segunda-feira, 18 de maio de 2015

Rádio Blog – Francisco Alves: "Boa Noite, amor"

Rose Esquenazi



Semana passada, falamos sobre Orlando Silva, O Cantor das Multidões. Dissemos que ele teve um grande padrinho. É sobre ele que vamos falar hoje. Francisco Alves, que vai se tornar o Rei da Voz. Nascido em 19/8/1898, era filho de um português, dono de um bar no Centro da cidade, na Rua do Acre. Naquela época, se chamava Rua da Prainha. A família não era nada rica e, para ganhar uns trocados, o menino Francisco foi engraxate, coisa que o pai não gostou. Depois, começou a cantar nas ruas do Centro, pedindo algum dinheiro para os passantes. Trabalhou em fábricas de chapéus, sendo que uma delas ficava na Mangueira. Foi também motorista de táxi. Trocou a bicicleta por um violão, instrumento que passou a ser grande companheiro, amigo de todas as horas.

Quem lhe deu a primeira oportunidade na área musical foi João Gonzaga, viúvo da concertista Chiquinha Gonzaga. Ao se casarem, Chiquinha tinha 52 anos e João, 16. Para evitar o falatório, ela adotou-o como filho! Chico Alves gravou discos em 78 RPM dois sambas do famoso Sinhô, Fez muito sucesso: Pé de anjo e Fala meu louro.Vamos ouvir Pé de anjo, a primeira gravação de Francisco Alves, em 1919. Vocês podem perceber que a gravação é precária e a voz de Chico, muito diferente.

 https://www.youtube.com/watch?v=DyDlGpH8kNA

Aos 22 anos ele se casou com uma mulher da Lapa, mas o casamento não deu certo. Perpétua Guerra Tutóia perseguiu Francisco pelo resto da vida, mesmo depois de muito tempo separada dele. O segundo casamento, com Célia Zenatti, foi bem mais tranquilo e durou 28 anos. Não tiveram filhos. Nos últimos quatro anos de vida, apaixonou-se pela professora Iracy Alves, que sabia tudo sobre a carreira dele. Ela era muito mais jovem do que ele.

Em julho de 1927, começou a gravação elétrica no país, o que facilitou a gravação e a equalização dos sons. Chico Alves gravou na Odeon vários sucessos e passou a ter o pseudônimo de Chico Viola. Mas o melhor slogan de Chico Alves foi dado por César Ladeira, na Rádio Mayrink Veiga: o Rei da Voz. Ao conhecer Ismael Silva, no Estácio, a vida do cantor mudou. Chico descobriu que podia comprar sambas e esquecer, entre aspas, o autor original. Assim aconteceu com Me faz carinhos. Ismael gostou de ter uma grande voz interpretando os sambas, mas certamente, adoraria ver o nome como autor.

Com Noel Rosa, ocorreu algo semelhante. Francisco Alves viu o talento do rapaz de Vila Isabel. Segundo o jornalista e crítico musicaç José Lino Grünewald, Noel ganhou um Chevrolet e, em troca, fez parceria com as seguintes músicas: É preciso discutir, A razão dá-se a quem tem, Fita amarela, Estamos esperando, Nuvem que passou, Não tem tradução, Feitio de oração, Anda cismado, Pra esquecer, É bom parar, essa com a parceria de Rubens Soares.

Vamos ouvir Já não é mais aquela (CD1, faixa 1), de 1936. Acho delicioso o verso:
Já não é mais aquela mulher carinhosa/ Que outrora eu tinha/Só agora eu vejo que fui enganado/Não eras só minha!

Observando que o jovem Mário Reis estava fazendo sucesso, com a sua voz pequena e discreta, Francisco Alves propôs-lhe parceria. Eles cantavam juntos e faziam um interessante contraponto. Também deu supercerto. Francisco Alves teve outros parceiros-compositores geniais, como Orestes Barbosa, que costumava fazer versões de músicas estrangeiras admiráveis.

No programa da Rádio Nacional, Quando os ponteiros se encontram, Chico cantava a música que se tornou um símbolo de sua potência vocal. Boa noite amor, de 1936 (José Maria de Abreu e Francisco Mattoso), que ouvimos na abertura do quadro. Curiosamente, o cantor falava sobre a despedida da amada na hora de dormir e o programa ia ao ar ao meio-dia!

