Rose Esquenazi
Hoje, vamos falar de Fernando Lobo,
jornalista, escritor, compositor, redator de shows, diretor de rádio, amante da
noite e grande namorador. Fernando compôs poucas músicas, entre elas, pérolas
como Zum, zum,
com coautoria de Paulo Soledade, e Chuvas
de verão que se tornou um clássico da música popular brasileira.
Zum,
zum fazia homenagem ao
comandante Carlos Eduardo de Oliveira, da Panair do Brasil. Ele fazia parte do
grupo Turma dos Cafajeste, que provocava tempestades, bagunças e confusões no
tempo em que o Rio de Janeiro ainda era Capital Federal. Era então a cidade de
funcionários públicos que podiam curtir as boates, dormir tarde, depois de
muitas doses de uísque falsificado, e acordar na hora do almoço. Ninguém
parecia ligar para os atrasos.
Carlos Eduardo morreu em um acidente aéreo e
deixou grande tristeza na Turma dos Cafajestes, que incluía Fernando Lobo. A
primeira pessoa que gravou Zum-zum
foi Dalva de Oliveira, grande sucesso do carnaval de 1951. Depois, a música
ganhou outros intérpretes, como Edu
Lobo, filho do compositor, nessa versão que acabamos de ouvir.
Na época, Fernando Lobo era redator da Rádio
Nacional e estava sempre cercado de amigos brilhantes como Renato Murce, Haroldo
Barbosa e Evaldo Rui. Mas até chegar à Nacional e à Rádio Tamoio, o recifense,
nascido em 26 de julho de 1915, passou por muitas outras experiências.
Fernando de Castro Lobo nasceu em Campina Grande, na Paraíba, e logo se
interessou por música. Vivia em uma casa musical: a mãe tocava bandolim e a tia,
piano. O menino começou a tocar piano com Capiba, grande instrumentista, que
seria, no futuro, pai do músico do mesmo nome que ficou famoso anos mais tarde.
A família foi e voltou do Recife algumas vezes. Fernando decidiu estudar direito, mas não resistiu ao apelo da
orquestra Jazz Band Acadêmica Pernambuco, onde foi crooner e violinista. Não
ficou muito tempo. Compôs com Nelson Ferreira, em 1935, o frevo-canção Pare, olhe, escute e goste. Ouça a gravação histórica,
dando um desconto aos chiados, marcas de outros tempos. Foi a única vez que ele
gravou. As outras, ele pediu que grandes compositores dessem conta do difícil
recado.
Fernando Lobo conseguiu que o cantor Nuno Roland gravasse o frevo chamado Alegria, em 1936. Em
1939, estava morando no Rio de Janeiro, dividindo o apartamento na Rua do
Passeio com outros pernambucanos: Abelardo Barbosa, futuro Chacrinha, o artista
plástico e educador Augusto Rodrigues, o escritor e jornalista Antonio Maria e o
speaker das corridas de cavalo, Theóphilo de Vasconcelos. O apartamento era tão
apertado que não era possível todos dormirem no local ao mesmo tempo. Mas eram igualmente
talentosos. Para viver, Fernando Lobo começou a trabalhar nas revistas Carioca, O Cruzeiro e A Cigarra. Era um bom jornalista, crítico
e observador. Logo, passou a assinar coluna onde ele descrevia o que via nas
inúmeras boates e que tinha muito a ver com o mundo glamouroso do rádio.
Fernando Lobo teve uma experiência formidável
em 1945. Ele foi convidado a morar nos Estados Unidos onde trabalhou na CBS e
NBC, grandes redes de rádio e TV. De volta ao Brasil, tornou-se diretor da
Rádio Tamoio. Em 1927, a Tamoio ainda se chamava Rádio Educadora do Brasil. Em
1944, passou para o grupo dos Diários Associados, de Assis Chateaubriand. Foi
ali que Abelardo Barbosa começou a carreira artística. Um incêndio interrompeu
as transmissões não só da Tamoio, mas também da Tupi.
Depois da recuperação, a Tamoio começou a
competir com a Nacional, só que era muito mais popular. A lista de estrelas era diferente: Ademilde Fonseca, Claudete Soares, Fernando Garcia, Haydeé Miranda, Dóris Monteiro, Lana Bittencourt, Lúcio Alves. É
uma pena não ter ficado nenhum fragmento dessas atrações para mostrar aqui. Com
o tempo, Chateaubriand investiu muito nos programas musicais: Músicas na
Passarela, Músicas na Berlinda, Em Cada Coração, Uma
Canção, Música Pops, Riquezas Mil Deste Brasil e
muitos outros. Fernando Lobo trabalhou ali e, com Antonio
Maria, compôs Ninguém me ama,
parceria contestada mais tarde. Mais isso a gente já contou aqui em outra
ocasião. Ouça a música Saudade, uma parceria de Dorival
Caymmi de 1947, interpretada por Orlando Silva.
