Rose Esquenazi
Em abril de 1922, desembarcou no Rio de Janeiro, capital do
país, o grupo Turunas Pernambucanos. Almirante lembra no livro No tempo de Noel, que, em 1921, os Oito
Batutas, do qual fazia parte Pixinguinha, foram ao Recife. O frisson foi tão
grande que eles inspiraram o surgimento dos Turunas Pernambucanos. No ano
seguinte, o grupo do Recife se apresentava no Cine Palais, no Rio de Janeiro, sendo
anunciados como os que faziam “músicas do Norte”, “caboclos brasileiros”,
“cantigas de sertão”, “emboladas e desafios”. Turuna quer dizer forte, valentão.
No conjunto, estavam dois músicos que se tornaram
importantes mais tarde, como dupla: o
José Calazans, o Jararaca, e o Severino Rangel, o Ratinho. No Rio, os Turunas
Pernambucanos ganham o reforço de João Pernambuco, no violão. O sucesso foi
extraordinário na Capital. Os
cariocas nunca haviam ouvido aquela cantoria tão diferente, que embolava as
palavras ao cantá-las muito rapidamente. Era tudo novo, curioso, divertido. Mas
os nordestinos que já haviam migrado para a Capital, logo se identificaram com
aqueles ritmos. Ouvimos na abertura o “Óia o sapo dentro do saco”, de Jararaca
e Ratinho, autores também da música Espingarda
pá pá pá pá, faca de ponta, tá, tá, tá,
tá”.
Vamos ouvir a dupla que se apresentava nas rádios que
estavam nascendo nos anos 20 e 30. Os microfones da Rádio Educadora, Sociedade,
Rádio Clube. E mais tarde passam a investir em música as rádios Mayrink Veiga,
Guanabara, Cajuti, Ipanema (depois Mauá), Transmissora (hoje, Globo) e Nacional
estavam abertos para esse tipo de música.
Espingarda
pá pá pá pá, faca de ponta, tá, tá, tá, tá”.
https://www.youtube.com/watch?v=4wdkCI55ghg
Os cariocas perceberam que as emboladas poderiam garantir o
sucesso nas festas e nas emissoras de rádio. Assim nasceu em março de 1929, o
Bando dos Tangarás, como os amadores Carlos Alberto Ferreira Braga, o
Braguinha, Noel Rosa, Henrique Brito, Álvaro Miranda Ribeiro e Henrique Foréis
Domingues, o Almirante. Eles tentaram imitar a embolada nordestina e foi assim
que Almirante compôs a música Vamos falá
do Norte. Nenhum músico do grupo era nordestino, mas eles decidiram vestir
calças rasgadas e curtas, usar camisas mal ajambradas e se lançar no mundo
musical.
https://www.youtube.com/watch?v=mTPXbIKrEAU
Os músicos do Bando dos Tangarás não tinham mais de 18 anos,
20 anos, e toparam ser um dos pioneiros a participarem de um filme sonoro do
estúdio Benedetti-Film, em 1929. Funcionando na Rua Tavares Bastos, no Catete,
o estúdio de Benedetti era sensacional. O italiano tinha acabado de criar um
sistema, o Vitaphone, que unia imagens e sons. Fez algo paralelo aos que os
técnicos estavam fazendo nos Estados Unidos. Essas imagens maravilhosas em uma
espécie de clip dos anos 30 sumiram no mundo até que um professor paulista
chamado Máximo Barros redescobriu a relíquia. Máximo comprou, em 1995, um
pedaço de filme encontrado em uma loja de antiguidades em Copacabana. E qual
não foi a sua surpresa ao identificar o Bando dos Tangarás e, claro, o registro
de Noel Rosa, aos 18 anos, em sua única aparição em movimento de que se têm
notícias. O documento foi veiculado no programa Fantástico e causou emoção entre os fãs e pesquisadores musicais.
Hoje, pode ser visto no YouTube!
É bom que se explique porque Bando dos Tangarás. Tangará é
um lindo pássaro do Nordeste, azul ou verde, que gosta de cantar em grupo para
encantar as fêmeas.
Nesse movimento sertanejo, não podemos nos esquecer que
existia na Praça Tiradentes a Casa do Caboclo, onde muitos artistas se
apresentaram. Entre eles, os cômicos João Lino e Apolo Correia, Dercy
Gonçalves, Jararaca e Ratinho, Manezinho Araújo (Manoel Perreira de Araújo), e
Augusto Calheiros, o Patativa do Norte.
Renato Murce, o pioneiro de quem falamos semana passada,
também teve seu tempo de conjunto regional. Ele viu, tal como os amigos de
Noel, que era preciso cantar como os Turunas que estavam fazendo sucesso no
Rio. Na Rádio Educadora, com os primeiros cachês que ganhou na vida (e que o
rádio pagou), fundou Os Gaturamos. Segundo Murce, concorriam com “o magnífico
grupo comandado por Almirante: o Bando dos Tangarás“. Mas não eram tão bons.
Os Gaturamos, disse Renato Murce em seu livro Bastidores do rádio, tinham como
elemento principal ele mesmo e mais o irmão Dario Murce, Rogério Guimarães,
Pery Cunha, Lourival Montenegro, Rubem Bergmann, Didi do Pandeiro. O radialista
afirmou que nem todas as emissoras gostavam do gênero popular, dessa música do
povo. Isso porque tinham nariz empinado,
como a Rádio Jornal do Brasil. A vantagem desses grupos é que eles cantavam em
bares e restaurantes e ganhavam comida de graça, no final da apresentação. O
que era importantíssimo para os duros que eram.