Em relação à vida radiofônica, Chico começou na Rádio Sociedade, de Roquette-Pinto e dos cientistas que dirigiam a primeira rádio no Brasil, em 1923. Foi justamente por ser tão séria  e sisuda, nem sempre era bem recebida pelos ouvintes que já estavam apaixonados pelo samba e música ligeira. Por isso, Chico Alves foi contratado, para atrair as fãs e, além disso, tornar a emissora mais musical e antenada com os modismos.

Depois, o cantor foi para Mayrink, onde ficou dois anos. Passou para a Rádio Clube e Tupi, até chegar à Rádio Nacional. Na Nacional, ele ficou lá durante 11 anos, de 1941 a 1952. Era adorado pelas fãs que sonhavam em acordar tendo ao lado o intérprete de Boa-noite, amor. Por essa razão, muitas admiradoras iam à delegacia afirmando que estavam grávidas de Chico Alves. Nem que ele fosse o maior atleta sexual de todos os tempos, conseguiria engravidar tantas mocinhas em todo o Brasil, ao mesmo tempo. Por essa razão, um jurista escreveu sobre a Doença do Rádio. Já que não podiam namorar os ídolos, mentiam dizendo que foram enganadas. Depois de uma noite de amor, estavam grávidas. Não havia pílula anticoncepcional nem exame de DNA!

Ao longo de 33 anos de carreira (1919-1952), Chico Alves gravou 1173 discos, sendo que 39 mecânicos. Foi recordista absoluto. Compôs algumas delas, mas, a maioria, ele comprou mesmo, um comportamento muito comum na época. Participou de seis filmes, quase todos da Cinédia. Alô, alô, Brasil!, Alô, alô, Carnaval, Samba em Berlim foram alguns deles.
Quando ia para as turnês em Buenos Aires, era chamado de Gardel brasileiro. Aliás, ele conheceu Gardel pessoalmente, outra grande voz daqueles tempos, igualmente adorado.Tinha uma voz maravilhosa, cheia de sensualidade, ótima para cantar milongas, precursoras do tango. Os dois tiveram mortes trágicas; Gardel, aos 45 anos, em um acidente de avião, em 1935. O avião em que estava em Medelín, durante uma turnê na Colômbia, chocou-se com outro.
Chico Alves morreu aos 54 anos, em um terrível acidente de carro na Dutra, entre Rio e São Paulo. O carro – um Buick tipo sedan -, se chocou com um caminhão que vinha na contramão, no dia 27 de setembro de 1952, às 17h23. Morreu na hora. Chico, antes de morrer, ia gravar Carlos Gardel! Dezessete anos antes, Gardel estava prestes a gravar um sucesso de Francisco Alves, a música A voz do violão. Tristes coinvidências. 

Vamos ouvir Meu Buenos Aires distante (Meu Buenos Aires querido), gravado por Chico Alves em 1934. Seu maior sucesso foi Aquarela do Brasil, de Ary Barroso, de 1939, que se tornaria o segundo hino do Brasil. Com Aquarela, ele ficou conhecido internacionalmente.

Chico Alves adorava carros e cavalos. Chegou a ter alguns cavalos, costumava ir ao hipódromo da Gávea para torcer por eles nas corridas. Muita coisa foi dita sobre o Rei da Voz. Que ele era chato, que comprava músicas – o que era verdade – que costumava dar secas cusparadas entre as frases, que era pão-duro. Mas ele também ajudou muita gente, como vimos com a carreira de Orlando Silva. Dava a maior força para Sylvio Caldas e João Duas, que ele considerava seu sucessor. Foi o primeiro cantor profissional da história da MPB, o primeiro mito, segundo Grünewald, que escreveu a apresentação de uma edição especial das músicas do Rei da Voz,  lançada pela BMG/RCA.

