quarta-feira, 8 de agosto de 2018

Lourival Marques: grande redator do rádio



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Rose Esquenazi      
     O programa Rancho Alegre, veiculado na Rádio Nacional do Rio de Janeiro nos anos 1950, com Emilinha Borba, foi escrito pelo pesquisador, produtor e diretor artístico da Nacional, Lourival Marques. Mas será que algum ouvinte do seu programa, Marcus Aurélio, ainda se lembra dele, esse gênio do rádio? Esse é um problema da nossa época, não nos lembramos de grandes nomes, trabalhadores incansáveis e criativos, que fizeram o rádio brilhar durante muitas décadas.

     Lourival Marques nasceu em Juazeiro do Norte, Ceará, em 15 de novembro de 1915. Filho do jornalista Sebastião Marques, teve a incrível oportunidade de ver, em sua formatura no Grupo Escolar, o Padre Cícero, ele mesmo, em carne e osso. Muito jovem, Lourival começou a descobrir o poder das ondas sonoras no Centro Regional de Publicidade, que reunia 18 alto-falantes em Juazeiro do Norte. O sistema veiculava notícias, informações de utilidade pública e comerciais.

     Em 1943, já estava trabalhando na Ceará Rádio Clube, em Fortaleza. Criou os primeiros formatos de programa que iria adotar mais tarde na Rádio Mayrink Veiga, no Rio de Janeiro. Ele foi contratado em 1945. Nessa parte da história, também constatamos que não foi preservada a memória dessa grande emissora brasileira que teve a sua sede lacrada no Centro da cidade. Resultado de um ato do governo militar, todo o acervo da Mayrink Veiga desapareceu por completo. Uma pena. Entre as 20 atrações que Lourival Marques produziu na Rádio Mayrink Veiga, vamos citar “Recordações em Desfile”, sem nenhum registro sonoro ou escrito.

     Em 1950, Lourival Marques foi contratado pela Rádio Nacional e entrou para um timaço de redatores. Mário Lago, Paulo Gracindo, Hélio de Soveral e muitos outros. Na lista dos programas de Lourival está “Seu Criado, Obrigado”. No depoimento do apresentador e radio-ator Gerdal dos Santos, ainda hoje funcionário da Nacional, e um dos famosos contrarregras da era das novelas, ele citou Lourival Marques. Mas teve dúvidas sobre a participação do roteirista, que confirmo aqui. Durante muitos anos, a partir de 1953, Lourival Marques foi também colaborador da Revista Radiolândia, assinando a coluna “Dicionário da Gente do Rádio”. 
     Em 1963, Lourival escreveu um livro com o mesmo título do programa, que consegui comprar em um sebo: “Seu Criado, Obrigado”. Em 12 anos, ele reuniu centenas de perguntas dos ouvintes que o Criado, no caso, ele mesmo, respondia. Mas a voz era de César Ladeira e a secretária do programa, vejam só, era a radialista Daisy Lúcidi. Na Nacional, Lourival Marque tinha, além de uma vasta biblioteca, recortes de jornais, revistas e as mais variadas publicações para ajudá-lo nas pesquisas. Nem é preciso dizer que não havia Google, Internet ou computadores na época, não é?

As perguntas dos ouvintes eram curiosas. Por exemplo: “Odete Ramalho, de Petrópolis, Estado do Rio, queria conhecer o nome da primeira pessoa a medir a pressão arterial”. O criado respondeu: “Foi um sacerdote, o reverendo inglês Stephen Halles, em 1744. Baseado em observações de Harvey e em outros estudos, usou Halles, naquela prova, um manômetro de sua invenção”.

Outras perguntas: “Qual é a mais alta montanha do mundo”, “A mais antiga emissora de rádio do mundo”, “Por que sofremos mais com o frio do que com o calor”. E por aí vai.

Outro programa famoso de Lourival Marques foi o “Superflit”. Patrocinado pelo veneno muito popular para matar insetos, antigamente, era a garantia de estabilidade de Lourival Marques no rádio. Como disse anteriormente, foram muitos programas escritos por ele, muito culto e caprichoso. Pois bem, com o tempo, mostrando todo o seu talento, se tornou diretor artístico da Nacional, na época de ouro da emissora.

Encontrei algumas citações sobre esse grande profissional nos blogues de Jota Alcides e Renato Casimiro no Google, mas não há ainda uma biografia alentada sobre ele. Nem sei quando morreu o autor dos seguintes programas radiofônicos: "Bahia dos meus amores", "Dicionário dos Extremos", "Brasil país dos mil ritmos", "A música e o Dia", "Gente que faz a gente cantar", "Radio Revista", "Em cima do Fato", "Clube das donas de Casa".

Um dos grandes destaques foi a atração “A Canção da Lembrança”, que teve como locutores os radialistas Jorge Cury e Reinaldo Costa, O patrocínio era de Phimatosan, o “tônico poderoso". Em uma entrevista que concedeu em 1948, ao jornal Noite Ilustrada, Lourival Marques disse que era um dos mais lindos programas noturnos da Nacional, de extremo bom gosto”. Mais tarde, ele se transferiu para a Rádio Globo, onde apresentou “Cenas Brasileiras". Ter seu próprio patrocinador, no caso Phimatosan, lhe dava a segurança de continuar trabalhando naquilo que mais gostava: o rádio! Ouça, no YouTube, o jingle do Phimatosan.

     Na introdução do livro “Seu criado, obrigado”, Lourival Marques diz que não é tão fácil escrever para o rádio. Nas palavras dele: “Nem todos se são conta dessa apreciável diferença entre a linguagem literária dos livros e o texto simples dos programas de rádio. Não foram poucos os grandes nomes da literatura nacional que naufragaram na tentativa de escrever para o microfone, de expor suas ideias na palavra fácil que vai direto ao povo”.

