domingo, 19 de outubro de 2014

“As aventuras de Fred Perkins”

“O Rádio faz história” - Rádio MEC AM

Rose Esquenazi



Francis Hallawell foi correspondente de guerra pela BBC
e autor do programa 'As aventuras de Fred Perkins"
Um novo gênero de programa radiofônico chegava ao Brasil nos anos 40: as séries de aventura sobre guerra dirigidas ao público infantojuvenil. Estavam nessa lista: “As aventuras de Fred Perkins”, interpretada por Francis Hallawell, em Londres. E também “O homem pássaro” e o “Barão Eixo”, as duas últimas feitas no Brasil.

Vou falar hoje sobre “As aventuras de Fred Perkins” porque vou pegar carona no seu programa, Marco Aurélio, para convidar você e o seu público para lançamento do meu livro “O Rádio na Segunda Guerra. No ar, Francis Hallawell, o Chico da BBC”. Vai ser na Livraria Travessa Botafogo, dia 22 de agosto, sexta-feira, a partir das 19h. A Travessa fica em frente à Estação do Metrô de Botafogo.

Antes de se tornar o correspondente Chico da BBC, o único que fazia rádio ao lado das forças brasileiras na Itália, em 1944, Francis Hallawell trabalhava em Londres. Brasileiro de família inglesa, ele nasceu em 1912 queria para o exército inglês, mas, devido à idade, foi convidado  para trabalhar no Serviço Brasileiro da BBC. Ele escreveu e apresentou diversos programas, entre eles, episódios de 28 minutos enviados em ondas curtas para o Brasil. Eram “As aventuras de Fred Perkins”, que tinham efeitos sonoros, radioatores, música. A série era gravada em acetato e, alguma depois, era enviados ao Brasil e retransmitida em diferentes estações de rádio e serviços de alto-falantes.  “As aventuras de Fred Perkins” ficaram famosas.

Infelizmente não existem, nem na Inglaterra nem no Brasil, scripts originais desses programas. Tudo bem que o prédio da BBC foi muito bombardeado pelos alemães na Segunda Guerra. O que consegui foram dois programas em áudio, uma raridade, não há dúvida.  Não se tem uma data precisa de sua criação, mas é provável que os programas tenham sido gravados em 1943.
 Consegui essas gravações na Collector’s, empresa que digitalizou os programas a pedido do próprio Hallawell, que morreu em 2004. A esposa de Francis, a belga Julienne, vive em Corrêas, Petrópolis,  também me ajudou muito.

 No primeiro episódio, o personagem Fred quer sair pelo mundo em “busca da verdade”. Tentando achar uma coerência no meio de tantas versões jornalísticas desencontradas. O repórter da ficção tinha o mesmo sentimento dos correspondentes de carne e osso. Como dizia o jornalista Rubem Braga, do Diário Carioca, correspondente de guerra na Itália que ficou amigo de Francis Hallawell:  “Não existe verdade em uma guerra”. Isso porque há várias versões sobre o mesmo fato. Além disso, a imprensa brasileira sofria três tipos de censura: a da guerra – comum em tempos de conflito, a censura dos militares brasileiros e ainda a censura do Estado Novo.

Na história infanto-juvenil, o personagem Fred Perkins monta um miniaparelho de rádio com o poder de transmitir ao vivo as suas aventuras. Tratava-se de algo inimaginável nos anos 40, antes dos satélites, transistores e chips. O personagem embarca em um avião construído por um amigo e vai até a Alemanha, onde um avião inimigo derruba seu teco-teco. Fred cai em solo alemão, é ameaçado de morte e acaba na antessala de Hitler, ouvindo seus ataques histéricos. Na prisão, Fred é salvo por uma bomba inglesa atirada de um avião da RAF. Assim ele consegue fugir.

Segundo o historiador João Baptista de Abreu, o personagem principal assemelha-se a um herói das histórias em quadrinhos, “pelo arrojo, ironia e humor na interpretação”. Depois da vinheta característica do programa, animada com o tique-taque de ponteiros de um relógio, sons de xilofone e bumbo, o correspondente de guerra se apresenta ao público.  Na época, o rádio sofria muita interferência e isso aparece nos episódios.  O contrarregra reproduz esses ruídos incômodos e o correspondente pede desculpas a cada vez que isso acontece. Com uma voz clara e espontânea, Francis Hallawell dá asas à imaginação do público.