Cantava vários gêneros: samba, fox-trot, rumba, valsas, serestas com sua voz impressionante. Para o crítico, “ele encerrou um ciclo da canção brasileira, da voz empostada” que procurava sempre o “brilho do efeito vocal”.
O enterro de Chico Alves no Cemitério São João Batista reuniu mais de 500 mil pessoas. O povo acompanhou o féretro cantando Adeus – cinco letras que choram, samba-canção de Silvino Neto, de 1947. Em todas as emissoras de rádio, naquele dia, só tocou os sucessos do Rei da Voz.
https://www.youtube.com/watch?v=b5No3xH_kZM




Rádio Blog – Mário Lago: um lutador do rádio

Rose Esquenazi




Mário Lago foi incluído, pelo pesquisador Jairo Severiano, na lista dos artistas da Era de Ouro da Música Popular Brasileira. Alguns de seus sucessos, como Amélia e Nada além, são tocados até hoje e se tornaram clássicos absolutos. Vamos conhecer um pouco da história desse carioca nascido em 26/11/1911, na Rua do Resende, 150, no Centro. Filho de maestro Antônio Lago e de Francisca Maria Vicencia Croccia Lago,  herdou a  rebeldia no sangue. Era neto de um anarquista, o flautista italiano Giuseppe Croccia. Filho único e muito mimado pelos pais.
Tornou-se marxista e chegou a ser preso seis vezes, a primeira em 1932.  Fez um comício em uma fábrica e depois saiu sozinho. Acabou preso. Mas as suas convicções não se alteraram. Depois do casamento com Zeli, filha de um comunista, abandonou a noite a boemia e juntos a vida toda, ao lado de seus cinco filhos: Antônio Henrique, Graça Maria, Mário Lago Filho, Luís Carlos (em homenagem ao líder comunista Luís Carlos Prestes) e Vanda.
Nos anos 30, Mário se formou na Faculdade Nacional de Direito da UFRJ, onde prevalecia a influência do Partido Comunista.  Seus contemporâneos foram Carlos Lacerda, Lamartine Babo e Jorge Amado, na época, todos identificados com a esquerda. Desde muito cedo, gostava de escrever poesia. A profissão não lhe atraiu muito e, meses depois de seu início, largou tudo e foi trabalhar como letrista no teatro de revista. Em 1933, no Teatro Recreio, estreou em parceira com Custódio Mesquita, com a música Menina, eu sei de uma coisa, que foi gravada por outro Mário, o Reis.
Torcia alucinadamente pelo Fluminense e, quando era jovem, era frequentador da Lapa. Namorou a mulher mais importante da vida de Noel Rosa: a dançarina de cabaré Ceci. Para Jairo Severiano, Mário era bem diferente de Noel: “era jovem, solteiro, bem afeiçoado e tratava muito bem a Ceci”. Já Noel, todos nós sabemos, já era casado, não era bonito, estava doente e não costumava tratar tão bem a sua antiga paixão.
Tudo acontecia no Rio nas ruas e bares da Lapa. Estavam ali as sedes dos jornais mais importantes, como o Jornal do Brasil, Diário Carioca, e as emissoras radiofônicas: a Rádio Cruzeiro do Sul, a Rádio JB, a Rádio Cajuti, a Rádio Sociedade, a Rádio Globo.  Aos poucos, Mário Lago começou a frequentar as emissoras e ficou amigo dos compositores que vendiam música no Café Nice, onde discutiam contratos e procuravam parceiros.  
A estreia no rádio mesmo foi na Rádio Panamericana, em São Paulo. Depois, trabalhou na Mayrink Veiga e na Rádio Nacional, mais de uma vez. Quando se metia em lutas políticas acabava sendo demitido. Assim foi que, pouco ante do primeiro filho nascer, teve que ir para São Paulo, a convite de Dias Gomes, que também era comunista e trabalhava como diretor da Rádio Bandeirantes. Precisava ganhar dinheiro para cuidar da família. O clima de amizade e camaradagem não foi encontrado na Capital paulista e o resultado de seu trabalho de redator não rendeu tanto. Mário disse que as lembranças de São Paulo foram devidamente apagadas.

Na fase áurea de sua vida como compositor, anos 40 e 50, contou com um grande parceiro: Ataulfo Alves. A música Amélia, escrita em 1942, fazia uma ode à mulher submissa. As feministas reclamaram, mas Mário explicou que podia ter errado, mas era para elogiar a mulher companheira, que estava ao lado do homem em todas as situações. Para os filhos de Mário Lago, não teria sido uma encomenda de Getúlio Vargas para enaltecer a mulher passiva, mas sim, uma homenagem à empregada da cantora Aracy de Almeida, dona Amélia, que lavava, passava, cozinhava, dava banho no cachorro etc etc. A música fez muito sucesso no Carnaval, na voz do coautor Ataulfo Alves. Vamos ouvir?