    Muita gente dizia para ele: “escreva como fala. Ponha no lixo os acentos desnecessários”. OK, pode dar certo. Mas o desafio aceito por Lourival Marques ao escrever um livro foi o oposto: “transportar o texto radiofônico para o livro”, segundo ele, “era tarefa muito mais difícil de ser realizada”.

terça-feira, 7 de agosto de 2018

As polêmicas do samba no rádio e na imprensa






Rose Esquenazi

     Se hoje temos um grande reconhecimento do valor do samba, nem sempre a sociedade brasileira se comportou assim. Na verdade, em 1939, houve uma grande briga entre os intelectuais sobre esse ritmo que estava se impondo nas rádios brasileiras.

     No jornal A Noite, o historiador Pedro Calmon, da aristocracia baiana, decidiu escrever um artigo em que dizia que o samba não representava o país. Justamente quando a cantora Carmem Miranda era convidada para representar o Brasil na Feira Mundial e recebeu um convite milionário para cantar nas boates e nos filmes americanos, durante um ano inteiro.

     Carmem já fazia sucesso absoluto no mundo da música. Foi a cantora que ganhou o maior cachê do rádio brasileiro, era disputadíssima entre os donos das estações. Era o xodó da Rádio Mayrink Veiga e da Tupi de São Paulo. Mas Pedro Calmon tinha traços racistas muito profundos, como explicou o jornalista e historiador Sérgio Cabral no livro “A MPB na era do rádio”, que vou citar aqui.

     Pedro Calmon reclamou da vulgaridade da baiana e do “prestígio súbito do violão, a volta da graça mulata desterrada das zonas artísticas e das esferas filarmônicas do país”. Para ele, aspas, “tudo era inverossímil, mosqueado de exageros pueris, deformado pelas imitações incultas, para inglês ver e brasileiro não se entender”.

     Assim como Carmem Miranda não tinha preconceito em relação ao samba, o romancista José Lins do Rego também só tinha a falar pontos positivos sobre o ritmo. Tanto que fez questão de escrever em O Jornal, a sua crítica contra a posição pedante de Pedro Calmon, dizendo claramente que ele era contra o samba. Nas palavras de Lins do Rego: “O acadêmico que se volta contra os ritmos da terra e a riqueza do nosso subsolo psicológico não terá forças nem de furar uma cuíca, nem de partir as cordas do violão do Patrício Teixeira, nem de fechar uma escola de samba”.

    Ouvimos o início do quadro a música O que é que a baiana tem, de Caymmi e que fez parte do filme Banana de Terra, de Wallace Downey. Agora, vamos apreciar um trecho de mais um samba de 1939 e que irritou Pedro Calmon: Aquarela do Brasil, de Ary Barroso, na voz de Francisco Alves.

     O samba, como disse, atualmente é estudado, respeitado, atrai os jovens que não se cansam de compor novos sucessos e lembrar os antigos. A exposição que está aberta do Museu de Arte do Rio, o MAR, na Praça Mauá, tem justamente esse tema tão abrangente e tão carioca.

     A mostra se chama “O Rio do Samba – resistência e reinvenção”. Hoje o samba é patrimônio imaterial brasileiro, o que não é pouca coisa.  Nasceu da diáspora africana, tornou-se resistência e foi se reinventando ao longo dos dois séculos.

    Vale a pena circular pelas salas e descobrir como essa história é rica e cheia de contradições. Não foi só o acadêmico Pedro Calmon que criticava o samba. A polícia do Rio também batia em quem andava com violão debaixo do braço ou em que se reunia nas esquinas do Rio para fazer batuque. Muitos consideravam música de terreiros, de candomblé. É bom lembrar que durante muitos anos o candomblé e a capoeira eram proibidos no país. No jornal A Noite, Pedro Calmon foi explícito: “Denunciei não o samba, porém o batuque e as onomatopeias que lembram, ao luar da fazenda, o perfil sombrio da senzala”.

     No início do rádio no Brasil, nos anos 1920, essa polêmica ainda era mais intensa, principalmente porque os pioneiros preferiam a música clássica e de câmara à música popular brasileira. Aos poucos porém e principalmente devido ao samba urbano, tendo Noel Rosa e a geração dele à frente, as rádios Mayrink Veiga, Nacional e até a Sociedade, atual Rádio MEC, perceberam que o povo gostava de ouvir os rirmos que estavam mais próximos dele.

     Surgiram tantos artistas legítimos, compositores e artistas afinados. O fato se tornou um evidente: o samba faz parte da nossa alma, não há o que negar. Vamos ouvir um hino de Zé Kéti, chamado “A voz do morro”, escrita em 1955. Na letra.  o compositor diz que “o queria “mostrar ao mundo” que tinha valor. Eu sou o rei dos terreiros/ / Eu sou o samba // Sou natural daqui do Rio de Janeiro //Sou eu quem levo a alegria // Para milhões de corações brasileiros // Mais um samba, queremos samba // Quem está pedindo é a voz do povo de um país // Pelo samba, vamos cantando // É... pra melodia de um Brasil feliz. 

    Os amantes do samba podem descobrir on-line vários programas e emissoras dedicadas ao ritmo. Aqui na Rádio MEC, o programa Armazém Cultural, com Tiago Alves, das duas às cinco da tarde, de segunda a sexta, dá um show de conhecimento sobre o samba e promove compositores e intérpretes que nem sempre têm oportunidades em outras emissoras. Na Internet, os ouvintes podem começar pelo Rádio Viva o Samba, Berço de Samba e a Rádio Batuta, no Instituto Moreira Salles.

    Acaba de ser veiculado o documentário “Eu também tô aí.  Os 100 anos de Geraldo Pereira.” São 10 capítulos sobre um dos mais talentosos compositores que foi Geraldo Pereira, conhecido como “O Rei do Samba”. A concepção, pesquisa e apresentação do documentário é de Pedro Paulo Malta e Rodrigo Alzuguir. Samba de respeito sendo analisado por jovens músicos do século 21.

