terça-feira, 22 de julho de 2014

Incrível, Fantástico, Extraordinário

http://radios.ebc.com.br/todas-vozes/edicao/2014-07/o-incrivel-fantastico-extraordinario-programa-de-almirante


Terceiro programa “O rádio faz história”, Rádio MEC AM

"O rádio faz história." - Rádio MEC AM

Rose Esquenazi

O grande Almirante

Henrique Foréis: Tudo pelo rádio



Henrique Foréis Domingues pode ser considerado um gênio do rádio. Ele nasceu no Rio de Janeiro em 1908, morreu em 1980. Participou ativamente do crescimento e do apogeu do rádio brasileiro. Ele costumava escrever a palavra rádio com r maiúsculo e tinha uma frase que costumava repetir: “Rádio só é diversão para quem ouve; para quem faz é um trabalho como outro qualquer”.

Isso porque para os programas que criou, produziu e apresentou, ele trabalhava exaustivamente, pesquisando, coordenando equipes, fazendo complicadas montagens em cada uma das atrações, isso sem computador nem nada.  Não tinha isso naquele tempo. Tudo ao vivo. Ele fazia o que se chamou de Radio-broadcasting, com muito cuidado e profissionalismo.

Almirante assinou 40 produções em várias estações de rádio e ficou muito conhecido em todo o país. Ele antecipou várias fórmulas de se fazer o rádio dinâmico e criativo, depois copiadas por diversas emissoras de rádio e, mais tarde, de TV.

Henrique ganhou o apelido de Almirante quando era um novato na Marinha. Ele nunca foi Almirante de verdade. Nos anos 20, em um desfile na Avenida Rio Branco, os superiores de Henrique, que era um rapazote alto e magro, que sabia se expressar muito bem, o colocaram na frente de um carro aberto porque o Almirante de verdade estava viajando. Todos se perguntavam quem aquele sujeito metido e todos diziam: “Só pode ser o Almirante”, respondiam.

Amigo de Noel Rosa – fez parte do Bando dos Tangarás, grupo musical da turma de Vila Isabel. Foi nesse tempo que compôs Na Pavuna (30), * onde  usou,  pela primeira vez,  instrumentos de percussão como pandeiro, reco-reco, cuíca, ganzá, que eram proibidos em estúdios de gravação.  Ele se tornou homem de confiança de Adhemar Casé, e passou a fazer tudo no programa: produzia, escrevia, escolhia discos, tinha contato com os anunciantes. Ele amava o Rádio acima de tudo.

Almirante criou, a partir dos anos 30, o primeiro programa com a participação do público – o Caixa de Perguntas. Ele perguntava, as pessoas do auditório respondiam e, se acertassem, ganhavam pequenos presentes.

Depois, inventou  História das Danças, Academia dos Ritmos, No Tempo de Noel, História das Orquestras e Músicos do Brasil, Curiosidades Musicais e Incrível, Fantástico, Extraordinário, que estreou em 1947, na Rádio Tupi, o mais famoso de todos.

Era uma ideia antiga, inspirada em um fato que aconteceu quando era criança. No chalé que a família foi morar em Nova Friburgo, fenômenos estranhos aconteciam diariamente. Havia barulhos incompreensíveis, a luz acendia e apagava, as venezianas batiam sozinhas. Incrédulo, o pai chamou o vizinho para confirmar aquilo tudo. Naquele dia, todos presenciaram as xícaras do cafezinho se espatifarem no chão sem que ninguém tivesse feito aquilo.

Ao inventar o programa Incrível, Fantástico, Extraordinário, Almirante convidou o público para contar as suas próprias histórias estranhas. Mas ele, antes, confirmaria a veracidade de cada relato. Cada colaborador tinha que dar endereço e telefone e, caso fosse montada a história, a pessoa ganharia um pequeno cachê. Almirante tinha uma equipe de radioatores, como a atriz Ida Gomes, uma pequena orquestra e sonoplastas, para dar o clima certo. Tudo ao vivo, naturalmente. Centenas de histórias foram enviadas e produzidas. Tornou-se um programa muito popular. Ele recolheu centenas de casos.

A vinheta era espetacular e metia muito medo. Almirante avisava que não era preciso temer nada porque quase todo o mundo tinha casos extraordinários para contar de suas famílias e amigos. Coincidências, aparições, avisos, sonhos, mensagens, pessoas mortas que voltavam ao mundo dos vivos e até se casavam, defuntos que se vingavam dos amigos.

As crianças eram proibidas de assistirem ao programa que era irradiado tarde da noite. Os pais achavam que os filhos iriam ter pesadelo. Mas assim que os pais saíam de casa, as crianças corriam para o rádio para ouvir, às escondidas, o programa que metia medo. Anos mais tarde, esse programa foi levado à TV e o título se tornou uma expressão corriqueira no nosso vocabulário.