O livro que vou lançar no dia 22 de agosto é minha dissertação de mestrado em História da Cultura que defendi na PUC-Rio, em 2013. Procurei seriados infantojuvenis da mesma época para fazer comparações.  Encontrei “O homem pássaro”, irradiado pela Rádio Nacional, diariamente, às cinco e meia da tarde. Essa série durou dois anos: de 1944 a 1946. Também falava de guerra e do nazismo.

No único disco de acetato que sobreviveu na Rádio Nacional, não há registro de data. “O homem pássaro”, narrado por César de Alencar, era super-herói arrojado e audacioso, segundo a historiadora Lia Calabre que escreveu sobre essa ficção radiofônica. Assim como a série “As aventuras de Fred Perkins”, a trilha de abertura de “O homem pássaro” era vibrante e envolvente.

No episódio “A vingança do Cérebro”, o hreói Dick está procurando “o negro Joe” na aldeia do Touro Bravo.  Passando por um perigoso despenhadeiro, ouvem-se os efeitos sonoros de cavalos trotando outros reagindo a uma pedra que despenca da montanha, além de muitos tiros.  Há suspense e tensão.

Existe ainda um terceiro seriado,  o “Barão Eixo” , que encontrei sob a forma de um anúncio no jornal “Diário Carioca”, do dia 2 de julho de 1943.  O programa ia ao ar aos domingos, às 20h45, na Rádio Nacional, mas não se sabe mais nada sobre a sua produção e conteúdo.

O que eu acho mais interessante é deixar espaço para o público pensar e imaginar, algo tão raro atualmente. O rádio sempre fez isso, mas, em qualquer ficção, o ouvinte vai além. No caso de “As aventuras de Fred Perkins”, as pessoas podiam conhecer um pouco sobre a vida dos correspondentes.  Sem querer, Francis Hallawell antecipou o seu destino que só teve início em 1944, na Itália, ao lado de outros jornalistas  brasileiros que foram para a guerra.



Trecho:

Em uma de suas primeiras falas, Fred Perkins conta que teve uma ideia. Ele diz assim no seriado: “Estou enjoado desse negócio de “fontes autorizadas informam de Berlim”, “contam fontes oficiais”, “um porta-voz militar”, depois vem outro que diz que foram 150 mil prisioneiros aqui, acolá. Daqui a pouco, não foi nada disso, ninguém fez 150 mil prisioneiros, foi outra pessoa que foi presa em um lugar muito diferente. Vocês sabem como é, não sabem? Estava eu nisso quando disse a minha mulher: e se tivéssemos um meio de saber a verdade? E ela me disse: “Pois é, Fred, e se fizessémos isso?  E, de repente, deu um estalo, e por que não, Mabel? Afinal de contas, quem nos impede de ver? Saberíamos por nós mesmos a verdade. E foi assim que começou a história toda”.



Jerônimo - Um herói nacional


Rose Esquenazi


A série do rádio virou revista em quadrinhos
Moyses Weltman, o autor da série


Os primeiros heróis apreciados pelos brasileiros eram importados. Super Homem, Tarzan, Homem Aranha faziam parte da imaginação popular, mas nasceram nos Estados Unidos. Essas figuras cheias de qualidades sobre humanas apareciam na forma de quadrinhos de jornais e, depois, de revistas em quadrinhos. Com o surgimento do rádio, histórias de heróis passaram a frequentar as ondas sonoras, que passaram a incluir os valentes do Velho Oeste americano. Com a proximidade da Segunda Guerra, surgiu o personagem Sombra, que já havia estourado nos Estados Unidos. Era um policial que conseguia ficar transparente e podia entrar nos esconderijos dos bandidos e ouvir todas as confissões dos criminosos. O Sombra teve uma marca que ficou conhecida durante anos: “Ninguém sabe o mal que se esconde nos corações humanos. O Sombra sabe. Rararaá".

