravilhosa, que poucos
conhecem atualmente. Somente os compositores tarimbados e pesquisadores o
reverenciam. Curiosamente, depois de
fazer tanto sucesso na música, no teatro e até no cinema, pouco tempo depois de
morrer, acabou sendo esquecido, apesar de suas lindas e criativas composições. Isso
não aconteceu, por exemplo, com Noel Rosa, que todos ainda conhecem.
Custódio
era uma pessoa muito bonita e elegante e tinha tudo para dar certo. Principalmente
porque era talentoso e tornou-se um grande compositor, pianista, regente e
ator. Ou seja, mais um talento diversificado que brotou na Era de Ouro da
MPB.
Carioca,
nasceu em uma família rica, na Rua Ipiranga, 26, Laranjeiras. Custódio teve as
primeiras noções musicais com a mãe e, depois aprendeu a tocar piano com o
pai. Era rebelde e gostava de tocar de
ouvido. Nenhum professor da época conseguiu domá-lo. Por isso, a família
resolveu inscrevê-lo como escoteiro no Clube do Fluminense, onde passou a tocar
tambor. Do tambor à bateria foi um pulo. Arrumou um grupinho musical e passou a
tocar na antessala do Cinema Central. Há uma curiosidade familiar: ele era
tio do produtor cultural carioca Albino Pinheiro, da Banda de
Ipanema.
O
rádio estava em alta naquele tempo, assim, foi natural que fosse se apresentar
na primeira atração de variedades do rádio brasileiro, o Esplêndido Programa, de 1931. O
apresentador, Waldo Abreu, trabalhava na Rádio Mayrink Veiga onde criou vários
quadrinhos que tornaram o programa mais animado. Depois, Custódio se transferiu
para Rádio Philips, onde reinava o Programa Casé. Não havia atração mais animada aos domingos. Da
bateria ao piano foi natural. As primeiras gravações, em 1932, foram os fox-trotes
Dormindo na rua e Tenho um segredo. Depois, escolheu um
parceiro maravilhoso, Noel Rosa, seu amigo do coração, que também morreu cedo,
aos 26 anos. Juntos, criaram o samba Prazer em conhecê-lo, gravado por Mário
Reis na Odeon. Foi o que ouvimos na abertura, só que gravado pelo conjunto
Coisas Nossas.
Não
parou mais de compor. Em 1933, Mário Reis lançou o samba Os homens são uns anjinhos. O cantor João
Petra de Barros gravou os sambas-canção Palacete
de malandro e Conto da carochinha e Carmen Miranda,Por amor a esse branco. Sucesso mesmo ele fez com a música
gravada por Aurora Miranda, Se a lua
contasse, em 1933. Aqui, vamos ouvir a música na voz de Marlene.
O
rádio ainda estava sendo desvendado pelo público. Assim, com a Canção ao microfone e Cantor do rádio,
gravados por João Petra de Barros na Odeon, Custódio tentava revelar o mundo
mágico do cantor de rádio que as fãs não conhecem, mas sonham com ele. O rádio
era visto como um lugar mágico, onde passava as ondas misteriosas do éter, o
espaço azul e o infinito. Desde 1934, as revistas dedicadas ao mundo do rádio,
chamam Custódio de "O Príncipe romântico do teclado", ou o
"Valentino brasileiro", em comparação ao ator argentino Rodolfo
Valentino, outro bonitão da época. Alguns críticos o chamavam de “garanhão”.
Entre
os mais citados nessas revistas, como
Carioca, estão Noel Rosa e Custódio Mesquita, que tinham a vida íntima
dissecada pelos jornalistas. Ele poderia ter seguido uma carreira e estudado
em uma faculdade. Mas era um pouco preguiçoso e estudou ao equivalente ao
terceiro ano ginasial. Acabou sendo diplomando no samba. Aliás, a música Doutor em samba, interpretado por Mário
Reis falava sobre o dilema. Custódio fazia uma homenagem a outro jovem bonito e
que havia sido rico, mas que se formou em direito, o próprio Mário Reis. O dinheiro
que começou a ganhar no rádio não significava muita coisa, ao contrário do que
ocorria com seus amigos compositores, muito mais pobres e necessitados. É claro
que ficava orgulhoso ao reconhecer que a vida profissional estava dando certo.