Almirante era um pesquisador nato. Ele costumava reunir todas as informações, notas de jornais, reportagens, livros, discos sobre música brasileira e folclore em diferentes pastas.  Na época, não existia esse tipo de museu, nem Google, departamentos de pesquisa. Ele acabou criando um grande acervo em sua casa. Em 1965, foi tudo vendido para o Estado que criou o Museu da Imagem e do Som (MIS), lugar de pesquisa por excelência. Agora, o MIS vai ter nova sede em Copacabana.

Um fato muito triste aconteceu com o Almirante quando ele tinha 50 anos. Trabalhando muito, cansado, sofrendo de pressão alta e sem cuidar da saúde, em 1958,  ele sofreu um derrame cerebral. Perdeu a fala e a memória. Ele teve que reaprender tudo com ajuda da mulher e de amigos. O importante no rádio é a fala. Mesmo recuperando um pouco de sua expressão e memória, Almirante nunca mais foi o mesmo.

Se os ouvintes quiserem conhecer mais sobre a vida de Henrique Foréis Domingues, devem ler o livro de Sérgio Cabral, pai, No tempo de Almirante , uma história do Rádio e da MPB e Incrível, Fantástico, Extraordinário, uma coleção dessas histórias, os dois editados pela  Ed. Francisco Alves.

*Almirante também compôs Eu vou pra vila (31), Moreninha da Praia (33), O Orvalho vem caindo (1933).






quinta-feira, 17 de julho de 2014

O primeiro jingle do rádio brasileiro




“Ó, padeiro dessa rua”

O primeiro programa popular no rádio e o primeiro jingle.


Nássara foi o primeiro autor de jingle no Brasil


Nos anos 30, não existia nem mesmo a palavra jingle. Mas foi com um reclame – como se dizia na época - que Antônio Nássara e seu patrão Adhemar Casé - conseguiram driblar a antipatia do dono da padaria Bragança, em Botafogo. O português, é bom que se explique, fazia o melhor pão da cidade. Mas eu vou contar essa história desde o início.


Tudo começou com Adhemar Casé. O pernambucano nasceu no dia 9/11/1902, na cidade de Belo Jardim.  A família teve que fugir da cidade por problemas políticos, sendo que Casé morou no Recife, foi soldado no Rio e, quando decidiu que iria morar no Rio, descobriu que não tinha tostão. Ele aceitou emprego de fiscal, corretor de anúncio e vendedor de rádio. Esperto e sagaz, Casé conseguiu driblar as dificuldades: era difícil vender aparelhos de rádio nos anos 30: eram caros, importados, de grandes dimensões (não havia os portáteis). Ele, então, começou a ter boas ideias.

No livro “Programa Casé: o rádio começou aqui”, lançado pela Editora Mauad, 1995, o neto Rafael Casé conta as histórias de homem que se tornou um grande radialista.  Casé consultou a lista telefônica do Rio e pensou: “Se uma pessoa já tem telefone, que era caríssimo, ela pode comprar um rádio.  Espertamente, ele esperava o homem sair para o trabalho e, só depois, tocava a campainha. A mulher atendia a porta e Casé dizia que iria fazer uma demonstração gratuita de rádio. Ela dizia que não, que o marido não estava etc. Então Casé contava uma mentirinha: “Mas seu marido ligou para a loja onde trabalho e me pediu para vir aqui”.

Quando Casé ligava o rádio na melhor estação na época, a Rádio Sociedade, a dona de casa ficava encantada. A música invadia aquele ambiente de forma maravilhosa. Ou um locutor, o speaker, contava uma história, lia algum texto, era um mundo que se abria para ela. Em mais um golpe de mestre, o vendedor dizia que deixaria o aparelho na casa gratuitamente por alguns dias. A família podia desfrutar da programação e, se quisesse comprar depois o aparelho, ele voltaria mais tarde. Quase todos acabavam comprando o rádio em prestações.

É bom lembrar para os mais jovens que, naquela época, não havia TV, celular, shopping ou qualquer tipo de computador e internet.

Casé conseguiu vender tantos rádios, que juntou um dinheirinho e acabou comprando seu próprio aparelho. Ouvindo a BBC, da Inglaterra, e a NBC, nos Estados Unidos, através das ondas curtas, Casé descobriu que a rádio estrangeira era muito melhor do que a brasileira. A nossa era cheia de interrupções e silêncios. Nas estrangeiras, havia sempre uma música no fundo e um speaker falando alguma coisa.

Teve ideia de criar seu próprio programa e se transformou em um “programista”. Comprou, por uma fortuna, um horário na Rádio Philips, da empresa holandesa que também comercializava aparelhos de rádio, e saiu para arranjar os anúncios que só passaram a ser permitidos naquele mesmo ano de 1932.