    Geraldo Pereira deixou obras maravilhosas, principalmente os sambas-sincopados, que significa o samba que tem ginga que lembra o andar dos bambas. Entre eles: Ela não teve paciência", "Quando ela samba",  "Você está sumindo" , “ Bolinha de papel”, “Cabritada mal sucedida”, “Falsa Baiana”.  Vamos terminar com uma das obras de Geraldo Pereira de que gosto muito, que é  “Pisei num despacho”, com Jackson do Pandeiro. Pelo visto o samba está mais vivo do que nunca.



A Rádio Nacional na Copa de 50



Rose Esquenazi


     Na última crônica, contei um pouco a história da primeira transmissão radiofônica transoceânica de um campeonato de futebol, durante a Copa de 1938, diretamente da França. Foi um marco, sem dúvida. Mas os áudios do rádio não foram preservados e, por isso, tivemos que usar os dos radialistas franceses que registaram jogos brasileiros.
Bem próximos da Copa da Rússia, que começa no dia 14 de junho de 2018, os ouvintes vão gostar de recordar um pouco sobre a Copa de 50, mesmo com a derrota cruel e inesquecível contra o Uruguai. Ficamos com o vice-campeonato, mas o resultado não foi suficiente para alegrar os brasileiros que já tinham comprado aparelhos de rádio e que, assim, puderam acompanhar os jogos ao vivo. Eles também compareceram ao Maracanã e em outros estádios que foram construídos no país. Tivemos partidas no Rio, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Curitiba e São Paulo. Notícia boa: existem áudios preservados dessas partidas!

     Ouviremos agora a voz de Antônio Cordeiro, que narrava no jogo na Rádio Nacional, da linha de meio de campo para a esquerda das cabines de rádio. Jorge Curi, narrada os lances que aconteciam na outra metade do campo; o lado direito das cabines. Dois momentos do narrador Antônio Cordeiro: na euforia da torcida, minutos antes de a bola rolar, e no trágico minuto final, com a vitória dos uruguaios.

     Ouvimos, então, dois trechos da histórica transmissão da Rádio Nacional do Rio de Janeiro durante a Quarta Copa do Mundo FIFA de Futebol que ocorreu entre 24 de junho e 16 de julho de 1950.  Antônio Cordeiro era chamado de “speaker cronista”, e foi um dos grandes locutores da Nacional. Na emissora, ele criou o programa 'No mundo da bola', noticiário que ia ao ar de segunda a sexta, às 18h. Já Jorge Curi, natural de Caxambu, foi contratado pela Nacional em 1943, depois de um teste bem-sucedido. Entre os oito irmãos, existiam outros dois famosos: o cantor Ivon Curi e o também radialista Alberto Curi. Também tinha uma bela voz.
     
     Nas pesquisas que fiz na internet, encontrei um radialista da Jovem Pan chamado Thiago Uberreich. Desde jovem ele é obcecado pela Copa de 50. A mania começou com o pai dele, que acompanhou os jogos pelo rádio, quando tinha 10 anos, na pequena cidade de Águas de São Pedro.

     Em 1999, na conclusão do curso de jornalismo na PUC de São Paulo, Thiago realizou um documentário sobre esse tema. E continuou a pesquisar obsessivamente durante 17 anos até que, com muita dificuldade, encontrou todos os áudios dos jogos de 50.
Agora uma Breaking News: No dia 12 de junho, ele vai lançar o livro “Biografia das Copas. O maior espetáculo da Terra no rádio, na TV e nos jornais”, na Livraria Cultura de São Paulo. Estão todos convidados!

     Thiago Uberreich é apresentador do Jornal da Manhã, da Rádio Pan, que vai ao ar diariamente, das 6 às 10h. Na entrevista que fiz com ele, sábado, Thiago me disse que a Museu da Imagem e do Som do Rio o ajudou bastante nessa busca dos jogos de 1950. O mesmo não pôde dizer sobre a Cinemateca Brasileira e sobre colecionadores que cobraram alto sobre um patrimônio que é, afinal, de propriedade de todos os brasileiros.
Depois da verdadeira batalha para conseguir as partidas, além da enciclopédia que escreveu, Thiago colocou as transmissões no YouTube e no Museu do Futebol em São Paulo, nas dependências do estádio do Pacaembu. Os apaixonados pelo futebol e pelo rádio vão adorar. Ouça um trecho do jogo do Brasil e México, 4 x 0, na Copa de 50.

     Segundo o jornalista Thiago Uberreich, na Copa de 50, aconteceu a primeira comoção pública muito motivada pelo rádio. Em 1938, parece que uma pessoa passou mal quando soube que o Brasil havia perdido para a Itália. Mas nada foi parecido com o que ocorreu no Maracanã no jogo contra o Uruguai. Por sorte, o jornalista entrevistou os jogadores Barbosa, Zizinho, Bauer, e o técnico Flávio Costa, que morreu dias depois  da conversa.
Os quase 200 mil torcedores que lotaram o Maracanã estavam cheios de esperança, mas saíram tristes e decepcionados. Muita gente comparou a derrota do Brasil de 1950 com a de 2014. As duas Copas de fato ocorreram no Brasil, mas, pelo visto, foram bem diferentes. Acho que o 7 a 1 contra a Alemanha foi mais humilhante.