Havia também o seriado Aventuras do Anjo, um milionário que, nas horas vagas, tentava fazer justiça com as próprias mãos. Todos os heróis eram importados até que, em 1953, o brasileiro Moisés Weltman cria Jerônimo, o Herói do Sertão. O sucesso, irradiado pela Rádio Nacional, fez sucesso imediato. Mas o criador passou por difíceis dúvidas antes de se decidir pelo nome. Ele iria se chamar Bento Faria e teria a naturalidade gaúcha. Mas eis que a direção da emissora preocupou-se em lançar um produto demasiadamente regional. Quebrando um pouco mais a cabeça, Weltman chegou a Jerônimo, sinônimo de um homem corajoso que percorreria o sertão para fazer justiça tendo sempre ao lado o seu companheiro o Moleque Saci (Cauê Filho). Ele era interpretado por Milton Rangel, que contracenava com várias radio atrizes que viveram o amor de sua vida, a Aninha. Dulce Martins, Neusa Tavares e Maria Alice Barreto  preenchiam a imaginação dos jovens ouvintes. A mãe batalhadora, a Maria Homem, também foi um grande personagem, interpretada por Tina Vita. Maria Homem teve que reagir à violência dos poderosos do sertão que roubaram as terras e mataram o marido.
A trilha do seriado ficou grudada na cabeça dos ouvintes e fazia uma síntese da história. Quando ouvimos o programa atualmente vemos que de fato envelheceu e ninguém conseguiria escutar essa a série sem um ar de enfado. Mas, durante 14 anos, a Nacional exibiu 3.276 capítulos e, se bobear, ainda hoje podem se emocionar.
Pode-se perceber essa paixão na busca das antigas revistas em quadrinhos que a editora Rio Gráfica lançou. No primeiro número, esgotou rapidamente nas bancas. Tanto que a editora teve que aumentar a tiragem 48 horas depois, segundo escreveu o escritor Ronaldo Conde Aguiar, no livro Almanaque da Rádio Nacional (Casa da Palavra).
Jerônimo foi parar na televisão duas vezes. Na Tupi, na década de 60, e no SBT, em 1980. Não fez muito sucesso. O herói autenticamente brasileiro, que cavalava por regiões com características brasileiras, também não causou nenhum impacto no cinema, na produção filmada em 1994.

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/Quem passar pelo Sertão / Vai ouvir alguém falar / No herói desta canção / Que eu venho aqui cantar /
// Se é pro bem vai encontrar / Um Jerônimo protetor / Se é pro mal vai enfrentar /Um Jerônimo lutador /
//Filho de Maria Homem, nasceu / Cerro Bravo foi seu berço natal /
Entre tiros e tocais cresceu / Hoje luta pelo bem contra o mal //
//Galopando está em todo lugar / Pelos pobres a lutar sem temer / Com o Moleque Saci pra ajudar / Ele faz qualquer valente tremer /

O gênio do médico Paulo Roberto: um criativo radialista

"O rádio faz história." - Rádio MEC AM

Rose Esquenazi

Paulo Roberto, paixão pelo rádio




NADA ALÉM DE DOIS MINUTOS


  
Nos anos 30, o rádio ainda era um mundo a ser desvendado. Despertava a curiosidade de todos os que achavam que lá era um lugar mágico de onde saíam as “ misteriosas” ondas sonoras. O rádio sempre foi um mundo fascinante, atraindo muitos profissionais para seus estúdios. Um desses casos curiosos foi o médico Paulo Roberto, gênio que deixou muitas marcas em programas criativos, principalmente na Rádio Nacional.  Ele nunca deixou a medicina, era obstetra e orientador de jovens médicos. Costumava dizer que era o rádio que sustentava a carreira na medicina.
O nome verdadeiro de Paulo Roberto era José Marques Gomes, nascido na cidade de Dom Silvério, antiga Saúde, em Minas Gerais, em 10 de setembro de 1903. (Morreu em 13/12/1973, de infarto) Segundo sua filha, a harpista Maria Célia Machado, Paulo Roberto iniciou sua carreira no Programa Casé, na Rádio Phillips, nos anos 30. Ele tinha uma voz interessante e simpática, segundo ela, “era agradável e natural e apresentava textos inteligentes em linguagem coloquial, inovadora para a época”. Antes disso, os locutores eram muito formais.

Ele trabalhou também nas Rádios Cruzeiro do Sul, onde foi diretor artístico e Rádio Tupi.