Casé contratou os melhores artistas com a ajuda de Silvio Salema, que contactou a Carmem Miranda, Noel Rosa, Francisco Alves, Luis Barbosa,  Donga, avisando a todos que eles receberiam cachê, uma raridade naquela época porque os artistas costumavam cantar de graça.

O programa de estreia no dia 14/2/1932, domingo, fez sucesso na primeira parte: das 20h às 22h, a música brasileira, com sambas, emboladas, samba-canção e muita alegria. De 22h à meia-noite, não teve repercussão já que a música clássica era comum nas estações. Por isso, já no segundo programa, Casé estendeu as participações populares. Fez tanto sucesso que se tornou o principal programa no Rio.

É uma curiosidade saber que o nome da atração – Programa Casé – foi dado em cima da hora. Na estreia, Casé estava tão nervoso que se esqueceu desse detalhe importante. O diretor da Rádio Philips convidado para fazer a apresentação do programa, já ao microfone, teve que improvisar e saiu esse título!

Apesar do sucesso, Casé gastou todo o dinheiro que tinha, além do que buscava no comércio e na indústria. Assim, depois do 15º programa, ele  decidiu acabar com a empreitada. Por sorte, duas coisas aconteceram: o dono da loja que vendia rádio, talvez com pena do Casé, ofereceu um contrato de três meses. E um paulista foi procurar o diretor do “Programa Casé” no escritório. Ele contratou meia-hora por semana para anunciar um produto dos Laboratórios Queiroz porque descobriu que o “Programa Casé” era o melhor da cidade. Ele ficou tão feliz, que se esqueceu de perguntar qual era o anúncio que teria que fazer. Havia uma lista de produtos proibidos naquele tempo: purgantes, roupas íntimas, remédio para hemorroida, cólica etc. Por quê? Achavam que podiam chocar os ouvidos do público.

Criativo, Casé encomendou uma historinha e, sem mencionar a palavra purgante, fez o público entender o que o Manon Purgativo. Tratava-se de uma noiva que ficaria mais feliz sem prisão de ventre do que com a joia cara ou casaco de pele que ganhou do noivo.

Certo dia, então, como disse no início do quadro, Casé cismou que o português dono da padaria de Botafogo deveria anunciar no seu programa porque fazia um ótimo pão. Para agradá-lo, Nássara, compositor, ilustrador e cartunista,  que trabalhava com Casé, criou o jingle do pão. No dia seguinte, todo os fregueses que vinham  à padaria apareciam cantando: “Ó padeiro dessa rua, tenha sempre na lembrança, não me traga outro pão, que não seja o pão Bragança”.  Muitos comerciantes passaram a encomendar musiquinhas, ou jingles, para seus produtos.

O português fechou o contrato de um ano com o Casé e o pão de Botafogo começou a ser vendido em Copacabana e em outros bairros da cidade. É uma curiosidade saber que no Rio do século passado, os moradores tinham duas caixas na porta de casa: uma para o pão fresco e a outra para o leite.

O rádio iniciava nos anos 30, a sua época de ouro. No "Programa Casé", Noel Rosa e Marília Batista improvisavam versos de publicidade em cima do sucesso “De babado”: https://www.youtube.com/watch?v=kcowUQlztko . Como eram reclames ao vivo, não há registro dessas participações, só a música original.


Assista ao quadro "O rádio faz história" no programa "Todas vozes", de Marco Aurélio Carvalho, na Rádio MEC AM, às segundas-feiras, às 8h40.

http://radios.ebc.com.br/todas-vozes/edicao/2014-07/primeira-propaganda-em-forma-de-musica-no-radio-brasileiro

quarta-feira, 9 de julho de 2014

Lindaura, a mulher de Noel Rosa


"O rádio faz história." Rádio MEC AM

Rose Esquenazi



No dia 7/7/2014, na Rádio MEC AM, comecei a participar ao vivo no quadro "O rádio faz história", no programa "Todas as vozes", do radialista Marcos Aurélio.  Às segundas, às 8h40, vou contar um pouco sobre os personagens e os fatos desse maravilhoso meio de comunicação. Para aqueles que não conseguirem acessar o programa através do link: http://radios.ebc.com.br/todas-vozes/edicao/2014-07/o-dia-em-que-noel-rosa-desapareceu-e-mulher-dele-ficou-so-na-coalhada
faço um resumo do que conversei com o apresentador. Divirtam-se.