Atire a primeira pedra, de 1944 também fez enorme sucesso ao unir como uma luva a música e a letra. Foi outra parceira bem sucedida de Mário – considerado um dos compositores mais cultos da MPB – e Ataulfo Alves.
https://www.youtube.com/watch?v=h9mcSy_JxyM com Orlando Silva Atire a primeira pedra, de 1944.

Assim, foi uma alegria voltar para a Nacional nos anos 50. Foi ator de peso – interpretou Herodes na radionovela especial da Semana Santa, de 1959. Fez mais sucesso com autor da radionovela Presídio de novelas, no original cubano Carcel de mujeres. No início, traduzia o original, depois, passou a criar todos os episódios em que contava a vida triste das mulheres encarceradas.
CD : Vinheta faixa 20 (anúncio de Presídio de mulheres”)
Para Mário, havia duas rádios dentro da Nacional. A do 21º andar, onde ficava a equipe musical. E a dos 22º andar, onde trabalhava a equipe do radioteatro. Depois da temporada paulista, Mário Lago não poderia imaginar que o volume de trabalho havia aumentado tanto no Rio. Havia triplicado, segundo ele.
Ao aceitar o convite do diretor Victor Costa, ele tinha que escrever os capítulos de vários seriados e novelas que iam ao ar dali a minutos, terminando tudo em cima da hora, com grande estresse. Estava no fim a era dos cuidados com cada produção, com a revisão. A ordem era oferecer grande número de novelas, sendo que havia na equipe gente indicada e que não tinha a menor experiência dramatúrgica. Os famosos pistolões que sobrecarregavam a equipe artística. Como também era radioator para completar o salário, Mário tinha que ensaiar, minimamente, para não dar vexame. Ah, ele também dirigia. Por essas razões, era considerado um dos principais quadros de todo o rádio brasileiro, segundo contou a mulher Zeli ao pai de Mário Lago. Segundo o radialista Antônio Almeida, só havia 14 pessoas que sabiam fazer rádio no Brasil, “e uma delas é seu mimoso filhinho”.
Vamos ouvir pequenos trechos de três valsas de Mário Lago:
https://www.youtube.com/watch?v=4Mp7gncX570 Devolve, Não quero saber quem tu és e Será. 2: 54

Às vezes, ficava tão exausto eu ia para a casa e pedia para a mulher que o acordasse às 6h porque tinha que escrever mais um capítulo que ia ao ar às 10h!
E é claro que a consciência política o mandava a estimular a profissionalização dos radialistas, com horário fixo, pagamento de horas extras, férias etc, o que não acontecia até então. Nos anos 60, a situação política esquentava no Brasil. Segundo Mário Lago, diante do dissídio de 1962, houve uma nova resistência dos patrões. No início, a presença dos funcionários era pequena nas assembleias, mas aos poucos, foi crescendo.
Em Bagaço de beira-estrada, Mário Lago se perguntou se ele foi preso por lutar pela regulamentação da profissão. Ele escreveu: “Dos trinta dias de férias, conquista que nenhum setor ainda tinha alcançado? Dos diversos aumentos obtidos? Fiz isso. Se foi por causa disso, tudo o mais valeu a pena”.

No Ato Institucional nº1, logo depois do golpe militar, saiu a lista dos 36 demitidos da Rádio Nacional, que sofreu intervenção no dia 1º de abril de 1964. Ao lado de Mário Lago, estavam Dias Gomes, Oduvaldo Viana, Gerdal dos Santos, Mário Monjardim e muitos outros. Esses profissionais, afastados como funcionários públicos (não eram concursados), perderam o direito de procurar outros empregos. Foram renegados a uma espécie de limbo. Trabalhar novamente na época da ditadura só se fosse com pseudônimo ou se alguém, muito amigo, ajudasse. Ao tentarem corrigir essa situação, no AI2, o governo vedou os caminhos dos tribunais aos atingidos por atos do Governo Revolucionário”. (p.239)

Mário Lago e Dias Gomes acusaram César de Alencar de ter feito a lista e ter entregado aos militares. Entrevistei Mário Lago uma vez na vida. Foi quando perguntei pessoalmente o seguinte: se todos sabiam que os dois eram comunistas, como pode ter certeza que foi César de Alencar quem fez a delação? Mário não hesitou: o colega fez a lista para os militares porque queria ser diretor da Rádio Nacional.
Em 1976, ele recebeu um convite para festejar os 40 anos da Rádio Nacional. A ditadura já havia acabado, mas ele declinou, explicando a razão:
“Acredite que teria o maior prazer em sentar-me à mesa com antigos companheiros de trabalho, gente que lutou ombro a ombro comigo e com outros demitidos, para que a Rádio Nacional chegasse onde chegou, embora também corresse o risco de me ver frente a frente com um canalha  que manchou a categoria profissional com uma suja delação que tinha muito de mesquinhas vinganças pessoais, pois arrolou na infâmia muita gente que nada sabia dos fatos que lhe foram imputados.”