Dotado de grande criatividade, suas produções tinham o ser humano como foco, mas sempre se preocupava com a qualidade dos programas. Um dos mais criativos foi o Nada além de dois minutos. O radialista falava sobre diversos assuntos, mas em 120 segundos apenas. Patrocinado pelo Sabonete Gessy, o programa estreou em 1947, e ia ao ar aos domingos, às 20h, horário nobre da Nacional. Paulo Roberto tanto podia contar uma piada como uma história, dar uma estatística ou revelar uma curiosidade. Ele tinha um grande parceiro: o apresentador Reinaldo Costa. Os diálogos cômicos contavam com os radioatores da estação. Ele pedia na chamada do programa para que o público conferisse os dois minutos. Era quase um twit, que nós conhecemos hoje: uma informação rápida.

Nada além de dois minutos durava meia-hora e fazia sucesso na grade da Nacional. Entrava próximo às apresentações das rainhas do rádio da época: Marlene e Emilinha.

Mas  Paulo Roberto fez muito mais no rádio.  Ainda na época da guerra, Paulo Roberto decidiu defender os países que estavam dominados pelos nazistas lançando Bandeiras da Liberdade. Quando a guerra acabou, o radialista recebeu medalhas e diplomas dos reis da Bélgica, Dinamarca e Suécia, em reconhecimento a sua força e ajuda aos países dominados.

Outro programa interessante criado e transmitido por Paulo Roberto foi Obrigado, Doutor. O formato era de um rádio-teatro semanal, sendo que o herói era um médico. Podiam ser narrativas trágicas ou divertidas, reais ou imaginárias, num total de 314 programas. Em 1981, a TV Globo lançou a série com o mesmo nome e que tinha como protagonista o ator Francisco Cuoco.

Em Honra ao Mérito, ele fazia biografias dramatizadas de benfeitores e heróis. As obras dessas pessoas recebiam diplomas e medalhas de Ouro. Ainda segundo a sua filha, “uma série de gravações de discos infantis” apresentaram outra face do talento de Paulo Roberto,  a interpretação de personagens. O auge de sua atuação foi no conto Pedro e o Lobo, de Prokofieff, sob direção musical de Radamés Gnatalli.  Essa peça musical tinha como objetivo levar as diferentes sonoridades às crianças. Cada instrumento representava um personagem da história.

 Todas as manhãs,  durante muito tempo, Paulo Roberto lia as crônicas que escrevia para a Rádio  Nacional: era o Vamos Viver a Vida. Nos textos, Paulo Roberto defendia posições pioneiras em relação aos “problemas ambientais, educacionais e sociais”. Era um homem com uma visão muito ampla de todas as coisas.

No programa Gente que Brilha, Paulo Roberto apresentava os talentos brasileiros já consagrados, mas também os iniciantes. Em 1957, ganhou o prêmio da Secretaria do Eestado da Guanabara por ser o Melhor Produtor daquele ano.  Ninguém entendeu nada quando ele foi levado a um distrito policial e depois demitido durante o AI-1, no ano do Golpe Militar, em 1964. Os amigos não viam Paulo Roberto como  um quadro político. Mário Lago, que também trabalhava na Rádio Nacional, que era comunista assumido, escreveu que o amigo não participava de campanhas sindicais. Ele escreveu certa vez: “Não se sabia de ninguém que não gostasse dele. Acreditava-se socialista, mas aos princípios teóricos preferia os ensinamentos de Cristo, que acreditava acima de qualquer coisa”.
                                                 
Era uma pessoa admirada e querida por todos. Honesto, teve uma carreira exemplar, todos diziam. O fundador da Rádio Sociedade  e depois Rádio MEC, Roquette-Pinto, deu-lhe a Medalha de Honra ao Mérito.

Segundo o blog de Roberto Salvador, autor do livro A Era do Radioteatro, Paulo Roberto largou tudo o que estava fazendo quando soube que o colega Carlos Frias, radialista como ele, havia se acidentado na estrada Rio-Petrópolis. Ao chegar ao hospital, fez um escândalo porque os médicos não queriam salvar a língua de Carlos Frias, que ficou muito machucada. Depois do discurso insistindo para que os médicos suturassem a língua  do colega. Foi assim que Carlos Frias pôde continuar trabalhando na Rádio Tupi. Graças ao doutor-radialista, uma grande figura que também foi o responsável por muitos programas do Projeto Minerva, já nos anos 60.



