Rose Esquenazi
Semana passada, falamos sobre Orlando
Silva, O Cantor das Multidões. Dissemos que ele teve um grande padrinho. É
sobre ele que vamos falar hoje. Francisco Alves, que vai se tornar o Rei da
Voz. Nascido em 19/8/1898, era filho de um português, dono de um bar no Centro
da cidade, na Rua do Acre. Naquela época, se chamava Rua da Prainha. A família
não era nada rica e, para ganhar uns trocados, o menino Francisco foi
engraxate, coisa que o pai não gostou. Depois, começou a cantar nas ruas do
Centro, pedindo algum dinheiro para os passantes. Trabalhou em fábricas de
chapéus, sendo que uma delas ficava na Mangueira. Foi também motorista de táxi.
Trocou a bicicleta por um violão, instrumento que passou a ser grande
companheiro, amigo de todas as horas.
Quem lhe deu a primeira oportunidade
na área musical foi João Gonzaga, viúvo da concertista Chiquinha Gonzaga. Ao se
casarem, Chiquinha tinha 52 anos e João, 16. Para evitar o falatório, ela
adotou-o como filho! Chico Alves gravou discos em 78 RPM dois sambas do famoso
Sinhô, Fez muito sucesso: Pé de anjo e Fala meu louro.Vamos ouvir Pé de anjo, a primeira gravação de
Francisco Alves, em 1919. Vocês podem perceber que a gravação é precária e a
voz de Chico, muito diferente.
https://www.youtube.com/watch?v=DyDlGpH8kNA
Aos 22 anos ele se casou com uma
mulher da Lapa, mas o casamento não deu certo. Perpétua Guerra Tutóia perseguiu
Francisco pelo resto da vida, mesmo depois de muito tempo separada dele. O
segundo casamento, com Célia Zenatti, foi bem mais tranquilo e durou 28 anos.
Não tiveram filhos. Nos últimos quatro anos de vida, apaixonou-se pela
professora Iracy Alves, que sabia tudo sobre a carreira dele. Ela era muito
mais jovem do que ele.
Em julho de 1927, começou a gravação
elétrica no país, o que facilitou a gravação e a equalização dos sons. Chico
Alves gravou na Odeon vários sucessos e passou a ter o pseudônimo de Chico
Viola. Mas o melhor slogan de Chico Alves foi dado por César Ladeira, na Rádio
Mayrink Veiga: o Rei da Voz. Ao conhecer Ismael Silva, no Estácio, a vida do
cantor mudou. Chico descobriu que podia comprar sambas e esquecer, entre aspas,
o autor original. Assim aconteceu com Me
faz carinhos. Ismael gostou de ter uma grande voz interpretando os sambas,
mas certamente, adoraria ver o nome como autor.
Com Noel Rosa, ocorreu algo
semelhante. Francisco Alves viu o talento do rapaz de Vila Isabel. Segundo o jornalista
e crítico musicaç José Lino Grünewald, Noel ganhou um Chevrolet e, em troca,
fez parceria com as seguintes músicas: É
preciso discutir, A razão dá-se a quem tem, Fita amarela, Estamos esperando,
Nuvem que passou, Não tem tradução, Feitio de oração, Anda cismado, Pra
esquecer, É bom parar, essa com a parceria de Rubens Soares.
Vamos ouvir Já não é mais aquela (CD1, faixa 1), de 1936. Acho delicioso o
verso:
Já não é mais aquela mulher
carinhosa/ Que outrora eu tinha/Só agora eu vejo que fui enganado/Não eras só
minha!
Observando que o jovem Mário Reis
estava fazendo sucesso, com a sua voz pequena e discreta, Francisco Alves
propôs-lhe parceria. Eles cantavam juntos e faziam um interessante contraponto.
Também deu supercerto. Francisco Alves teve outros parceiros-compositores
geniais, como Orestes Barbosa, que costumava fazer versões de músicas
estrangeiras admiráveis.
No programa da Rádio Nacional, Quando
os ponteiros se encontram, Chico cantava a música que se tornou um símbolo
de sua potência vocal. Boa noite amor,
de 1936 (José Maria de Abreu e Francisco Mattoso), que ouvimos na abertura do
quadro. Curiosamente, o cantor falava sobre a despedida da amada na hora de
dormir e o programa ia ao ar ao meio-dia!
