terça-feira, 7 de agosto de 2018

Bando da Lua: sucesso igual ao de Carmen Miranda





Rose Esquenazi

     Um dos primeiros e mais famosos grupos vocais brasileiros foi o Bando da Lua. A música cantada em diferentes vozes, todas harmonizadas, já fazia sucesso nos Estados Unidos, mas aqui era a primeira vez que os músicos faziam esse tipo de vocal. A principal referência era o trio Mills Brothers, que teve como grande sucesso a música Sweet Sue, just you, gravada em 1930.  Deliciosa!

     Assim, jovens que moravam em uma vila no Catete, no Rio, formaram um grupo chamado Bloco do Bimbo. Eram 15 violonistas, três músicos que tocavam banjo e muitos tocavam cavaquinho. Eles costumavam se apresentar nos bailes à fantasia e nas batalhas de confete nos carnavais dos anos 20. Percebendo que eles eram bons músicos, já que haviam vencido um concurso como melhor conjunto do Flamengo, Josué de Barros, o violonista baiano que também descobriu o talento de Carmem Miranda, anos antes, decidiu convidá-los para gravar na Brunswick, em 1931.

     Só que Josué de Barros achou que o conjunto era grande demais e decidiu reduzi-lo para sete componentes.  Os sambas gravados eram “Que tal a vida”, com vocal de Aloysio de Oliveira, e "Tá de mona", gíria que significava "Tá de porre", com vocal de Castro Barbosa. Mais tarde, Castro faria parte do grupo humorístico PRK-20 e depois, PRK-30. Quem nos dá essas e outras informações é o historiador Jairo Severiano, no livro “Uma história da música popular brasileira”. Minha pesquisa também foi enriquecida com o trabalho do jornalista Ruy Castro, que assinou o livro “Carmem. A vida de Carmen Miranda, a brasileira mais famosa do século XX”.

    O conjunto passou a ser chamado de Bando da Lua e assim começou a se apresentar nas rádios da cidade, como Mayrink Veiga, Sociedade e Educadora, ficando conhecido. Ouvimos, no início do quadro o Bando da Lua cantando a música “Linda morena”, de Lamartine Babo.

     Adhemar Casé, diretor da atração mais famosa dos anos 30, na Rádio Philips, decidiu chamá-los para o Programa Casé. Ali estavam os artistas mais populares da época: Noel Rosa, Francisco Alves, Mário Reis, entre outros. No site do Dicionário Musical de Ricardo Cravo Albin, conta-se uma história curiosa. No fim do primeiro programa, sempre ao vivo, Adhemar Casé entregou um envelope com cem mil-réis para os rapazes do Bando da Lua. Eles se recusaram a aceitar o cachê porque achavam que não eram profissionais ainda e porque “cantavam por amor à arte”.

     Só em 1933, os músicos se tornaram profissionais. Alugaram uma sala no Flamengo onde reuniam todo material musical, roupas e informações sobre o grupo. Era lá que eles ensaiavam e cuidavam para que os figurinos fossem impecáveis. Ganharam um contrato da Mayrink Veiga, a melhor emissora da época antes do auge da Nacional.

     O encontro com Carmem Miranda aconteceu em 1930, em uma festa de aniversário. A jovem cantora tinha apenas 21 anos e já fazia sucesso com a música Taí.  Os músicos do Bando da Lua também eram jovens, alguns cariocas, outros cearenses. Na sua primeira formação, estavam:  Aloysio de Oliveira, que tocava violão e era solista, e que, mais tarde, foi namorado de Carmem Miranda; Hélio Jordão Pereira, violonista, os irmãos Osório, Armando, Stênio e Afonso, nos violões, cavaquinho e percussão, Ivo Astolfi, que primeiramente tocou violão e depois violão-tenor e banjo. Com vozes suaves e intimistas, segundo definiu Jairo Severiano, o Bando da Lua gravou “Mangueira”, de Assis Valente e Zequinha Reis, Maria boa, Não quero, não, todas essas pérolas assinadas por Assis Valente. Só de 1931 a 1948, eles gravaram 38 discos de 78 rotações. Uma das músicas dessa primeira fase foi "Mangueira", de Assis Valente e Zequinha Reis, de 1935.

     Segundo Vadeco, apelido de Oswaldo de Moraes Éboli, na entrevista que deu ao jornalista Luiz Antônio Giron, em 2007, o Bando da Lua foi pioneiro porque não cantava em uníssono, como outros grupos. Fazia várias vozes, sendo que inaugurou o arranjo vocal no país. Os músicos eram tão bons que foram convidados para se apresentar na Rádio El Mundo, em Buenos Aires.  Gravaram vários discos nos anos 30, que continham marchas, sambas e fox-trots.