Haroldo Barbosa: Multiartista da Era do Rádio

"O rádio faz história." - Rádio MEC AM

Rose Esquenazi



Um milhão de melodias
Haroldo Barbosa: talento nacional


Haroldo Barbosa é mais um exemplo dos gênios do rádio. Nascido em Laranjeiras, em 21 de março de 1915 (morreu em 6 de setembro de 1979), ele exerceu inúmeras profissões. Foi produtor, compositor, speaker, contrarregra, humorista jornalista.

Mudou-se com a família para Vila Isabel, onde ficou amigo de Hélio Rosa, irmão mais novo de Noel Rosa. Todos estudaram no mesmo colégio, o São Bento. Haroldo se interessou pela música e formou com Hélio um grupo musical que animava as festinhas e frequentava a Rádio Educadora.  Começou a ganhar cachê, que achava uma fortuna, embora fosse irrisório! De acordo com o seu depoimento para a Collector’s, ele não era bom instrumentista, mas dava para o gasto.

Evaldo Barbosa, seu irmão mais velho, já era contrarregra do Programa Casé, na Rádio Philips. Estava decidido a deixar o programa quando, um dia, bebeu demais e pediu para Haroldo fazer o trabalho dele. O irmão mais novo não decepcionou Casé, embora o dono do horário não tenha gostado do comportamento de Evaldo.  Cuidadoso e muito curioso, de auxiliar, Haroldo passou à contrarregra oficial do programa, mesmo depois de Casé sair da Philips. Haroldo foi contratado como  contrarregra, speaker e arquivista.

Ele passou por diversas rádios: Rádio Cruzeiro do Sul, Rádio Clube, Transmissora, onde foi auxiliar do speaker esportivo Oduvaldo Cozzi. Participou da transmissão do Circuito da Gávea, na condição de operador de amplificador que pesava 40 quilos.  Era um problema transmitir qualquer evento externo naquela época, mas era uma grande emoção. Desde 1941, com um novo gravador que chegou à Nacional, ele começou a recolher depoimentos na rua. Haroldo também auxiliava na reportagem esportiva e era speaker.

Foi depois para a Rádio Nacional contratado como discotecário e redator de publicidade. No começo, como ele mesmo lembra, não havia muita audiência na Nacional, que fazia uma programação de alto nível.  Em 1939, porém, aconteceu uma reviravolta e o governo incorporou várias empresas que estavam devendo impostos. Entre elas, a Nacional. Com a entrada de Gilberto de Andrade como diretor, a emissora se transformou, se popularizou, se equipou e ficou à frente de seu tempo.

Começava a era das novelas e de muitos programas musicais. Haroldo estava à frente de muitas dessas iniciativas e, ao lado de José Mauro, criou Cavalgada da Alegria, para lançar o Melhoral no Brasil. O programa precedeu outras grandes atrações do gênero, que movimentavam todo o cast da Rádio Nacional com melhores maestros e atores.

Haroldo também participou da adaptação da música O luar do sertão (Catulo da Paixão Cearense e João Pernambuco) para prefixo da Nacional. Lançado primeiramente em ondas curtas, o prefixo foi usado depois na emissora principal. Ajudou a criar o prefixo do Repórter Esso, usando as gravações de  fanfarras que existiam na emissora.


Veio a seguir o lançamento da Coca Cola no Brasil, em 1943. Haroldo e José Mauro, outro gênio da radiofonia brasileira  (1916-2004), foram chamados para criar uma nova atração e assim nasceu Um milhão de Melodias, o mais famoso programa musical da Nacional.  Ficou no ar durante sete anos, teve uma interrupção e depois voltou em 1951, com grandes artistas brasileiros e o comando do maestro Radamés Gnatalli e a Orquestra Brasileira. Entrava na programação às quartas,  às 20h30.

Para Um milhão de Melodias, ele escreveu mais de 500 versões de músicas estrangeiras e, por isso, foi muito criticado. Ele justificou alegando que queria uma maior circulação musical dentro da rádio e não seria bom ouvir Emilinha Borba cantando um sucesso em alemão!