Segundo
o escritor Orlando de Barros, que escreveu o livro Custódio Mesquita. Um compositor romântico no tempo de Vargas - 1930-45
(Eduerj/Funarte), até 1936, o compositor mergulhou nas experiências
radiofônicas. Foi diretor artístico da Rádio Mayrink Veiga, mesmo muito jovem,
começou a frequentar a Rádio Record, em São Paulo. Conheceu as rádios de Santos
e Porto Alegre, quase uma aventura naquela época. Acompanhou Carmem Miranda em
Buenos Aires em um mês de apresentações na Rádio Belgrano. Foi diretor
artístico da Rádio Clube do Pará, inaugurada em 1934.
Ali, fazia um pouco de
tudo: selecionava elenco e conteúdo, dava pitaco em todos os assuntos e passou
a entender de orquestração, já que não havia em Belém ninguém que soubesse
fazer isso. Mais eclético, impossível. Inaugurou atrações novíssimas para a época, como programas de calouros e rádio-novelas.
Quando faltava alguém para animar a plateia, ele assumia
o papel de animador.
A
experiência foi muito útil em sua vida: aprendeu a identificar o que fazia
sucesso. Em 1937, ganhou o prêmio pelo melhor jingle da Cervejaria Antártica,
mesmo disputando com gente experiente na área. Na revista Carioca, em uma reportagem de 1936,
Custódio já tinha conquistado o coração dos brasileiros. "É um compositor
que abusa da arte de ser sutil nas suas composições", escreveu o
jornalista.
Noel
Rosa sentia o mesmo assédio de Custódio, apesar de não ser tão bonito quanto
ele. Mas reparou que em seu bairro as mocinhas queriam agradá-lo porque ele
fazia sucesso no rádio. Noel disse que as mocinhas bonitas e mesmo as feias, quando
encontravam com ele, “cravavam um olho curioso". Todos chamavam os
artistas de "cartazes" do rádio porque embaixo de cada emissora havia
uma tabuleta com as fotos dos artistas que iriam se apresentar naquela semana.
E quem estava no cartaz virava cartaz.
Mas
o rádio acabou cansando o criativo Custódio Mesquita, que voltou para o Rio e decidiu investir no teatro de revista.
Conquistou um grande parceiro, Mário Lago, de quem falamos semana passada. Com
ele criou Nada além, de 1938, e Enquanto houver saudade, que é uma valsa,
gênero que Custódio dominava. No encarte de um CD da Funarte, Mário Lago
escreveu um texto para o amigo. Chama-o de “melodista de mão cheia”, o melhor
do “que a nossa música produziu”. Com Evaldo Rui, criou outro clássico da MPB: Como os rios que correm pro mar. Para
Hermínio Belo de Carvalho, Custódio está na mesma estirpe de Sinhô, Chiquinha
Gonzaga e Ernesto Nazareth, grandes pianistas. Saia do caminho, com Evaldo Rui, de 1937, deve ser lembrada também
aqui.
Teve
outros parceiros geniais, como Sady Cabral, nas músicas Velho realejo e Mulher, de
1940, abertura do seriado da TV Globo.
Vamos ouvir?
Entre
1935 e 1937, foi subsecretário da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais, Sbat.
Em 1945, foi eleito conselheiro dessa entidade, mas morreu antes de assumir o
cargo, vítima der uma crise hepática. Levava a vida sem conseguir evitar as
crises de epilepsia. Bebia muito e vivia na noite. O escritor Bastos Tigre
declarou que o destino “foi mau e estúpido”. Para ele, “Custódio merecia viver
mais, o tempo que lhe desse para espalhar pela cidade, largamente, prodigiosamente,
os tesouros de harmonia de que tinha a alma repleta”, escreveu no encarte Bruno
Ferreira Gomes.
Chegou
a gravar 111 composições de 1932 a 1949. Tom Jobim foi superfã de Custódio e
dele herdou o dom de compor maravilhas ao piano.
Para
terminar, sugiro que se ouça uma obra genial: a composição Quem é? (Scena doméstica), em parceria com Joracy Camargo, de 1937.
Os dois retratam um casal fazendo um acerto de contas. Um implica com o outro e
depois vemos que eles se amam de verdade.
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