Em relação à vida radiofônica, Chico
começou na Rádio Sociedade, de Roquette-Pinto e dos cientistas que dirigiam a
primeira rádio no Brasil, em 1923. Foi justamente por ser tão
séria e sisuda, nem sempre era bem recebida pelos ouvintes que já
estavam apaixonados pelo samba e música ligeira. Por isso, Chico Alves foi
contratado, para atrair as fãs e, além disso, tornar a emissora mais musical e
antenada com os modismos.
Depois, o cantor foi para Mayrink,
onde ficou dois anos. Passou para a Rádio Clube e Tupi, até chegar à Rádio
Nacional. Na Nacional, ele ficou lá durante 11 anos, de 1941 a 1952. Era
adorado pelas fãs que sonhavam em acordar tendo ao lado o intérprete de Boa-noite, amor. Por essa razão, muitas
admiradoras iam à delegacia afirmando que estavam grávidas de Chico Alves. Nem
que ele fosse o maior atleta sexual de todos os tempos, conseguiria engravidar
tantas mocinhas em todo o Brasil, ao mesmo tempo. Por essa razão, um jurista
escreveu sobre a Doença do Rádio. Já que não podiam namorar os ídolos, mentiam
dizendo que foram enganadas. Depois de uma noite de amor, estavam grávidas. Não
havia pílula anticoncepcional nem exame de DNA!
Ao longo de 33 anos de carreira
(1919-1952), Chico Alves gravou 1173 discos, sendo que 39 mecânicos. Foi
recordista absoluto. Compôs algumas delas, mas, a maioria, ele comprou mesmo,
um comportamento muito comum na época. Participou de seis filmes, quase todos
da Cinédia. Alô, alô, Brasil!, Alô, alô,
Carnaval, Samba em Berlim foram alguns deles.
Quando ia para as turnês em Buenos
Aires, era chamado de Gardel brasileiro. Aliás, ele conheceu Gardel
pessoalmente, outra grande voz daqueles tempos, igualmente adorado.Tinha uma
voz maravilhosa, cheia de sensualidade, ótima para cantar milongas, precursoras
do tango. Os dois tiveram mortes trágicas; Gardel, aos 45 anos, em um acidente
de avião, em 1935. O avião em que estava em Medelín, durante uma turnê na Colômbia,
chocou-se com outro.
Chico Alves morreu aos 54 anos, em um
terrível acidente de carro na Dutra, entre Rio e São Paulo. O carro – um Buick
tipo sedan -, se chocou com um caminhão que vinha na contramão, no dia 27 de
setembro de 1952, às 17h23. Morreu na hora. Chico, antes de morrer, ia gravar Carlos Gardel! Dezessete anos antes,
Gardel estava prestes a gravar um sucesso de Francisco Alves, a música A voz do violão. Tristes coinvidências.
Vamos ouvir Meu Buenos Aires distante (Meu
Buenos Aires querido), gravado por Chico Alves em 1934. Seu maior sucesso
foi Aquarela do Brasil, de Ary
Barroso, de 1939, que se tornaria o segundo hino do Brasil. Com Aquarela, ele ficou conhecido
internacionalmente.
Chico Alves adorava carros e cavalos.
Chegou a ter alguns cavalos, costumava ir ao hipódromo da Gávea para torcer por
eles nas corridas. Muita coisa foi dita sobre o Rei da Voz. Que ele era chato,
que comprava músicas – o que era verdade – que costumava dar secas cusparadas entre
as frases, que era pão-duro. Mas ele também ajudou muita gente, como vimos com
a carreira de Orlando Silva. Dava a maior força para Sylvio Caldas e João Duas,
que ele considerava seu sucessor. Foi o primeiro cantor profissional da
história da MPB, o primeiro mito, segundo Grünewald, que escreveu a
apresentação de uma edição especial das músicas do Rei da Voz, lançada
pela BMG/RCA.
Cantava vários gêneros: samba,
fox-trot, rumba, valsas, serestas com sua voz impressionante. Para o crítico,
“ele encerrou um ciclo da canção brasileira, da voz empostada” que procurava
sempre o “brilho do efeito vocal”.
O enterro de Chico Alves no Cemitério
São João Batista reuniu mais de 500 mil pessoas. O povo acompanhou o féretro
cantando Adeus – cinco letras que choram,
samba-canção de Silvino Neto, de 1947. Em todas as emissoras de rádio, naquele
dia, só tocou os sucessos do Rei da Voz.
https://www.youtube.com/watch?v=b5No3xH_kZM