Mineira: o rádio entre montanhas





Rose Esquenazi


    A Rádio Mineira de Belo Horizonte nasceu independente, em 1931 e, anos mais tarde, fez parte da cadeia radiofônica do poderoso grupo Diários Associados, de Assis Chateaubriand. Ouvimos, no início do quadro, algumas vinhetas registradas em 1966, famosas ao longo da vida dessa estação conhecida, no passado, como a PRC-7. Para nos ajudar a contar essa trajetória, consultei o livro “O rádio entre as montanhas. Histórias, teorias e afetos da radiofonia mineira”, que pode ser lido online, gratuitamente. Trata-se de uma coleção de textos de vários pesquisadores, com material organizado pela professora Nair Prata, uma das maiores conhecedoras do rádio no Brasil.

     Em um dos textos do livro, a professora Ângela de Moura escreveu sobre o início da Rádio Mineira, que teve fase experimental em 1929. Quando lembramos que a primeira estação no Brasil começou em 1923, com a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, atual Rádio MEC AM, constatamos que a Mineira não estava tão atrasada assim. Um grupo se reuniu para realizar o sonho de colocar Belo Horizonte no mundo da radiotelegrafia, como eles chamavam a atividade na época.

     O almoxarife Guilherme Manes, o chefe do Serviço Radiotelegráfico de Minas Gerais, Josaphá Florêncio, o chefe do Serviço Radiotelegráfico do Rio de Janeiro, Henrique Silva, e o chefe das oficinas da Imprensa Oficial, Lindolpho Espeschit, fizeram parte desse grupo de pioneiros. Eles começaram com um pequeno aparelho transmissor de ondas curtas, que era uma prática um tanto clandestina, sem licença oficial. Usando material descartado pela Rádio Nacional, pedindo verbas ao governo, os sócios viram que não era possível seguir adiante. Foram que teriam que ir para o Rio, pedir ao presidente, Washington Luis, que desse formalmente a autorização para o funcionamento da Rádio Mineira. O diálogo que se seguiu é curioso.

     O presidente teria perguntado a Lindolpho Espeschit se eles iriam fazer oposição em Minas. A resposta foi categórica: “Não, senhor. É apenas para diversão e música. Nada de política”. Desconfiado, o presidente insistiu, então: “Quem garante isso?” Espeschite respondeu: “Eu. Eu garanto”. Sorrindo, Washington Luís aceitou o pedido e mandou publicar o decreto. Segundo Ângela de Moura, seria um processo lento já que os amigos teriam que investir e comprar todo o equipamento. Só que o presidente não sabia que “o chefe do Serviço Radiotelegráfico de Minas já havia comprado o equipamento desativado da Rádio Nacional”.  Assim nascia a rádio Mineira em Beagá.

     Da fase independente, a Rádio Mineira passou a fazer parte da Taba Radiofônica de Chateaubriand. É claro que teve influência econômica, política, educacional e até religiosa.
Defendia o Partido Liberal e faturou muito, chegando ao auge em meados dos anos 60. Havia conquistado uma excelente audiência na cidade. Chegou a alcançar 85% dos motoristas de táxi em Belo Horizonte.

     As vinhetas combinavam com uma época em que o urbano e o musical se misturavam com o crescimento da frota de automóveis. Como vocês ouviram aqui, havia uma vinheta, que achi no Wikipedia, que dizia "Vamos de automóvel com Plenimúsica, Factorama contando o que acontece. E passa rua, subida descida é Amazonas , Pampulha e Avenida, rodando com mais prazer, Rádio Mineira, Belo Horizonte". E outra vinheta cantada: "Eu guiando dirijo melhor. O tempo passa, as ruas têm mais graça dirigindo, sempre ouvindo Rádio Mineira Belo Horizonte".

     Era isso mesmo: o jornalismo e a música eram os principais ingredientes dessa estação que foi avançada na época. Na frequência de 690 AM, com antena  instalada na Lagoa da Pampulha, foi a primeira estação musical brasileira a usar o sistema de “fourplay”. Quer dizer: quatro blocos de música, separados dos blocos comerciais, conhecidos como ”breaks”. O que já era uma estratégia conhecida nos Estados Unidos, tornou-se novidade aqui antes da existência das rádios FMs.  Quem importou o esquema foi José Mauro, irmão mais novo do cineasta Humberto Mauro. Ele achou que o “fourplay” podia dar certo em Minas Gerais e deu mesmo. Com uma seleção musical muito criteriosa, o diretor José Mauro criou o programa Plenimúsica. Já as notícias eram apresentadas em tom de grande intimidade com o ouvinte, no programa Factorama. A cada 45 minutos de cada hora, os locutores apresentavam um resumo das notícias. Esses programas duraram de 1966 a 1970.

     Em 1976, um discípulo do José Mauro, o Fernando Veiga, transferindo-se para a Rádio Jornal do Brasil e fundou a Rádio Cidade, que manteve esse ambiente intimista com o público. Segundo as minhas pesquisas no YouTube, li um antigo fã dizendo que a Rádio Mineira foi a primeira a tocar uma música de Ed Lincoln, muito curiosa, chamada "Waldemar" do final dos anos 60. 

     Por problemas políticos, a propriedade da Rádio Mineira foi transferida para a Difusora de São Paulo. Durante um tempo ganhou o patrocínio da Varig, o que era muito bom para as finanças. Durante 40 anos, manteve a potência - apenas 10KW. No fim de sua existência, teve que pedir um transmissor emprestado da emissora de Divinópolis.  Nos anos 70, foi vendida para o educador Welington Armanelli, que gostava da operação das rádios AM. Muita água rolou nessa época: as rádios FMs passaram a dominar o dial sendo que as instalações na rua José de Alencar,700, no bairro de Nova Suíça, já tinham ficado precárias. Foram muitas as ações trabalhistas até que a Mineira foi vendida para Gil Costa e Cesar Masci. Sem nenhum sucesso comercial, não tiveram a concessão de operação  renovada em 1997.

    Segundo escreveu o professor Eduardo Meditsch - como a professora Nair Prata, outro grande conhecedor do rádio no Brasil, na apresentação do livro “O rádio entre as montanhas” - o jeito mineiro de contar as histórias evoluiu. Não eram mais os amigos ao pé do fogo, contando causos. O povo passou a ouvir a sua própria história pelo rádio. E isso, segundo Meditsch, deixou muitas saudades.