Nessa mesma época (início da década de 1940), Haroldo Barbosa começou a escrever no Diário da Noite uma coluna sobre turfe chamada Pangaré. Na década de 1950, a coluna foi transferida para o jornal O Globo.

Em uma determinada época, o radialista fazia oito programas por semana: Às segundas, Canção romântica, com Francisco Alves e arranjos do maestro Lyrio Panicali, e o Rádio Almanaque Kolynos (Também com José Mauro). Às terças, Calouros da Orquestra. Às quartas, Um milhão de melodias. Às quintas, Espetáculos Gessy. Às sextas, Nas asas de um Clipper. Aos sábados, Casa da Sogra e, aos domingos, Rádio semana. Todas as atrações eram um sucesso e tinham características bem diversas.

Haroldo Barbosa abriu espaço para gente de talento, segundo ele, mas que não tinha muita chance antes. Ele firmou a carreira de José Vasconcellos e de Chico Anysio, por exemplo. Nos anos 50, passou a escrever peças radiofônicas para Renata Fronzi, que era casada com o radialista César Ladeira. Chamaram-se Vai de Valsa, Adorei Milhões, Botos em 3D e Brasil 3 Mil.  
 
Foi compositor de sucesso: compôs Barnabé, que criticava o funcionalismo público. “Ai, ai, ai, ai Barnabé/Funcionário letra E”. *Até hoje, o termo é sinônimo de funcionário público em alguns dicionários brasileiros. Escreveu também Mesa de Bar, Isso não se Aprende na Escola e De Conversa em Conversa. Escreveu muitas letras de música para a grande cantora da época, Linda Batista, que tinha um contrato para os shows do Cassino da Urca.

Além da Rádio Nacional, passou também pela Rádio Tupi, onde escreveu várias radionovelas, e pela Rádio Mayrink Veiga onde criou a Escolinha do Professor Raymundo, com Chico Anysio. Foi demitido da Nacional depois que compôs Adeus, América, em 1948, considerada subversiva pela emissora. Ele falava que foi aos Estados Unidos, gostou, mas que preferia o Brasil do samba. Nada demais.

Passou por várias emissoras de TV, a partir  Rio, em 1957. Depois, trabalhou na TV Excelsior, Rede Globo. Fez parte da equipe de criação de famosos programas humorísticos, como Chico Anísio Show, Noites Cariocas, O Riso É o Limite, A Cidade se Diverte, Times Square, Faça Humor, Não Faça Guerra, Satiricom e O Planeta dos Homens.
Ele era pai da escritora e roteirista Maria Carmem Barbosa,


Um milhão de melodias YouTube, 23’: https://www.youtube.com/watch?v=xPDC7nElb3Q  

Prefixo da Rádio Nacional: https://www.youtube.com/watch?v=vkNg2P8T40E
Adeus, América
Barnabé – letra da marchinha composta por Haroldo Barbosa e Antonio Almeida (gravada por Emilinha Borba, carnaval de 1948): YouTube: de 2:41 a 5:22

·        Barnabé o funcionário
Quadro extra numerário
Ganha só o necessário
Pro cigarro e pro café
Quando acaba seu dinheiro
Sempre apela pro bicheiro
Pega o grupo do carneiro
Já desfaz do jacaré
O dinheiro adiantado
Todo mês é descontado
Vive sempre pendurado
Não sai desse terere
Todo mundo fala fala
Do salário do operário
Ninguém lembra o solitário
Funcionário Barnabé
Ai Ai Barnabé
Ai Ai funcionário
Ai Ai Barnabé
Todo mundo anda de bonde
Só você anda a pé...



O rádio faz História Paulo Gracindo e Angela Maria

Paulo Gracindo, sucesso no rádio e na TV
Angela Maria e a descoberta de Paulo Gracindo