No site de Luis Nassif, e a
partir da biografia autorizada de Edu Lobo,
descobre-se que os pais do músico se casaram em 1942. Mas Fernando Lobo
se separou um ano depois de Maria do Carmo, sem reconhecer a paternidade de Edu
Lobo. O fato causou um trauma no jovem que chegou a ser recusado em algumas
escolas do Rio de Janeiro. Antigamente, o filho que não tinha o pai declarado, o
desquite e a separação, tudo isso era considerado vexaminoso. Edu preferia
dizer que o pai havia morrido na Segunda Guerra. Com
o tempo, as coisas se acertaram e os pais voltaram a ficar juntos quando Edu tinha
17 anos. Mas ele só conheceu o pai, de fato, aos 10.
Para o carnaval
de 1950, Fernando Lobo compôs o samba "Nega maluca", com Evaldo Rui.
O sucesso na voz de Linda Batista seria considerada hoje politicamente incorreta. Talvez,
inconscientemente, Fernando queria fugir de suas responsabilidades com o filho.
A música foi escrita três anos antes de assumir Edu Lobo.
Tava jogando sinuca/Uma nega maluca/Me
apareceu/Vinha com um filho no colo
E dizia pro povo/Que o filho era meu, não senhor/Tome que o filho é seu, não senhor
Pegue o que Deus lhe deu, não senhor
E dizia pro povo/Que o filho era meu, não senhor/Tome que o filho é seu, não senhor
Pegue o que Deus lhe deu, não senhor
Vamos voltar para o fim dos anos 40 e os anos 50, tempo do samba-canção.
No livro de Ruy Castro, A noite do meu
bem, nome de Fernando Lobo é citado várias vezes. Havia então outro grupo
de boêmios, como os jornalistas Joel Silveira, Rubem Braga, Haroldo Barbosa,
Sérgio Porto. Fernando Lobo e Rubem Braga conseguiam ficar na boate Vogue até
as 9h da manhã, mesmo que cochilassem na mesa. Havia tantas boates, que umas competiam
com as outros. .Nas palavras do colunista Lobo, uma podia ter a comida ruim, o pior uísque do planeta. Um palquinho podia
receber jovens talentos que , é claro, iriam acabar cantando ou tocando em
alguma estação de rádio. Foi o que aconteceu com o pianista desconhecido
chamado Tom Jobim. Ele passou a se apresentar no Clube da Chave, boate do Posto
Seis. Todos os donos, inclusive Fernando Lobo, tinham a chave da porta. Era só
entrar, sentar, pedir uma bebida e ouvir a mais famosa cantora da época, Linda
Batista, ou Aracy de Almeida. Elas eram as únicas mulheres que podiam ir
desacompanhadas à boate. Era uma boate privada!
Da safra de Lobo fazem parte o samba-canção Quanto tempo faz e a rumba Nasci para bailar, com Marlene.
Curiosamente, no III Festival da MPB, de 1967, que consagrou
tantos músicos maravilhosos, pai e filho concorreram separadamente. Os dois
ficaram entre os finalistas, só que Edu ganhou o Festival com Ponteio. O pai em parceria de João Mello, concorreu com a música Diana pastora. A obra do Edu é bem mais
bonita!
Em 1991,
Fernando Lobo escreveu o livro À mesa do Vilariño. O bar que ainda
existe no Centro do Rio (Av. Calógeras, 6) e era frequentado por artistas e compositores
da época. Ary Barroso, Lúcio Rangel, Antônio Maria, Sérgio Porto, Lígia Clark viviam lá, assim como Vinicius de Moraes que convidou Tom Jobim para
escrever com ele a ópera Orfeu da
Conceição. Ali também nasceu a Bossa Nova. Fernando Lobo morreu no Rio, em 22 de
dezembro de 1996, aos 81 anos. Na opinião de Ruy Castro, a sua música mais bela
foi Chuvas de verão, sucesso na voz de Chico
Alves, em 1949.
Podemos ser amigos simplesmente/Coisas do amor nunca
mais
Amores do passado, no presente/Repetem velhos temas tão banais/Ressentimentos passam com o vento/São coisas de momento/São chuvas de verão
Amores do passado, no presente/Repetem velhos temas tão banais/Ressentimentos passam com o vento/São coisas de momento/São chuvas de verão
Trazer uma aflição dentro do peito/É dar vida a um
defeito
Que se extingue com a razão/Estranha no meu peito
Estranha na minha alma/Agora eu tenho calma/Não te desejo mais
Que se extingue com a razão/Estranha no meu peito
Estranha na minha alma/Agora eu tenho calma/Não te desejo mais
Ouça Chuvas de verão na linda na voz de Orlando Silva.
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