Programa radiofônico Céu do Brasil





Rose Esquenazi

     Hoje vamos falar de um programa chamado Céu do Brasil, apresentado pela Rádio MEC, de novembro de 1978 a junho de 1979. O idealizador foi o astrônomo Ronaldo de Freitas Mourão, que fundou, em 1984, o Museu de Astronomia e Ciências Afins, em São Cristóvão, Rio de Janeiro. Ronaldo era doutor em Astronomia pela Universidade de Paris e amava o que fazia acima de tudo. Eu me lembro de vê-lo na redação do Jornal do Brasil, onde tinha coluna de astronomia para falar sobre o assunto que poucas pessoas conhecem, mas muito se interessam. Ele também escreveu para os jornais Folha de São Paulo, O Globo e Correio Braziliense. Ronaldo investia na curiosidade dos brasileiros e lançou 60 livros em vida.

     Desde outubro de 2015, no nosso Todas as Vozes, nas quartas-feiras, às 9h10, pesquisadores do Observatório Nacional apresentam temas - na maioria das vezes, ligados à astronomia - no quadro ‘Ciência no Rádio: fenômenos no ar’. É mais uma contribuição da Rádio MEC para os admiradores da astronomia.

     Agora, vamos ouvir um trecho do Céu do Brasil, que foi ao ar no dia 10 de fevereiro de 1979. O roteiro inclui dois locutores e um sonoplasta. Mourão citou trechos de poemas de escritores famosos, o que deu leveza e poesia à atração.  A origem desse programa foi o Projeto Minerva, um marco na programação da MEC. Apesar de os tempos bicudos, durante a ditadura militar, o Minerva produziu conteúdo da mais alta qualidade. Ao todo, foram 30 programas da série ‘Céu do Brasil’ e alguns deles contaram com a locução do jornalista Eliakim Araújo. 

     Atualmente, cariocas continuam observando o céu de vários pontos da cidade.  Podemos citar o Planetário da Gávea, que é municipal, do Museu de Astronomia, instituição federal em São Cristóvão, e do novo point dos astrônomos diletantes: o Istituto Europeo di Design (IED), na Urca. No dia 23/4/2018, a jornalista Simone Cândida, do jornal O Globo, fez uma reportagem sobre esses curiosos que costumam ir à Urca para descobrir os mistérios do Universo. Segundo Simone, eles chegam carregados de telescópios, planisférios de papel e modernos aplicativos de celular. Naquele prédio onde funcionou o Cassino da Urca e, mais tarde, a TV Tupi, é possível ver as estrelas porque ali se tem um ponto   excelente, segundo o presidente do Clube de Astronomia, o astrônomo amador Carlos Ayres. Segundo ele, existem hoje 40 sócios. Na década de 80, eram 600. Ou seja, ainda há lugar para novos associados.

     O Clube de Astronomia, que reúne donas de casa, estudantes, professores e geógrafos, também foi fundado por Ronaldo de Freitas Mourão, em 1970.Mas vamos voltar ao programa Céu do Brasil.  Em uma das primeiras falas, o narrador diz: “As estrelas parecem faróis que no oceano da noite indicam os caminhos aos navegantes do espaço”.  Bastante poético, não é? Consegui o roteiro original do programa e achei curiosas as observações dadas para a técnica da Rádio MEC: “Música com efeito de estrelas cintilando”. Como será isso, Marcus Aurélio? Ronaldo de Freitas Mourão, recolheu outros poemas clássicos, como o de Fernando Pessoa, que diz: “Estrelas que pestanejam frio / Impossível de contar / O coração pulsa alheio / Impossível de escutar”. Bonito, não é?  

     O Planetário da Gávea acaba de reformar a sua cúpula e o público pode visitá-la, a partir das 18h, para fazer a observação do céu. A data da próxima visita será dia 23 de maio, mas haverá outras.  No museu, aberto aos sábados, domingos e feriados, às 16h, tem sessão para as crianças. Às 17h, o filme é para jovens e adultos.  A observação do céu é gratuita, mas essas outras atividades são pagas. O público deve acessar o site do Planetário. Eu mesma fui lá conferir a cúpula reformada no Planetário da Gávea e adorei ver as crateras da lua crescente!

     O Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST), em São Cristóvão, mantém uma agenda variada para os admiradores da matéria. Há observação do céu, palestras e farto material na página do museu. Tem também oficinas, como ASTROmania, com o objetivo de falar sobre os animais e objetos que cruzam os céus. Segundo o site, o tema ‘Voa ou não voa?’ mostra a diferença entre os foguetes que voam e os que apenas atravessam o céu. Com filtros e protetores especiais, os visitantes também podem fazer a Observação do Solde forma segura. É bom saber que as atividades do Museu de Astronomia e Ciências Afins, que fica na Rua General Bruce, 586, são gratuitas. Os que querem levar mais a sério o assunto, podem procurar o grupo chamado Espaço Ciência Viva, NGC-51, que tem sede no bairro da Tijuca.
     Vamos ouvir a voz do professor Ronaldo Rogério de Freitas Mourão, que deu um depoimento ao Programa Um Passeio pelo Céu Especial. Nascido em 1935, no Rio de Janeiro, ele foi o maior astrônomo que o Brasil já teve, ou pelo menos, o seu maior divulgador, deixando um grande legado.  Ele começou a ver as estrelas ainda criança, acompanhando o pai na Praia de Copacabana. Os primeiros artigos de divulgação científica foram publicados na revista Ciência Popular, em 1952. O astrônomo cursou a Universidade do Estado da Guanabara, atual UERJ, e se tornou Bacharel e Licenciado em Física pela Faculdade de Filosofia, Ciência e Letras. Em Paris, ganhou a menção "Très Honorables", sendo que os estudos se concentraram nas estrelas duplas e em corpos distantes do Sistema Solar.  
    Mourão não acreditava em Ufologia e sempre se manifestava contrário às crenças dos ufólogos. Reconhecido por seus pares, ele morreu no dia 25 de julho de 2014, aos 79 anos. Aqui, vamos sair um pouco do rádio para ouvir o programa ‘Um passeio pelo céu’, com apresentação e roteiro de Marcelo Oliveira Souza, disponível no YouTube.