 Paulo Gracindo nasceu em 16/7/1911, no Rio, mas foi bebê para Alagoas. Ele tinha um nome estranho, chamava-se Pelópidas Guimarães Brandão Gracindo.  Ele mesmo contou certa vez que ninguém acertava o seu nome original.  “Uns me chamavam de Petrópolis, outros de Pelopes. A empregada me chamava de Envelope”. Resolveu inventar outro nome: Paulo Gracindo.
Ele queria ser ator, mas o pai dele, um senador, não queria de jeito nenhum. Por essa razão, teve que esperar o pai morrer, sair de Maceió para vir tentar a vida no Rio de Janeiro. Chegou aos 20 anos, chegou a passar fome e a dormir na rua. Durante os anos 30 e 40 dedicou-se ao teatro, participando de grandes companhias. Mas foi no rádio e, mais tarde, na TV, que seu grande talento apareceu em grande estilo.
 Paulo interpretou vários papeis como radioator.  Ele contou que começou de baixo no Grande Teatro Tupi. Depois, quando Ary Barroso, que apresentava o programa Calouros em Desfile, na Tupi, ficava doente, ele  começou a substitui-lo. Como se saiu muito bem, recebeu o convite para mudar de estação: passou a apresentar o Programa Paulo Gracindo, na Rádio Nacional.

Paulo Gracindo recebia artistas, apresentava quadros, promovia brincadeiras  e participava da seleção de calouros. Foi o responsável pelo lançamento de vários novos artistas, entre eles, Angela Maria.
No depoimento que deu a história do rádio, Paulo Gracindo contou que, certa vez,  uma mocinha de dentes cariados e vestido muito pobre veio ao programa como caloura. Quando ela começou a cantar, todos ficaram perplexos, inclusive o apresentador. Angela tinha uma voz maravilhosa. No final de sua apresentação, ela pediu, discretamente, o dinheiro da passagem para voltar para a casa.
Angela Maria na verdade era Abelim Maria da Cunha (Conceição de Macabu, 13 de maio de 1929), filha de um pastor evangélico e cantora nos cultos da igreja.  Ela sonhava em trabalhar em uma estação de rádio, algo quase impossível porque os pais jamais a permitiriam que ela frequentasse um ambiente tão insalubre. Nos anos 40, as emissoras de rádio eram consideradas lugares perigosos para as mocinhas.
Angela costumava ser demitida das fábricas onde trabalhava para ajudar a família. Na fábrica de lâmpadas e, depois na fábrica de tecidos no Estado do Rio, os gerentes descobriram que a produtividade caía quando Angela Maria começava a cantar no meio do expediente. Todo o mundo parava o que estava fazendo para escutá-la. O que acontecia, então? O gerente a chamava no escritório e a demitia! O lugar de Angela não era ali, mas em uma estação de rádio.  
Em o Direito de Nascer, em 1951, na Nacional, ele experimentou o  auge de sua carreira como radioator na pele de Albertinho Limonta, em O direito de nascer. Ele era adorado pelas fãs.

Eclético e muito criativo, Paulo Gracindo passou da carreira de radioator dramático para comediante. O roteirista Max Nunes criou o quadro Primo rico, primo pobre no programa Balança Mas não cai, na Nacional, em 1953, logo depois da guerra. A direção da rádio escalou Brandão Filho para o papel do rico e Paulo Gracindo para o do pobre. Mas eis que os produtores olharam para os dois atores e decidiram trocar. Paulo tinha cara de rico e Brandão cara de pobre. O quadro fez enorme sucesso ao mostrar a arrogância do rico que nunca entendia as necessidades do parente pobre.
Depois voltou para a Tupi onde comandou o programa Rádio Sequência G-3, muito popular, segundo suas próprias palavras.
Paulo Gracindo continuou a fazer sucesso na TV. Quando interpretou o Tucão, bicheiro do Rio de Janeiro, na novela Bandeira Dois, conquistou os cariocas. O numero do túmulo de seu caixão, premiou todos os apostadores do jogo do bicho. O papel mais importante foi Odorico Paragussu, na novela O bem amado. Mas Paulo conseguia enxergar a importância do rádio em relação à TV e, certa vez, ele deu uma importante declaração sobre o rádio.
Seu filho, Gracindo Junior, e seus netos, Gabriel Gracindo, Pedro Gracindo e Daniela Duarte, deram continuidade à carreira de Paulo,  tanto no teatro quanto na TV. Dirigiu um filme sobre a vida de Paulo Gracindo, mostrando todo seu talento. Morreu aos 84 anos, em 1995.  Para o público, a sensação que se tinha, é que ele se jogava inteiro nos papeis. O público soube reconhecer esse talento.

https://www.youtube.com/watch?v=YiQMuvAd-lk
Ave Maria https://www.youtube.com/watch?v=cKkfCEDbMsI