segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Rádio Blog – Marlene, ela que canta e dança diferente

Marlene, a Rainha do Rádio de 1949



 Sucessos dos anos 60


Semana passada, nós falamos sobre a cantora Emilinha Borba. Para fazer justiça, nesta semana, vamos conversar sobre a história de outra cantora, a também famosa Marlene. Victória Delfino dos Santos tinha como nome de solteira Bonaiutti de Martino. Ela nasceu em São Paulo, no dia  22 de novembro de 1924, sete dias antes da morte de seu pai.  Dona Antonieta, a mãe, criou as três filhas sozinhas, dando aulas e costurando. Todas as quatro eram ligadas à Igreja Batista, sendo que Marlene chegou a cantar no coro juvenil da igreja.

Em 1939, começou a fazer participações na Rádio Bandeirantes, em um programa novo chamado Hora dos Estudantes.  É claro que cantava escondida da família muito rigorosa. Os colegas da faculdade escolheram um pseudônimo para ela: Marlene, em homenagem à atriz Marlene Dietrich, muito conhecida na época.  Marlene começou a cursar a Faculdade do Comércio, à noite, e trabalhou em um escritório. Mas o chamado do rádio estava ficando cada vez mais forte. Ela estreou como profissional na Rádio Tupi de SP e começou a fazer sucesso. Os colegas decidiram pedir apoio à mãe de Marlene para uma cantora tão boa. A reação foi terrível, ela decidiu agredir fisicamente a filha.  Para Antonieta, samba era uma coisa do demônio.

Victória, ou melhor Marlene, aos 19 anos,  em 1943, saiu de casa e veio arriscar a vida no Rio. Ela já havia mandado cartas para empresários pedindo uma oportunidade. Afinal, a voz da jovem era forte e tinha grande extensão. Conseguiu um emprego no Cassino Icaraí, em Niterói e, depois de dois meses, ao conhecer o músico e empresário Carlos Machado, foi convidada para estrear no Cassino da Urca, o endereço glamouroso das noitadas da cidade. Tornou-se vocalista de orquestra.

Segundo Ronaldo Conde Aguiar, no livro As divas do Rádio Nacional, Marlene era uma cantora teatral: “levantava os braços, gesticulava, abria as pernas, jogava os cabelos enormes”. Isso chamava atenção dos empresários.  A mãe acabou aceitando a opção da filha, desde que ela seguisse os preceitos da religião e veio morar com ela no bairro da Urca.


Com o fim do jogo no Brasil, em 1946, Marlene perdeu o emprego e ganhou outro, na boate Casablanca, na Praia Vermelha, durante dois anos.  Depois, tornou-se crooner  e cantava no Golden Room e na boate Midnight, os dois no Hotel Copacabana Palace. Cantava das 21h às 4h da manhã. O público da cantora eram os ricos que se hospedavam e se divertiam no melhor hotel da cidade. Marlene começou a cantar na Rádio Mayrink Veiga e fez muito sucesso com Swing do morro. Vamos ouvir? https://www.youtube.com/watch?v=tULDcbYRCGw 

Ganhou o concurso carnavalesco,  muito comuns naquela época, com a música Coitadinho do papai, acompanhada dos Vocalistas Tropicais, que estourou  no Carnaval de 1948. Nos anos 40, sucesso mesmo quem fazia era a Emilinha Borba, na Rádio Nacional. Marlene admitiu, em vida, que no momento em que apareceu no rádio, no Rio, ela era uma “joana ninguém” e que o grande nome era mesmo o de Emilinha.

Marlene não se identificava muito com o público radiofônico, mais popular. Até que a jogada de marketing da Cia Antártica, que eu já contei na outra crônica, decidiu lançar Marlene como nova cantora ao lado do novo formato do guaraná, o Caçula, em 1949. Ela venceu o concurso para o desgosto do fã clube de Emilinha e passou a cantar na Nacional, quase que exclusivamente no Programa Manoel Barcelos. As coisas mudaram rapidamente.