Bando da Lua: sucesso igual ao de Carmen Miranda





Rose Esquenazi

     Um dos primeiros e mais famosos grupos vocais brasileiros foi o Bando da Lua. A música cantada em diferentes vozes, todas harmonizadas, já fazia sucesso nos Estados Unidos, mas aqui era a primeira vez que os músicos faziam esse tipo de vocal. A principal referência era o trio Mills Brothers, que teve como grande sucesso a música Sweet Sue, just you, gravada em 1930.  Deliciosa!

     Assim, jovens que moravam em uma vila no Catete, no Rio, formaram um grupo chamado Bloco do Bimbo. Eram 15 violonistas, três músicos que tocavam banjo e muitos tocavam cavaquinho. Eles costumavam se apresentar nos bailes à fantasia e nas batalhas de confete nos carnavais dos anos 20. Percebendo que eles eram bons músicos, já que haviam vencido um concurso como melhor conjunto do Flamengo, Josué de Barros, o violonista baiano que também descobriu o talento de Carmem Miranda, anos antes, decidiu convidá-los para gravar na Brunswick, em 1931.

     Só que Josué de Barros achou que o conjunto era grande demais e decidiu reduzi-lo para sete componentes.  Os sambas gravados eram “Que tal a vida”, com vocal de Aloysio de Oliveira, e "Tá de mona", gíria que significava "Tá de porre", com vocal de Castro Barbosa. Mais tarde, Castro faria parte do grupo humorístico PRK-20 e depois, PRK-30. Quem nos dá essas e outras informações é o historiador Jairo Severiano, no livro “Uma história da música popular brasileira”. Minha pesquisa também foi enriquecida com o trabalho do jornalista Ruy Castro, que assinou o livro “Carmem. A vida de Carmen Miranda, a brasileira mais famosa do século XX”.

    O conjunto passou a ser chamado de Bando da Lua e assim começou a se apresentar nas rádios da cidade, como Mayrink Veiga, Sociedade e Educadora, ficando conhecido. Ouvimos, no início do quadro o Bando da Lua cantando a música “Linda morena”, de Lamartine Babo.

     Adhemar Casé, diretor da atração mais famosa dos anos 30, na Rádio Philips, decidiu chamá-los para o Programa Casé. Ali estavam os artistas mais populares da época: Noel Rosa, Francisco Alves, Mário Reis, entre outros. No site do Dicionário Musical de Ricardo Cravo Albin, conta-se uma história curiosa. No fim do primeiro programa, sempre ao vivo, Adhemar Casé entregou um envelope com cem mil-réis para os rapazes do Bando da Lua. Eles se recusaram a aceitar o cachê porque achavam que não eram profissionais ainda e porque “cantavam por amor à arte”.

     Só em 1933, os músicos se tornaram profissionais. Alugaram uma sala no Flamengo onde reuniam todo material musical, roupas e informações sobre o grupo. Era lá que eles ensaiavam e cuidavam para que os figurinos fossem impecáveis. Ganharam um contrato da Mayrink Veiga, a melhor emissora da época antes do auge da Nacional.

     O encontro com Carmem Miranda aconteceu em 1930, em uma festa de aniversário. A jovem cantora tinha apenas 21 anos e já fazia sucesso com a música Taí.  Os músicos do Bando da Lua também eram jovens, alguns cariocas, outros cearenses. Na sua primeira formação, estavam:  Aloysio de Oliveira, que tocava violão e era solista, e que, mais tarde, foi namorado de Carmem Miranda; Hélio Jordão Pereira, violonista, os irmãos Osório, Armando, Stênio e Afonso, nos violões, cavaquinho e percussão, Ivo Astolfi, que primeiramente tocou violão e depois violão-tenor e banjo. Com vozes suaves e intimistas, segundo definiu Jairo Severiano, o Bando da Lua gravou “Mangueira”, de Assis Valente e Zequinha Reis, Maria boa, Não quero, não, todas essas pérolas assinadas por Assis Valente. Só de 1931 a 1948, eles gravaram 38 discos de 78 rotações. Uma das músicas dessa primeira fase foi "Mangueira", de Assis Valente e Zequinha Reis, de 1935.

     Segundo Vadeco, apelido de Oswaldo de Moraes Éboli, na entrevista que deu ao jornalista Luiz Antônio Giron, em 2007, o Bando da Lua foi pioneiro porque não cantava em uníssono, como outros grupos. Fazia várias vozes, sendo que inaugurou o arranjo vocal no país. Os músicos eram tão bons que foram convidados para se apresentar na Rádio El Mundo, em Buenos Aires.  Gravaram vários discos nos anos 30, que continham marchas, sambas e fox-trots.

     O cinema estava começando a fazer produções populares e satisfazia a curiosidade do ouvinte que só ouvia dos cantores do rádio e que queria conhecer a imagem dos artistas. O Bando da Lua participou de várias produções nacionais, Alô, alô, Brasil. Estudantes que, infelizmente, se perdeu; Alô, alô, Carnaval.