Tornou-se dos mais completos radialistas brasileiras, autor, ator dono de belíssima voz. Foi também escritor de memórias que viraram best seller: Bagaço de beira –estrada e Na rolança do tempo. Ele conseguiu continuar a brilhante carreira como ator de novela e seriados. Trabalhou a vida toda em mais de 50 produções na TV Globo.  Às vezes, não fazia papéis tão importantes. Foi o caso de O sheik de Agadir, em que ele fez um nazista chamado Otto Von Lucker, 1966. Mas tinha prática e garra, e acabava se sobressaindo. Se o público se lembrava dele da época do rádio, não sei. Ele trabalhou também em mais de 30 filmes, entre eles, Os herdeiros, de Cacá Diegues.  Morreu em 30/5/2002, aos 90 anos, e deixou a fama de um homem justo, grande contador de histórias.


A incrível história dos jingles

O RÁDIO FAZ HISTÓRIA 

Rose Esquenazi


O texto deve ser lido ao som dos jingles que estão nos links incluídos e no site  http://www.locutor.info/index_jingles_famosos.html. Começamos com o jingle Pílulas de Vida do Doutor Ross: https://www.youtube.com/watch?v=U6WLeqktFK4
Já escrevemos sobre o primeiro jingle do rádio brasileiro. Foi a música do pão, lançada no Programa do Casé, na Rádio Philips, em 1932, de autoria de Nássara. O pioneiro jingle começou a revolução comercial no rádio. Como quis agradar o português, dono da padaria, Nássara, que trabalhava com o Casé, sugeriu um fado.
“Ó, padeiro dessa rua/Tenha sempre na lembrança /Não me traga outro pão/Que não seja Pão Bragança”. O sucesso absoluto na voz do cantor Luís Barbosa não existe mais. Só na voz do Almirante: http://www.locutor.info/Jingles/RadioPrimeiroJingle.mp3
Não havia a ideia ainda que se podia fazer jingle, ou mesmo, o que era jingle. Trata-se de uma peça publicitária musicada, um simples refrão de fácil memorização do público. A música do pão fez tanto sucesso, que muitos clientes foram até o escritório do Adhemar Casé para pedir outras “musiquinhas” para os seus produtos e serviços. No Brasil, os jingles também foram conhecidos como um dos tipos de vinhetas. 
Vamos ouvir o jingle que funcionava com vinheta de abertura do Programa César de Alencar na Rádio Nacional dos anos 1940 e 1950. https://www.youtube.com/watch?v=aCA6KaJWMxM
Só para se ter uma ideia do nascimento do jingle, ele foi produzido pela primeira vez em 1926, nos Estados Unidos, para um cereal matinal chamado Wheaties, cujo slogan principal era "Para um café da manhã de campeões". https://www.youtube.com/watch?v=--Kb7m7zwrk
Hoje, vamos contar e mostrar um pouco mais sobre os jingles históricos, dos anos 30 aos 60. Já começo agradecendo a coletânea feita pelo locutor Fábio Pirajá, que tem uma página de muito sucesso na internet: www.locutor.info.  O site já teve mais de um milhão de acessos.
Vou começar a lembrar da história da propaganda, resultado das aulas que costumava dar na PUC, na cadeira de História do Rádio e da TV no Brasil, no curso de jornalismo, nos anos 90 e 2000.  
 Os primeiros anúncios no Rio começam em 1821, com a inauguração do Diário do Rio de Janeiro, um jornal de anúncios. Segundo o livro Propaganda Brasileira, da ESPM, no artigo de Ricardo Ramos, outros jornais começam a lançar anúncios, alguns absurdos como esse aqui: “Paga-se bem. Precisa-se de uma escrava que saiba engomar – coser – e tratar crianças. Quem quiser alugá-la dirija-se para tratar à loja da rua Direita n.18”. Rua Direita, para quem não sabe, é, hoje, a Rua Primeira de Março.

