segunda-feira, 6 de agosto de 2018

Fernando Lobo: radialista boêmio


Rose Esquenazi




 

 

     Hoje, vamos falar de Fernando Lobo, jornalista, escritor, compositor, redator de shows, diretor de rádio, amante da noite e grande namorador. Fernando compôs poucas músicas, entre elas, pérolas como Zum, zum, com coautoria de Paulo Soledade, e Chuvas de verão que se tornou um clássico da música popular brasileira.

 

     Zum, zum fazia homenagem ao comandante Carlos Eduardo de Oliveira, da Panair do Brasil. Ele fazia parte do grupo Turma dos Cafajeste, que provocava tempestades, bagunças e confusões no tempo em que o Rio de Janeiro ainda era Capital Federal. Era então a cidade de funcionários públicos que podiam curtir as boates, dormir tarde, depois de muitas doses de uísque falsificado, e acordar na hora do almoço. Ninguém parecia ligar para os atrasos.

 

      Carlos Eduardo morreu em um acidente aéreo e deixou grande tristeza na Turma dos Cafajestes, que incluía Fernando Lobo. A primeira pessoa que gravou Zum-zum foi Dalva de Oliveira, grande sucesso do carnaval de 1951. Depois, a música ganhou outros intérpretes, como  Edu Lobo, filho do compositor, nessa versão que acabamos de ouvir.

 

      Na época, Fernando Lobo era redator da Rádio Nacional e estava sempre cercado de amigos brilhantes como Renato Murce, Haroldo Barbosa e Evaldo Rui. Mas até chegar à Nacional e à Rádio Tamoio, o recifense, nascido em 26 de julho de 1915, passou por muitas outras experiências.


     Fernando de Castro Lobo nasceu em Campina Grande, na Paraíba, e logo se interessou por música. Vivia em uma casa musical: a mãe tocava bandolim e a tia, piano. O menino começou a tocar piano com Capiba, grande instrumentista, que seria, no futuro, pai do músico do mesmo nome que ficou famoso anos mais tarde. A família foi e voltou do Recife algumas vezes. Fernando decidiu  estudar direito, mas não resistiu ao apelo da orquestra Jazz Band Acadêmica Pernambuco, onde foi crooner e violinista. Não ficou muito tempo. Compôs com Nelson Ferreira, em 1935,  o frevo-canção Pare, olhe, escute e goste. Ouça a gravação histórica, dando um desconto aos chiados, marcas de outros tempos. Foi a única vez que ele gravou. As outras, ele pediu que grandes compositores dessem conta do difícil recado.

 


     Fernando Lobo conseguiu que o cantor Nuno Roland gravasse o frevo chamado Alegria, em 1936. Em 1939, estava morando no Rio de Janeiro, dividindo o apartamento na Rua do Passeio com outros pernambucanos: Abelardo Barbosa, futuro Chacrinha, o artista plástico e educador Augusto Rodrigues, o escritor e jornalista Antonio Maria e o speaker das corridas de cavalo, Theóphilo de Vasconcelos. O apartamento era tão apertado que não era possível todos dormirem no local ao mesmo tempo. Mas eram igualmente talentosos. Para viver, Fernando Lobo começou a trabalhar nas revistas Carioca, O Cruzeiro e A Cigarra. Era um bom jornalista, crítico e observador. Logo, passou a assinar coluna onde ele descrevia o que via nas inúmeras boates e que tinha muito a ver com o mundo glamouroso do rádio.

 

     Fernando Lobo teve uma experiência formidável em 1945. Ele foi convidado a morar nos Estados Unidos onde trabalhou na CBS e NBC, grandes redes de rádio e TV. De volta ao Brasil, tornou-se diretor da Rádio Tamoio. Em 1927, a Tamoio ainda se chamava Rádio Educadora do Brasil. Em 1944, passou para o grupo dos Diários Associados, de Assis Chateaubriand. Foi ali que Abelardo Barbosa começou a carreira artística. Um incêndio interrompeu as transmissões não só da Tamoio, mas também da Tupi.

 

     Depois da recuperação, a Tamoio começou a competir com a Nacional, só que era muito mais popular. A lista de estrelas era diferente: Ademilde Fonseca, Claudete Soares, Fernando Garcia, Haydeé Miranda, Dóris Monteiro, Lana Bittencourt, Lúcio Alves. É uma pena não ter ficado nenhum fragmento dessas atrações para mostrar aqui. Com o tempo, Chateaubriand investiu muito nos programas musicais: Músicas na PassarelaMúsicas na BerlindaEm Cada Coração, Uma CançãoMúsica PopsRiquezas Mil Deste Brasil e muitos outros. Fernando Lobo trabalhou ali e, com Antonio Maria, compôs Ninguém me ama, parceria contestada mais tarde. Mais isso a gente já contou aqui em outra ocasião. Ouça a música Saudade, uma parceria de Dorival Caymmi de 1947, interpretada por Orlando Silva.