     O grupo foi se consolidando até ter um grande encontro com Carmem Miranda. Nas excursões para a Argentina, Vadeco adorava mostrar seus dores de bom dançarino no fim das apresentações de maxixe com Carmen Miranda. Mesmo que os rapazes considerassem que podiam fazer os quadros sozinhos, os empresários acharam melhor que eles acompanhassem a Pequena Notável.  O sucesso era imediato. Todos colheram os frutos em terras argentinas e uruguaias, foram muito aplaudidos e copiados.

     No Brasil, durante as negociações para a ida de Carmem para os Estados Unidos, em 1939, Carmem ponderou que não poderia viajar sem um grupo brasileiro. Quais seriam os americanos que saberiam criar a ginga e a cadência do samba?

C     armen pediu ajuda ao presidente Getúlio Vargas, isso porque o empresário Lee Schubert poderia pagar o cachê, mas não as passagens para todos. O presidente, já no Estado Novo, descobriu a saída: eles poderiam se apresentar na Feira Mundial de Nova York. Eles representariam o Brasil no estande nacional e depois ficariam por lá acompanhando Carmen nos shows e no cinema.  O tema da Feira era Futurama. É interessante saber que, ao sair da exposição, o visitante recebia um broche onde se podia ler: Eu vi o futuro, ou seja, I have seen the future! Os músicos não viajaram na primeira classe, como Carmen Miranda, mas sonharam com a carreira internacional. Sabiam que tinham perdido o protagonismo, mas uma nova vida começava.  Ouça, no YouTube, a música “Give me a Band and a Bandana”, do filme “Serenata Boêmia”, de 1944, com o Bando da Lua já participando de uma das oito produções cinematográficas da Brazilian Bombshell.

     Já nos Estados Unidos, havia uma nova composição do Bando da Lua. Depois de uma briga, saíram os irmãos Hélio e Ivo Osório e entraram Aníbal Sardinha, o Garoto, e Laurindo de Almeida, dois excelentes músicos. Foram inúmeras apresentações em boates, shows e filmes que se sucediam.  Muitas vezes, os brasileiros usaram trajes exóticos de rumbeiros, por exemplo, que não tinham nada a ver com o Brasil.  

     Carmem e Aloysio mantiveram um romance, mas eram muito discretos. Na casa enorme e luxuosa de Berverly Hills, na Califórnia, viviam também a mãe, a irmã e o cunhado da atriz. Como Carmem e Aloysio não se casaram, eles viviam em quartos separados. Para a sociedade daquela época, seria grande escândalo ter uma relação assim.

     Em 1942, Hélio voltou ao Brasil e Vadeco permaneceu até 44, quando foi demitido do grupo. Aloysio de Oliveira, que sofria as crises de ciúmes de Carmem, todas justificadas, acabou saindo da mansão e casou-se com a secretária de Walt Disney! Ele decidiu criar um grupo e para isso convidou antigos integrantes dos Anjos do Inferno. O grupo ficou assim, além de Aloysio, estavam Hélio Jordão, substituído por Lulu, violão; Vadeco, pandeiro; Garoto e mais tarde por Nestor Amaral, violão tenor e banjo; Afonso Osório,  depois Harry Vasco de Almeida, na percussão e flauta (piston); Armando Osório, violão e Stênio Osório, cavaquinho. Ganhou o nome de Carioca Serenaders. Ao invés da popular música brasileira, eles partiram para um repertório vocal norte-americano. Com a morte de Carmen Miranda, em 1955, o Bando da Lua se desfez. 

     No Brasil, Aloysio de Oliveira foi diretor da Gravadora Odeon e, em 1963, fundou a Gravadora Elenco, que gravou todos os artistas da Bossa Nova, que estavam aparecendo na época, incluindo Tom Jobim.

     Na entrevista de 2007, Luis Antônio Giron,  Vadeco, já doente, disse que estava escrevendo um livro. Chamava-se “Oswaldo Eboli (Vadeco) - Um amigo de todos”, que – ao que tudo indica - nunca foi lançado. Para o jornalista Giron, ele disse que na vida dele “tudo tinha dado certo na sua atividade artística, pessoal e profissional”. Apesar de só tocar pandeiro e de não saber escrever música, viveu uma época glamourosa do show business brasileiro. Trabalhou em diferentes estações de rádio americanas como jornalista e crítico de cinema.  Último a morrer entre todos do Bando da Lua, Vadeco – que foi amigo de Alzirinha Vargas e que tinha acesso livre ao Palácio do Catete – assumiu: ele era o que menos dava palpite no Bando da Lua. Na Argentina, lembrou-se: “o Bando da Lua fazia tanto sucesso quanto Carmen Miranda.”


Os 80 anos da BBC Brasil - Parte um




Rose Esquenazi

https://www.bbc.com/portuguese/brasil-43385807
     Em homenagem aos 80 anos da criação do Serviço Brasileiro da British Broadcasting Corporation, a BBC, no dia 14 e março, o site da BBC Brasil publicou três reportagens em dezembro de 2017 e março deste ano para contar o trabalho de jornalistas brasileiros que viveram em Londres e na Itália durante a Segunda Guerra. O interessante é que o jornalista Thomas Pappon, responsável pelas pesquisas e pelos textos, conseguiu encontrar vários áudios inéditos que estavam perdidos no acervo da empresa e na Embaixada do Brasil em Londres. Havia ali uma coleção de 36 discos de 78 rpm mostrando um pouco da vida do soldado entre as batalhas travadas com o inimigo. 

     Por feliz coincidência, a minha dissertação de mestrado na História da Cultura da PUC-Rio era sobre Francis Hallawell, o Chico da BBC. E eu já tinha ouvido quase tudo. Alguns áudios, porém, foram surpreendentes. Assim, também fui entrevistada ao lado de outros pesquisadores como o professor Vinicius Mariano de Carvalho, do Brazil Institute do King’s College London, e o historiador Francisco Ferraz, professor de Ciência Política na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

     Depois de tantos anos, chegou o momento de Francis Hallawell ser homenageado. Ele nasceu em Porto Alegre, em 1912, filho e neto de uma família inglesa. Como outros jovens, ele se ofereceu para lutar na guerra. Mas como já estava com 27 anos, em vez da Infantaria, ele foi alocado na BBC. Depois de trabalhar em diferentes funções na maior rádio inglesa, como locutor e roteirista, ele se tornou o único correspondente de rádio do lado brasileiro na Europa. Foi preciso usar tática de guerra para atravessar o mar enfrentando a marinha e aviões nazistas para, enfim, chegar à Itália no meio do conflito.