Muitas revistas e anúncios depois: de Farinha Lactea, a medicamentos, choperias, dentifrícios e talcos, eis que surge a primeira agência, de 1913, a paulista Castaldi&Bennaton, que se transformou em A Eclética. No Rio, uma das primeiras agências foi a J.W.Thompson, que veio dos Estados Unidos e, lá, tinha o nome de Ayer&Son. Estávamos no ano de 1929.

A inauguração da primeira rádio no Brasil foi em 1923, com a Rádio Sociedade, hoje Rádio MEC. Roquette Pinto fazia a rádio educativa. Todas as despesas eram divididas por ele e seus sócios da Academia de Ciências. Depois, veio a Rádio Club do Brasil. As duas no Rio de Janeiro. Muitas outras começaram a se espalhar pelo país, mas não podiam anunciar marcas comerciais. Os anúncios só foram liberados a partir de 1932, com o decreto-lei nº 21.111. Mas só permitiam certos tipos de reclame. Estavam proibidos anúncios de roupas íntimas e medicamentos referentes a doenças consideradas vexatórias. 

Os primeiros jingles se perderam, não havia gravadores nem discos para guardá-los. No Programa Casé, o maior sucesso nos anos 30, Noel Rosa improvisava usando versinhos de suas músicas para anunciar a Casa Dragão, que vendia louça, cristais e panelas na Rua Larga. A loja ainda está lá, mas foi reformada recentemente e perdeu toda a sua história e charme.
No dia que fores minha /// Juro por Deus, coração /////  Te darei uma cozinha //// Que vi ali no Dragão
Ao microfone, ao vivo com o seu violão, Noel atraía o público. Havia também os versinhos, que agradavam muito: “Sente-se mal? Compre uma cadeira de balanço na Casa Bela e sente-se bem”. Ou essa aqui retirada do livro Programa Casé, o rádio começou aqui , de Rafael Casé, neto de Adhemar Casé.
“Pilogênio é tão bom que faz crescer cabelos até em uma bolha de bilhar!”
Nos anos 30, segundo um texto escrito por Itanel Bastos de Quadros Junior, da Universidade Federal do Paraná, para a Intercom, “os profissionais americanos vão transformar o trabalho, quase empírico que se fazia em publicidade no Brasil”. Eles estimulam “uma primeira geração de publicitários brasileiros na verdadeira nacionalização da produção realizada nas agências de propaganda”. Em 1938, a agência Mc Cann-Erickson instala uma filial no Brasil para atender a conta de publicidade das geladeiras Frigidaire, fabricadas nos Estados Unidos pela General Motors”.
Mas o tempo passa e, nos anos 40, os jingles foram gravados em discos e enviados para as emissoras de rádio, que não paravam de ser inauguradas e também entravam em falência que era uma beleza. O jingle se manteve fiel a sua fórmula: rápido, objetivo e com a missão de grudar nos ouvidos do público.  É bom dizer que eram muito explícitos e usavam palavras e expressões que ficaram démodées. Por exemplo, o dentifrício Eucalol “tirava o amarelo dos dentes”. E as Pílulas de vida do Dr. Ross curava quem sofria do fígado e não sabia.
Vamos ouvir os primeiros jingles dos anos 40? Alka Seltzer, Loção Brilhante, Brilhantina Glostora  e Melhoral.

Um jingle pode ter um viés emotivo, com rimas para facilitar a memorização e palavras do universo do produto e de seu público. Em relação à música, é feito com uma melodia cativante, que leva em conta o imaginário auditivo da população e o contexto cultural da época. Muitos bons músicos brasileiros descobrem que podem ganhar algum dinheiro criando jingles. Um jingle feito para "prender" na memória das pessoas é capaz de ser lembrado muitos anos depois.