Noel Rosa (11/12/1910 - 4/5/1937) não era um rapaz muito bonito, mas teve várias namoradas. Por algumas delas, como Fina e Ceci (Juraci Correia de Araújo), ele se apaixonou de verdade. Mas Noel veio a se casar na Pretoria, ou na polícia, como se dizia antigamente, em 1934, quando engravidou Lindaura, que tinha apenas 13 anos,  ele, 24.  Essa é uma das versões.  Tem gente que diz que ela tinha 17 anos e não engravidou coisa nenhuma.  É bom lembrar que não havia exame de DNA naquele tempo para provar quem era o pai da criança.
Noel saía com a menina, aluna de sua mãe, Martha de Medeiros Rosa, em seu carro Chevrolet, pago em prestações e que ele chamava de Pavão. Os dois iam passear no Alto da Boa Vista, e, numa dessas, eles tiveram um caso em um hotel na Rua Senador Euzébio, na Cidade Nova, no Rio. Lindaura teria engravidado e a mãe, Olindinha Pereira da Motta, exigiu reparação e forçou o casamento. Noel disse que iria pra cadeia, mas não se casaria. “Prefiro morrer a engolir este casamento!”, teria dito aos amigos. Chegou a alegar que não tinha sido o primeiro namorado de Lindaura.
 O caso saiu em um jornaleco chamado “Avante!”, simpatizante do nazismo, que estampou na primeira página do dia 29 de novembro de 1933, uma ilustração de Nacim Adese, que mostrava a fofoca capturada na 14ª Delegacia. Noel aparecia ao volante de seu carro e, no alto, a imagem fantasmagórica de Lindaura e o perfil da fábrica de tecidos. O título da reportagem era o seguinte: “A indiscrição da página 95. É pelo livro de partes da delegacia que se conhece uma diabrura amorosa do sambista Noel Rosa”. Dentro, a reportagem o acusava de rapto de menor.  
No programa “O assunto é Noel”, que ganhou um CD da Rádio MEC, em 2006, e está disponível na internet, Lindaura conta outros detalhes interessantes sobre a relação do casal. A versão de Lindaura não incluiu os detalhes mais penosos da relação entre os dois. Mas todo o mundo sabia que o compositor continuou se encontrando com Ceci e deixava Lindaura esperando em casa e até mesmo nos restaurantes e leiterias. A própria viúva contou, anos depois, para o radialista Paulo Tapajós, como era ficar esperando horas pelo Noel que se esquecia de deixar o dinheiro do bonde. Ao garçom, o compositor instruía: ofereça coalhadas, mingau, arroz –doce, o que ela quiser.

A foto do casamento de Noel e Lindaura e toda essa história fez parte do livro Noel Rosa, biografia de João Máximo e Carlos Didier, lançada em 1990. Recentemente as filhas de Hélio, irmão de Noel Rosa, afirmaram que são herdeiras de toda a obra do compositor e que Noel nunca se casou de verdade. Isso bastou para que saísse dos planos da editora a reedição do livro, aumentando a polêmica sobre quem tem direito sobre a vida de um artista. Cinco anos antes de sua morte, Noel teria dito:

“Não tenho herdeiros, não possuo um só vintém! Eu vivi devendo a todos, mas não paguei ninguém.”

Noel Rosa teve seu primeiro sucesso individual com a música “Com que roupa?”, que lançou em 1932. Começou a ganhar dinheiro e a ficar conhecido, bem mais do que no tempo em que fazia parte do Bando dos Tangarás. No mesmo ano de 1932, ele foi convidado para participar do “Programa Casé”, na Rádio Philips, ao lado de seu amigo Almirante, pseudônimo de Henrique Foreis Domingues. Lá, o dono do programa, Adhemar Casé, adorava ouvir Noel cantar as novas músicas, consertar o português de outros compositores e criar jingles ao vivo ao microfone, ao lado da cantora Marília Batista. O rádio no Brasil que teve a sua primeira estação inaugurada em 1923 - a Rádio Sociedade - só passou a ter o direito de incluir anúncios comerciais através de um decreto.
O problema é que Noel passava as noites em claro, bebendo, e, muitas vezes, faltava o programa ou chegava atrasado. Adhemar disse que iria demiti-lo várias vezes, mas, a sua presença era tão importante, que ele se esquecia das ameaças. Certa vez, Adhemar disse que um empresário gostaria de conhecê-lo pessoalmente e, se ele faltasse ou chegasse atrasado, seria demitido.
No dia marcado, Noel não estava na reunião, o que irritou muito Adhemar  Casé. Mas eis que, no meio da reunião, um vulto se levantou atrás do piano. Era o próprio Noel que teve tanto medo de chegar atrasado que dormiu atrás do piano!

O casamento de Noel e Lindaura se deu três antes da morte de Noel, que sofria de tuberculose. Talvez as sobrinhas não tenham encontrado certidão oficial, feita em cartório.  Talvez o papel nem exista. Mas a reparação pedida pela mãe da moça foi feita.