Murce se lembra da chegada de outro grupo do gênero, no Rio
de Janeiro, reforçando a tendência nordestina. O jornal Correio da Manhã, que sempre publicava contos, sonetos e poesias
populares, lançou em 1926, um concurso carnavalesco. Nesse momento vem do
Recife também os Turunas da Mauricéa, grupo que surgiu depois dos Turunas
Pernambucanos. Faziam parte Augusto Calheiros, o Patativa do Norte, com a sua
linda voz, Riachão, Guajurema, Piriquito e Bronzeado, logicamente, nomes de
guerra. E também fizeram sucessos com suas roupas típicas e chapéus vindos do
Nordeste. O maior sucesso dos Turunas da Mauricéa foi no Carnaval de 1928, com Pinião, de Luperce Miranda e Augusto Calheiros.
Pinião, Pinião, Pinião
Ôi, pinto correu com
medo do gavião
Por isso mesmo sabiá
cantou
Bateu asas e voou e
foi comer melão
Um dia desses um sabiá
lá do outeiro
Chegou lá no meu
terreiro
Pinicando pelo chão
E um pintinho que tava
junto da galinha
Foi correndo pra
cozinha
Com medo do gavião.
Vamos ouvir a gravação de 1953, Augusto Calheiros, o
Patativa do Norte
Renato Murce conta que teve a honra de apresentar os Turunas
da Mauricéa e viu como as portas do rádio, das gravadoras, clubes e excursões
se abriram imediatamente para o grupo. Um ano depois, em 1927, aparece o grupo
A Voz do Sertão, que tinha no elenco Luperce Miranda, que cantava emboladas
muito bem.
Uma
dos primeiros a cantar música regional no Rio de Janeiro foi Catulo da Paixão
Cearense. Segundo o escritor Mário de Andrade, Catulo foi “o maior criador de
imagens da poesia brasileira”. Catulo escreveu 200 modinhas, mas a que ficou mais
conhecida foi Luar do sertão, que teve
coautoria do violonista João Pernambuco. Luar
do sertão foi considerada “o verdadeiro hino caboclo do Brasil”. Em 1936,
vai fazer parte da abertura da programação da Rádio Nacional. Vamos ouvir na
voz de Tonico e Tinoco, dupla sertaneja pura, a mais famosa. . Tiveram 60 anos
de carreira, quando gravaram quase mil músicas em 83 discos. Venderam 150
milhões de discos e fizeram inúmeras apresentações no país e nas estações de
rádio, é claro. Tonico, João Salvador Perez,
nasceu em 1917, em São Paulo e morreu em 1994, aos 77 anos. Tinoco, José Salvador Perez, nasceu em 1920, também em São
Paulo, e
morreu em 2012. Foi o artista
sertanejo que permaneceu mais tempo em atividade (82 anos). Morreu aos 91 anos. Vamos ouvir Luar
do sertão?
Luar
do sertão
https://www.youtube.com/watch?v=TLnISvSEqVw
Antes de terminar, gostaria de dizer que se podem fazer
muitos programas dedicados às origens da música sertaneja e viola caipira. O
maior representante desse gênero era o Capitão Furtado, apelido de Ariovaldo
Pires, e seu programa Arraial da Curva
Torta, na Rádio Cruzeiro do Sul, em São Paulo, ficou famoso.
Ainda sobre Tonico e Tinoco, gostaria de mostrar um trecho
da música Irradiação, de Chiquinho e
Tonico, que fala sobre o ambiente radiofônico.
Irradiação
http://www.vagalume.com.br/tonico-e-tinoco/irradiacao.html
O rádio é nosso peito,
nós somos uma estação
É ligado na saudade pra fazer a transmissão
O tinido da viola vai levando pro sertão
Tudo quanto é novidade nas ondas do coração.
Quanto mais é distância mais aumenta a radiação
A moda nos traz alegria pra outros recordação
A novela do desprezo, o programa da ilusão
Reportagem do amor da triste separação.
O som da voz é suave nós dois pra cantar não treina
Somos que nem araponga naquela manhã serena
Nossa viola é transmissor que trabalha sem antena
Transmite em qualquer distância no coração da morena.
Estúdio é uma gaiola onde nós canta fechado
Que nem sabiá coleira no teu cantar magoado
Sintoniza o padecer de quem vive abandonado
Nas ondas de uma saudade no transmissor do passado.
Este que fala no rádio anunciou pro mundo inteiro
Nas ondas curtas e longas a façanha do violeiro
Já está ficando afamado até lá no estrangeiro
Nossa moda sertaneja que é um produto brasileiro.
É ligado na saudade pra fazer a transmissão
O tinido da viola vai levando pro sertão
Tudo quanto é novidade nas ondas do coração.
Quanto mais é distância mais aumenta a radiação
A moda nos traz alegria pra outros recordação
A novela do desprezo, o programa da ilusão
Reportagem do amor da triste separação.
O som da voz é suave nós dois pra cantar não treina
Somos que nem araponga naquela manhã serena
Nossa viola é transmissor que trabalha sem antena
Transmite em qualquer distância no coração da morena.
Estúdio é uma gaiola onde nós canta fechado
Que nem sabiá coleira no teu cantar magoado
Sintoniza o padecer de quem vive abandonado
Nas ondas de uma saudade no transmissor do passado.
Este que fala no rádio anunciou pro mundo inteiro
Nas ondas curtas e longas a façanha do violeiro
Já está ficando afamado até lá no estrangeiro
Nossa moda sertaneja que é um produto brasileiro.
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