     Francis realizou um trabalho memorável como vocês podem ler na minha dissertação de mestrado que virou livro chamado “O rádio na Segunda Guerra. Alô, aqui fala Chico da BBC”. Para os que não encontrarem o livro editado pela Editora Insular, lançado em 2014, devem procurar no Youtube as reportagens da BBC Brasil, com o título “Os sons esquecidos dos pracinhas”. Vale a pena: trata-se de um trabalho caprichado.
Antes de os ingleses decidissem mandar uma equipe de duas pessoas para a Itália, para ficar ao lado os soldados e correspondentes brasileiros, foi pedido que os técnicos da BBC desenvolvessem um equipamento para a gravação de discos.

     Sempre me disseram ser de vidro, mas descobri, com a nova reportagem, serem de alumínio leve. Esse estúdio foi montado em uma velha ambulância pelo engenheiro de som Douglas Farley. Era ele quem registrava as reportagens feitas por Chico da BBC já que ficou também responsável pela unidade móvel de gravação.

     Não havia ainda os satélites, assim, depois da gravação, os discos iam de jipe até Florença pelo malote do Exército Americano e de lá eram “irradiados”  para os estúdios da BBC em Londres. Assim que chegava em Londres, o material era gravado em acetato e transmitido para o Brasil em ondas curtas. Chico da BBC, apelido carinhoso conquistado por Francis Hallawell, ficou para sempre, entrevistou soldados, comandantes, cozinheiros, carteiros da FEB revelando o dia a dia dos acampamentos.

     Chico também acompanhou shows de música organizados pelos soldados e  realizados depois da tomada de Monte Castelo, só depois da quarta tentativa, e em outras situações comemorativas. Ele gravou uma missa na Catedral de Pisa, onde os soldados cantaram o Hino Nacional.  Visitou um hospital que recebeu os soldados feridos. Ouvir esses áudios é como voltar no tempo, precisamente para o ano de 1944 e para 1945, quando, enfim, acabou a guerra. 

     Ouça um trecho do programa que nasceu depois da visita do Primeiro Ministro Winston Churchill fez às tropas brasileiras na Itália...


     Toda a imprensa de guerra era censurada, ainda mais com a ditadura de Getúlio Vargas. O que jornalistas como Rubem Braga, do “Diário Carioca”, Joel Silveira e Rui Brandão, dos “Diários Associados”, Egydio Squeff, de O Globo, Thassilo Mitke, da Agência Nacional, e Chico da BBC, entre outros, podiam escrever? Crônicas, o gênero mais carioca que existia. Tratavam do dia a dia dos soldados, o momento de distribuição de cartas, a hora do rango, a música que reproduzia as situações dos programas de calouros dos rádios brasileiros. Eles não podiam fazer jornalismo crítico ou comentar a guerra sob o ponto de vista de alguma derrota, mortos, massacres. Eventualmente, Chico da BBC flagrava um soldado voltando do front e, mesmo cansado, ele falava ao microfone.  Assim, podemos ouvir a voz de Félix que não era bom na concordância no português, mas impressionava pela coragem de ver e enfrentar as bombas caírem na frente de batalha.

Leiam o diálogo que Chico da BBC teve com o soldado Félix.  

Chico: “Ô, Félix, de onde você está chegando?”
Félix: “Eu tô chegando do front.”
Chico:: “Você parece cansado.”
Félix: : “Eu tô o dia sem dormir, tô muito cansado.”
Chico:: “Sem dormir? Mas há quantas horas que você não dorme?”
Félix: : “48 horas.”
Chico:: “Está caindo muita coisa lá na frente?”
Félix: : “Tá caindo muita granada, muita bomba, metralhadora.”

     A Segunda Guerra era o tempo do rádio, mas não só para os soldados, mas também para as mães e pais, filhas, noivas, namoradas que estavam no Brasil esperando notícias dos que foram para a Europa. A Rádio Nacional e outras estações espalhadas pelo país tinham autorização de reproduzir os programas feitos por Chico da BBC, na Itália, e todos os outros realizados pela equipe do Serviço Brasileiro, em Londres. Entre as atrações, havia peças de teatro, programas de variedades, música e noticiário de guerra, é claro. Eram três horas de transmissão que iam ao ar sempre à noite, na época, horário nobre do rádio.

     Os brasileiros confiam nos programas da BBC porque a emissora prima pelo equilíbrio, ao contrário das emissoras brasileiras que estavam sob censura do Departamento de Imprensa e Propaganda, o DIP. As reportagens de Chico da BBC traziam humanidade do front e as famílias ficavam emocionadas com o que ouviam. Eventualmente, podiam lembrar do parente em alguma entrevista.

     Segundo o jornalista Thomas Pappon, “a FEB tinha uma banda de música formada por cerca de 60 músicos. Essa banda”, segundo ele, “se desmembrava em pequenos grupos para tocar em acampamentos e circular com mais facilidade. Uma delas, era a orquestra de jazz, formada pelo pessoal do regimento de São João Del Rey, o 11º, quase imitando uma big band americana.” Vamos apreciar o coro brasileiro formado pelos soldados cantando o “Hino Nacional” cantado na Catedral de Pisa. Dá para ouvir uma bomba alemã estourando do lado de fora da Catedral, no dia 29 de outubro de 1944.