O jingle se espalhou nos anos 50, acontecendo o mesmo fenômeno nos EUA e no Brasil. Era usado para todo o tipo de produto, como doces, tabaco, bebidas alcoólicas, carros e produtos de higiene pessoal, e também para anunciar políticos e suas candidaturas. A Coca-Cola, a pausa que refresca, foi um dos anúncios mais assíduos das rádios brasileiros e costumava contar uma história. O refrigerante chegou em 1942 ao Brasil e sempre teve como costume ser grande anunciadora em todos os veículos. No rádio, até Romeu de Shakespeare bebia o refrigerante quando ficou cansado ao subir as escadas para ver a sua amada, Julieta. Coca-Cola patrocinou também um programa muito especial de música: Um milhão de melodias.
A primeira novela da história do rádio, no caso a Nacional, Em busca da felicidade, começava assim: “Senhoras e senhoritas, o famoso creme dental Colgate tem o prazer de apresentar o primeiro capítulo da empolgante novela de Leandro Blanco, em adaptação de Gilberto Martins, “Em busca da felicidade”.
No rádio, havia o filão de patrocinar programas: novelas, seriados e até noticiários. Os nomes dos produtos estavam no título: Por exemplo, a Novela Quaker, na Rádio Tupi, que ia ao ar às segundas, quartas e sextas, às 17h, era patrocinada, é claro, pela Aveia Quaker.  Na lata, o texto ainda estava grafado em inglês: Quaker Quick Cooking.

A esponja de aço Bombril abria o programa Gente que brilha. Segundo o radialista Marco Aurélio, do programa Todas as Vozes, Rádio MEC AM, o programa se parecia muito com o do Jô Soares. O apresentador Paulo Roberto fazia entrevistas e o quadro contava com a música de uma orquestra ao vivo. Tinha também a Standard Brands, que produzia fermento e pudim em pó era patrocinador de Cancioneiro Royal, só sobre músicas sertanejas. A Standard Oil bancava Honra ao mérito, que valorizava os músicos. Angela Maria fazia uma lavagem cerebral das ouvintes ao anunciar o Cillion. Para as alérgicas, o produto para alongas os cílios podia fazer cair as pestanas, os cílios de antigamente.
Outros exemplos: Gilette patrocinava os programas masculinos, como O Sombra.  Havia, durante a Segunda Guerra, o primeiro noticiário voltado para o conflito, o Repórter Esso. A Alegria Kolynos era mais um dos inúmeros exemplos em que a marca invade o título do programa.
Nesse momento, há grande influência americana, que estava mais desenvolvida na ideia de vender produtos.  Por isso, algumas peças vinham prontas e eram apenas traduzidas aqui. A indústria brasileira demorou um pouco a acreditar na força da publicidade.  Com o tempo, isso mudou e os redatores brasileiros passaram a ter muito trabalho, principalmente nos anos 50.
Nessa época, o rádio é o principal meio de comunicação. E o mais importante: atingia em cheio os ouvintes semi alfabetizados ou totalmente analfabetos que ouviam as músicas, tinham seus  ídolos e também costumavam consumir os produtos propagandeados com muita insistência. Não é à toa que todos sabiam de cor o jingle do Talco Ross:
“Passa, passa talco Ross, quero ver passar.  Passa, passa o talco Ross para refrescar.
O talco Ross amacia e suaviza a cútis. O talco Ross é beleza e bem-estar.
Passa passa o talco Ross para refrescar.”

Era preciso também comprar aparelhos de rádio cada vez mais modernos. O rádio Zenith era anunciado como “comunicação instantânea”. Vamos ouvir os anúncios dos anos 1950? Coca-Cola no Natal, em que se falava da reunião familiar. O Creme Dental Eucalol dizia que o gala canta dizendo que “se  tivesse dentes, só usava Eucalol”. Já o Detefon ganhou uma paródia muito engraçada de Alvarenga e Ranchinho.
Em vez: “A sua casa tem barata? Não vou lá. A sua casa de pulga? Não vou lá. A sua casa tem mosquito? Não vou lá.  Peço licença pra mandar Detefon em meu lugar”. A dupla dizia: “Na sua casa tem integralista? Não vou lá. A sua casa tem comunista? A sua casa tem socialista? Não vou lá. Peço licença pra mandar Filinto Muller em meu lugar”. Filinto Muller era chefe da polícia política no Estado Novo.  

Vamos ouvir também agora os famosos jingles dos anos 1960: Casas Pernambucanas, Grapette e Nescau.


E, para terminar, vamos fazer uma homenagem ao Miguel Gustavo que era jornalista e compositor e criou uns dos mais importantes jingles, como o das Casas da Banha, anos 70:  E, para terminar, queria fazer uma homenagem ao Miguel Gustavo que era jornalista e compositor e criou uns dos mais importantes jingles, como o da Casas da Banha, anos 70: https://www.youtube.com/watch?v=VVcxHokfB-8