Ao mostrar o seu talento, ela também conquistou seus próprios admiradores. Pessoas menos conservadoras e mais modernas, vamos dizer assim. Parecia liberada, sofisticada, polêmica, enquanto Emilinha era considerada uma “santinha”.  Emilinha se apresentava no Programa César de Alencar. Como eram diferentes: enquanto Emilinha gostava de músicas politicamente corretas e tolinhas, Marlene escolheu outro tipo de repertório. Eram sambas brasileiros que privilegiavam pessoas do povo. A Rádio Nacional e a Revista do Rádio começaram a investir nesse contraponto e incentivaram a rivalidade. Marlene não resistiu ao assédio e  também ganhou um fã-clube.

Curiosamente, não foram apenas as mocinhas que amavam uma cantora e odiavam a outra. Em todas as escalas da sociedade, em todos os grupos profissionais, havia uma divisão clara. Quem gostava de Marlene, não gostava de Emilinha. E vice-versa. Em uma entrevista, Marlene disse que o Brasil se dividiu. “Não era só a Revista do Rádio”, ela disse,eram todos, a imprensa toda (...)  Era um negócio muito sério. Realmente todos queriam tirar a sua lasquinha. Mas eu não gostei daquilo não”.

No livro Por trás das ondas da Rádio Nacional, a autora Miriam Goldfeder analisou profundamente esse fenômeno que aconteceu nas décadas de 40 e 50 e tirou conclusões muito interessantes.  Para Miriam, a classe média gostava de Marlene porque ela era um pouco mais crítica. Mas acabou que Marlene entrou na mesma faixa de público popular de Emilinha, aquele que frequentava o rádio e rasgava as roupas dos ídolos.

Não havia muita lógica nos slogans criados da época.  Marlene se tornou a querida da Aeronáutica; a Emilinha era a preferida da Marinha. Por que, ninguém sabe explicar.

Antes da chegada da TV no Brasil, em 1950, o público queria conhecer pessoalmente os cantores. Por essa razão, os convites para o auditório da Nacional, que tinha lugar para quase 500 pessoas, eram altamente disputados. Certa vez, Marlene disse que “chegava ao palco e queria fazer uma coisa mais séria, mas o público não queria não; se contentava em ver, podia cantar errado, desafinar, o público queria ver”.


Marlene casou-se com o ator Luís Delfino e, anos depois, pediu desquite, uma atitude considerada ousada.  Ninguém se separava na época.  Era também atriz, bailarina e compositora. Gravou 4 mil canções em sua carreira, fez 11 filmes, entre eles, Corações sem piloto, Caídos do céu e Pif-Paf,  e participou de cinco peças de teatro e cinco revistas.

Tanto Marlene quanto Emilinha faziam excursões pelo país. Mas só Marlene cantou no Teatro Olympia, em Paris, à convite da famosa francesa Edith Piaf  que a viu cantando no Copacabana Palace. Cantou também no Waldorf Astoria, em Chicago.  Segundo a escritora Miriam Goldfeder, apesar de Marlene ser uma das primeiras a mostrar a opressão dos mais pobres, como na música carnavalesca Lata d’água e Zé Marmita, ela não chegava a ser nenhuma revolucionária de carteirinha. Nas letras, ela não mostrava como superar a pobreza, apenas mostrava uma situação.

Nos bastidores, dizia-se que Marlene se irritava com Emilinha. Essa versão nunca poderá ser confirmada.  Emilinha garantia que elas se davam muito bem, o que não acontecia com as fãs das duas, que se odiavam, se batiam e rolavam as escadarias do Edifício A Noite, na Praça Mauá.

César de Alencar afirmou que nem os avisos do palco que diziam “Silêncio” ou “Aplausos” costumavam ser respeitados.  Nas palavras dele: “Tinha uma hora que ficava assim, muito violento e eu era obrigado a parar o programa (... ) Eu brincava, quando via que não dava pé, eu dizia: Opa,  parem o programa. Vocês querem parar ou querem que a gente continue o programa? Vocês vão ficar em silêncio?”

Marlene se interessava pelo teatro desde que tinha 6 anos, seu pai chegou a pertencer ao teatro amador. Tornou-se atriz de verdade e a primeira peça foi Depois do casamento, em 1952. Depois vieram  Botequim e Ópera do Malandro. Na TV, participou de novelas como Bandeira 2, O amor é nosso e Viver a Vida.