 


     No site de Luis Nassif, e a partir da biografia autorizada de Edu Lobo,  descobre-se que os pais do músico se casaram em 1942. Mas Fernando Lobo se separou um ano depois de Maria do Carmo, sem reconhecer a paternidade de Edu Lobo. O fato causou um trauma no jovem que chegou a ser recusado em algumas escolas do Rio de Janeiro. Antigamente, o filho que não tinha o pai declarado, o desquite e a separação, tudo isso era considerado vexaminoso. Edu preferia dizer que o pai havia morrido na Segunda Guerra. Com o tempo, as coisas se acertaram e os pais voltaram a ficar juntos quando Edu tinha 17 anos. Mas ele só conheceu o pai, de fato, aos 10.

Para o carnaval de 1950, Fernando Lobo compôs o samba "Nega maluca", com Evaldo Rui. O sucesso na voz de Linda Batista seria considerada hoje  politicamente incorreta. Talvez, inconscientemente, Fernando queria fugir de suas responsabilidades com o filho. A música foi escrita três anos antes de assumir Edu Lobo.

Tava jogando sinuca/Uma nega maluca/Me apareceu/Vinha com um filho no colo

E dizia pro povo/Que o filho era meu, não senhor/Tome que o filho é seu, não senhor
Pegue o que Deus lhe deu, não senhor

     Vamos voltar para o fim dos anos 40 e os anos 50, tempo do samba-canção. No livro de Ruy Castro, A noite do meu bem, nome de Fernando Lobo é citado várias vezes. Havia então outro grupo de boêmios, como os jornalistas Joel Silveira, Rubem Braga, Haroldo Barbosa, Sérgio Porto. Fernando Lobo e Rubem Braga conseguiam ficar na boate Vogue até as 9h da manhã, mesmo que cochilassem na mesa. Havia tantas boates, que umas competiam com as outros. .Nas palavras do colunista Lobo, uma podia ter a comida ruim,  o pior uísque do planeta. Um palquinho podia receber jovens talentos que , é claro, iriam acabar cantando ou tocando em alguma estação de rádio. Foi o que aconteceu com o pianista desconhecido chamado Tom Jobim. Ele passou a se apresentar no Clube da Chave, boate do Posto Seis. Todos os donos, inclusive Fernando Lobo, tinham a chave da porta. Era só entrar, sentar, pedir uma bebida e ouvir a mais famosa cantora da época, Linda Batista, ou Aracy de Almeida. Elas eram as únicas mulheres que podiam ir desacompanhadas à boate. Era uma boate privada!

 

     Da safra de Lobo fazem parte o samba-canção Quanto tempo faz e a rumba Nasci para bailar, com Marlene. 


     Curiosamente, no III Festival da MPB, de 1967, que consagrou tantos músicos maravilhosos, pai e filho concorreram separadamente. Os dois ficaram entre os finalistas, só que Edu ganhou o Festival com Ponteio. O pai em parceria de João Mello, concorreu com a música Diana pastora. A obra do Edu é bem mais bonita! 

     Em 1991, Fernando Lobo escreveu o livro  À mesa do Vilariño. O bar que ainda existe no Centro do Rio (Av. Calógeras, 6)  e era frequentado por artistas e compositores da época. Ary Barroso, Lúcio Rangel, Antônio Maria, Sérgio Porto,  Lígia Clark viviam lá, assim  como  Vinicius de Moraes que convidou Tom Jobim para escrever com ele a ópera Orfeu da Conceição. Ali também nasceu a Bossa Nova. Fernando Lobo morreu no Rio, em 22 de dezembro de 1996, aos 81 anos. Na opinião de Ruy Castro, a sua música mais bela foi Chuvas de verão, sucesso na voz de Chico Alves, em 1949.
Podemos ser amigos simplesmente/Coisas do amor nunca mais
Amores do passado, no presente/Repetem velhos temas tão banais/Ressentimentos passam com o vento/São coisas de momento/São chuvas de verão
Trazer uma aflição dentro do peito/É dar vida a um defeito
Que se extingue com a razão/Estranha no meu peito
Estranha na minha alma/Agora eu tenho calma/Não te desejo mais
Ouça  Chuvas de verão na linda na voz de Orlando Silva.



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