segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Dick Farney, a Voz de Almofada e a nova música romântica




Rose Esquenazi



Farnésio Dutra e Silva, o Dick Farney, nasceu no dia 14/11/1921, no Rio de Janeiro. Foi responsável por uma virada da MPB graças à maneira suave e intimista como cantava as músicas deliciosamente românticas dos anos 40 e 50. Era conhecido como a Voz da Almofada e fez parte de uma geração que antecedeu à Bossa Nova. Faziam parte do grupo, além de Dick Farney, Lúcio Alves, Dóris Monteiro, Silvia Teles, Johnny Alf, Luiz Bonfá, entre outros.

Na infância, Farnésio aprendeu piano e passou a estudar música erudita com o pai. A mãe lhe dava noções de canto. Aos 14 anos, ele se apresentou na Rádio Mayrink Veiga, no programa Picolino, de Barbosa Júnior. No estúdio da emissora, ele tocou ao piano Dança ritual do fogo, do compositor espanhol Manuel de Falla. A música é linda e de difícil execução.

No mesmo ano de 1937, estreou como cantor no programa Hora juvenil na rádio Cruzeiro do Sul do Rio de Janeiro, quando interpretou a canção Deep Purple. Encantado com a sua voz, César Ladeira levou Dick Farney para a Rádio Mayrink Veiga onde ganhou um programa próprio: Dick Farney, a voz e o piano.

Depois, ao lado do irmão, Cyll Farney, criou o conjunto Swing Maníacos. Enquanto Dick tocava piano, Cyll ficava na bateria. O Swing Maníacos acompanhou Edu da Gaita na gravação de Canção da Índia, do compositor russo Nikolay Rimsky-Korsakov. Dick passou a ser apresentar nos cassinos do Rio de Janeiro. Essas casas de jogos sempre tiveram fantásticas orquestras, maestros e intérpretes brasileiros e estrangeiros. De 1941 a 1944, foi crooner da orquestra de Carlos Machado, no Cassino da Urca.

Dick estava apaixonado pelas músicas americanas na época, principalmente as interpretadas por Bing Crosby e Frank Sinatra. Aos 25 anos, Farnésio pensou em realizar um grande sonho: tornar-se cantor de sucesso nos EUA. Por isso, mudou seu nome para Dick. Encontrou-se com o arranjador Bill Hitchcock e o pianista Eddie Duchin, no Hotel Copacabana Palace, onde também funcionava um cassino. Em 1946, quando o jogo foi proibido no Brasil, todos os cassinos foram fechados. Dick foi convidado para ir para os Estados Unidos. De 1947 e 1948, o cantor se apresentou em uma das mais importantes emissoras de rádio de Nova York, a NBC. Tornou-se cantor fixo no programa do comediante Milton Berle. Em 1948, veio ao Brasil e apresentou-se com sucesso na boate carioca Vogue.

A pedido de seu amigo Braguinha, diretor da gravadora Columbia, onde Dick tinha contrato,  gravou a música Marina, de Caymmi. A música tem um trecho até em inglês, com um swing fantástico.  O sucesso foi extraordinário. Tanto que seguiram a gravação de 12 músicas, entre 1948 e 1950. Entre elas, Copacabana, outro sucesso retumbante. A música de Braguinha e Alberto Ribeiro teve arranjos de Radamés Gnatalli e ficou 64 anos nas paradas de sucesso.  Era uma interpretação deliciosa de Dick. Segundo Jairo Severiano, tornou-se “um marco na evolução da moderna música popular brasileira”.  Vamos ouvir Copacabana:

AAA2. ROSE. Copacabana. https://www.youtube.com/watch?v=BRn_b7KVZO0
Em 1949, foi criado um fã-clube chamado Sinatra-Farney Fã Club, em que os sócios eram claramente apaixonados pelos dois intérpretes. A ideia do fãs-clubes surgiu com o radialista Luiz Serrano que, um ano antes, passou um tempo nos Estados Unidos. Na Rádio Globo, ele lançou o programa Disk-Joquey, em que tocava discos no rádio e buscava fazer uma ligação entre os artistas aos fãs. Serrano também aprendeu nos EUA que esse contato ficaria mais fácil se os admiradores criassem um fã-clube.
Assim, na Rua Dr. Moura Brito, na Tijuca, as primas Joca, Didi e Tereza Queiroz fundaram o primeiro fã-clube do Brasil, que ficava no porão da casa. Para se associar, o fã tinha que mostrar que sabia tocar um instrumento. O grupo se manteve ativo até 1953 e  reuniu Johnny Alf, João Donato, Paulo Moura, Raul Mascarenhas, Fafá Lemos, Klécius Caldas, Armando Cavalcante, Nora Ney, Mirzo Barroso, Nara Leão e Carlos Manga. Pessoas muito especiais e que fizeram muito sucesso na música mais tarde, principalmente no movimento da Bossa Nova. O Manga virou grande diretor de cinema.
Segundo Ruy Castro, autor do livro Chega de Saudade, “de Sinatra, os fãs tijucanos recebiam cartas e fotos autografadas. O que já era uma grande conquista. Farney, por sua vez, teve participação ativa no clube. O dono da "Voz de Almofada" fez amizade com a turma que frequentava o porão, e até lhes apresentou outros artistas”. Essas informações eu encontrei no blog Trilha sonora, de Mariana Coutinho.

Apesar de todos os convites, Sinatra nunca tinha vindo ao Brasil. Existia uma lenda que ele morreria ao pisar no país, segundo lhe disse uma antiga cartomante. Essa história terminou em 1980 quando Sinatra, finalmente, veio ao Brasil. Eu tive a oportunidade de fazer duas perguntas para o intérprete americano, mas ele, de fato, odiava jornalistas.

Dick Farney fez sucesso porque cantava de maneira diferente. Gravou Alguém como tu, de José Abreu e Jair Amorim, que ouvimos no início do programa. E gravou também Um cantinho e você, Ser ou não ser e Somos dois, Esquece, de Gilberto Milfont e Ponto final, de José Maria de Abreu e Jair Amorim. Somos dois acabou no cinema no filme em 1950. Dirigido por Milton Rodrigues teve como protagonista o próprio Dick que interpretou os diálogos escritos por nada menos do que Nelson Rodrigues. Nelson também foi responsável pelo argumento. Além desse filme, Dick Farney participou do Carnaval Atlântida, em 1952, de José Carlos Burle, e Perdidos de amor, de Eurides Ramos, em 1953.

Vamos ouvir um trecho de Esquece, de Gilberto Milfont.

Dick fez muito sucesso com Tereza da Praia, ao lado de Lúcio Alves. A música de Tom Jobim e Billy Blanc falava de uma moça que tinha dois namorados ao mesmo tempo e, em determinado momento, os rapazes descobrem isso. A letra diz assim: “é a minha Tereza da Praia, se ela é tua, é minha também. O verão, passou todo comigo, e o inverno, pergunta com quem? Então vamos a Tereza da praia deixar…”

Em 1954, cogitou-se que havia uma briga ou disputa entre Dick Farney e Lúcio Alves. Os músicos decidiram cantar juntos a música e desfazer essa suposta rixa.  Mas não queriam que fosse gravada. Mas acabou sendo um tremendo sucesso e “Tereza da Praia” é conhecida até hoje. Parece que nunca existiu uma Tereza da praia. Vamos ouvir um trecho?
Nos anos 50, o rádio perdia a força para a TV. Assim, em 1959, o músico estreou Dick Farney Show, na TV Record, Canal 7 de São Paulo. Como sempre foi excelente pianista, ele formou a Dick Farney e sua orquestra que animou muitos bailes.  Em 1965, ajudou a inaugurar a TV Globo, Rio de Janeiro. Apresentou ao lado da atriz Betty Faria o programa Dick e Betty. Teve boates em São Paulo e sempre mostrava seu talento com o pianista. Com Paulo Moura no saxofone interpretou Risque, uma peça maravilhosa, só instrumental.  Dick Farney morreu no dia 4/8/1987, em São Paulo, aos 65 anos).

 https://www.youtube.com/watch?v=v06WB0rgE4E&index=5&list=RDNe3Cg8FtO_M