Marlene morreu aos 91 anos, no dia 13 de junho passado, de falência múltipla dos órgãos.   O velório foi no Teatro João Caetano, na Praça Tiradentes. Os portões ficaram abertos para que os fãs fossem se despedir da cantora conhecida também como “A Incomparável”.


segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Rádio Blog – Emilinha Borba, a “Rainha do Rádio”

Emilinha Borba, um exemplo das meninas dos anos 40 e 50




Escandalosa:

https://www.youtube.com/watch?v=0mhjrT4Ro2E


Durante muitos anos, Emilinha Borba foi um exemplo para as fãs do rádio. Afinal, ela era uma jovem pobre que venceu por sua própria força e talento. Mostrava a imagem de uma moça bem comportada e escolhia seu repertório seguindo o preceito da moça certinha que obedecia ao pai e à mãe. Muitas jovens viram nela um exemplo.

Emília Savana da Silva Borba nasceu no Rio de Janeiro, em 31 de agosto de 1923 (morreu no Rio em 3/10/2005). A infância foi pobre e difícil no Morro da Mangueira e, mesmo contra a vontade da mãe, Emilinha se apresentava nos programas de auditório. Aos 14 anos, ela ganhou o primeiro prêmio na Hora Juvenil, da Rádio Cruzeiro do Sul. Depois cantou no programa mais difícil da época: Calouros em desfile, de Ary Barroso. Ela agradou com a sua voz pequena e afinada ao cantar O X do Problema, de Noel Rosa.
Passou a participar de algumas gravações da Columbia, como integrante dos coros. Logo formou uma dupla com Bidú Reis chamada de As Moreninhas. Em 1939, gravou a marcha Pirulito, sendo que no disco seu nome não foi creditado.  Nesse mesmo ano, gravou o primeiro disco solo, em 78 RPM, para a Columbia O samba-choro Faça o mesmo, com  Benedito Lacerda e seu conjunto, chamou a atenção do público para o seu nome. Depois, gravou o samba Ninguém escapa de Eratóstenes Frazão.
Graças à mãe que trabalhava no Cassino da Urca, como camareira de Carmem Miranda, Emilinha ganhou uma madrinha artística caída do céu: a  própria Carmem.  A primeira providência foi alterar a idade, afinal , a mocinha ainda não tinha 18 anos. Parecer mais velha evitava problemas com o Juizado de Menores que, naquela época, era muito rígido. Assim, com a roupa e os sapatos de salto de plataforma de Carmem, Emilinha foi aprovada por Joaquim Rolla, dono do Cassino da Urca, que a transformou em crooner. O crooner é aquela espécie de cantor ou cantora que interpreta vários tipos de canção durante a noite em uma boate.
Do cassino para o cinema foi um pulo. Emilinha participou, em 1939, do filme Banana da Terra, de Alberto Bynton e Rui Costa. A produção contava com um grande elenco: Carmen MirandaAurora MirandaDircinha BatistaLinda BatistaAlmiranteAloísio de OliveiraBando da LuaCarlos GalhardoCastro BarbosaOscarito e Virgínia Lane, a "Vedete do Brasil".
Em 1940, começou a gravar músicas que tiveram acompanhamento do maestro  Radamés Gnattali. Seu repertório não era crítico nem combativo, pelo contrário, era sempre bem comportado. Os sambas  O Cachorro da Lourinha  e Meu Mulato Vai ao Morro, da dupla Gomes Filho e Juraci Araújo, são dessa época. Foi chamada para participar de mais dois filmes: Laranja da China Vamos cantar. Mudou de gravadora e, na Odeon, gravou Quem parte leva saudades.
Em 1942, foi contratada pela Rádio Nacional, mas não ficou muito tempo nessa primeira fase.  No ano seguinte, em outro contrato, ela se firmou de tal forma que passou a ser a principal estrela do elenco durante 27 anos. Nesse tempo, a Nacional era líder de audiência no país. Além de participar de vários programas, tinha um grande fã clube. Foi campeã de correspondência durante 19 anos consecutivos. Lembrem-se os mais jovens: não havia email naquele tempo, eram apenas cartas mesmo!
Em 1942, durante a Política da Boa Vizinhança, o diretor americano Orson Welles começou a filmar no Brasil o documentário It's All True (É tudo verdade, que ficou inacabado). Orson adorou o Brasil e também a cantora mais popular daquela época, Linda Batista.  No Cassino da Urca, Orson Welles namorava Linda, mas gostou também de Emilinha. Prometeu levá-la para  Hollywood e fazê-la uma grande atriz.  Linda não gostou, passou a humilhar a mãe de Emilinha e a dificultar a ascensão da cantora. Em determinada noite, Linda atacou Emilinha nos bastidores e ainda rasgou o vestido do show.

Durante muitos anos, as irmãs Linda Batista e Dircinha Batista ganhavam o concurso para Rainha do Rádio.  Mas as fãs queriam uma renovação e fizeram uma grande campanha para Emilinha ganhar, em 1949. Vendiam as revistas e preenchiam, elas mesmas, os cupons. Quem ganhasse mais votos, levava a faixa de rainha. Naquele ano, Emilinha gravou a marcha Chiquita Bacana, que foi o primeiro lugar nas paradas de sucesso e passou a ser considerada a vencedora do concurso. https://www.youtube.com/watch?v=JKs7yPcrsOk

Mas não foi. O que ninguém sabia era que a Cia Antártica comprou milhares de votos para lançar um novo guaraná, o Caçulinha, junto com uma nova cantora, a pouco conhecida Marlene. Foi uma das primeiras grandes jogadas de marketing no Brasil. Emilinha perdeu o lugar, mas não o coração das fãs que passaram a hostilizar Marlene para sempre. A Rádio Nacional soube aproveitar a rivalidade e convocava as duas para fazer shows em várias cidades brasileiras. A Revista do Rádio inventava brigas entre as duas e vendia milhares de exemplares.

Emilinha se tornou Rainha do Rádio só em 1953 e sempre, até o fim da vida, teve os fãs perto dela. Eles comemoravam os aniversários e compravam presentes para a cantora. Na revista Radiolândia, Revista do Rádio e no jornal A Noite, a cantora se comunicava com os fãs através de colunas e cartas. O Diário da EmilinhaÁlbum da EmilinhaEmilinha Responde e Coluna da Emilinha eram disputados entre os leitores. Tornou-se cereja do bolo do Programa César de Alencar, a atração de auditório mais famoao a partir de 1946. Até 1995, Emilinha foi a personalidade brasileira a ter mais capas de revistas, cerca de 350.

Quando chegava a uma cidade do interior, não havia quem trabalhasse ou estudasse naquele dia. Tudo era válido para ver Emilinha de perto e ao vivo. Já era o star system do rádio. Por essa razão, as prefeituras passaram a decretar feriado sempre que Emilinha aparecia para receber as chaves do lugarejo.

No programa  A Felicidade Bate à Sua Porta, de 1953, em que os ouvintes participavam do sorteio de brindes e eletrodomésticos que vinham em um furgão preto.  Era preciso ter o sabão e outros produtos da marca Cristal (União Fabril Exportadora) em casa e escrever para a Nacional para competir. Os radialistas Yara Salles e Heber de Boscoli comandavam a atração de domingo, às 19h, depois do futebol. Melhor do que os eletrodomésticos era a visita de Emilinha. Ela vinha escondida em outro carro e, ao sinal da produção, entrava na casa do ouvinte sorteado. Uma multidão ficava histérica na rua com a presença da cantora.
 Em 1959, participou do filme Entrei de gaiato cantando Menina Direitinha, em que aconselhava as meninas a não se perderem entre os garotos que andavam de lambreta e eram considerados os bad boys da época, a juventude transviada. Emilinha cantava: “Menina direitinha que pensa no futuro/ não chega tarde em casa e não namora no escuro/ Não anda em garupa da lambreta/Sem ordem da mamãe, ela não sai/Cuidado para não dar desgaste pro papai”.