     O cinema estava começando a fazer produções populares e satisfazia a curiosidade do ouvinte que só ouvia dos cantores do rádio e que queria conhecer a imagem dos artistas. O Bando da Lua participou de várias produções nacionais, Alô, alô, Brasil. Estudantes que, infelizmente, se perdeu; Alô, alô, Carnaval.

     O grupo foi se consolidando até ter um grande encontro com Carmem Miranda. Nas excursões para a Argentina, Vadeco adorava mostrar seus dores de bom dançarino no fim das apresentações de maxixe com Carmen Miranda. Mesmo que os rapazes considerassem que podiam fazer os quadros sozinhos, os empresários acharam melhor que eles acompanhassem a Pequena Notável.  O sucesso era imediato. Todos colheram os frutos em terras argentinas e uruguaias, foram muito aplaudidos e copiados.

     No Brasil, durante as negociações para a ida de Carmem para os Estados Unidos, em 1939, Carmem ponderou que não poderia viajar sem um grupo brasileiro. Quais seriam os americanos que saberiam criar a ginga e a cadência do samba?

C     armen pediu ajuda ao presidente Getúlio Vargas, isso porque o empresário Lee Schubert poderia pagar o cachê, mas não as passagens para todos. O presidente, já no Estado Novo, descobriu a saída: eles poderiam se apresentar na Feira Mundial de Nova York. Eles representariam o Brasil no estande nacional e depois ficariam por lá acompanhando Carmen nos shows e no cinema.  O tema da Feira era Futurama. É interessante saber que, ao sair da exposição, o visitante recebia um broche onde se podia ler: Eu vi o futuro, ou seja, I have seen the future! Os músicos não viajaram na primeira classe, como Carmen Miranda, mas sonharam com a carreira internacional. Sabiam que tinham perdido o protagonismo, mas uma nova vida começava.  Ouça, no YouTube, a música “Give me a Band and a Bandana”, do filme “Serenata Boêmia”, de 1944, com o Bando da Lua já participando de uma das oito produções cinematográficas da Brazilian Bombshell.

     Já nos Estados Unidos, havia uma nova composição do Bando da Lua. Depois de uma briga, saíram os irmãos Hélio e Ivo Osório e entraram Aníbal Sardinha, o Garoto, e Laurindo de Almeida, dois excelentes músicos. Foram inúmeras apresentações em boates, shows e filmes que se sucediam.  Muitas vezes, os brasileiros usaram trajes exóticos de rumbeiros, por exemplo, que não tinham nada a ver com o Brasil.  

     Carmem e Aloysio mantiveram um romance, mas eram muito discretos. Na casa enorme e luxuosa de Berverly Hills, na Califórnia, viviam também a mãe, a irmã e o cunhado da atriz. Como Carmem e Aloysio não se casaram, eles viviam em quartos separados. Para a sociedade daquela época, seria grande escândalo ter uma relação assim.

     Em 1942, Hélio voltou ao Brasil e Vadeco permaneceu até 44, quando foi demitido do grupo. Aloysio de Oliveira, que sofria as crises de ciúmes de Carmem, todas justificadas, acabou saindo da mansão e casou-se com a secretária de Walt Disney! Ele decidiu criar um grupo e para isso convidou antigos integrantes dos Anjos do Inferno. O grupo ficou assim, além de Aloysio, estavam Hélio Jordão, substituído por Lulu, violão; Vadeco, pandeiro; Garoto e mais tarde por Nestor Amaral, violão tenor e banjo; Afonso Osório,  depois Harry Vasco de Almeida, na percussão e flauta (piston); Armando Osório, violão e Stênio Osório, cavaquinho. Ganhou o nome de Carioca Serenaders. Ao invés da popular música brasileira, eles partiram para um repertório vocal norte-americano. Com a morte de Carmen Miranda, em 1955, o Bando da Lua se desfez. 

     No Brasil, Aloysio de Oliveira foi diretor da Gravadora Odeon e, em 1963, fundou a Gravadora Elenco, que gravou todos os artistas da Bossa Nova, que estavam aparecendo na época, incluindo Tom Jobim.

     Na entrevista de 2007, Luis Antônio Giron,  Vadeco, já doente, disse que estava escrevendo um livro. Chamava-se “Oswaldo Eboli (Vadeco) - Um amigo de todos”, que – ao que tudo indica - nunca foi lançado. Para o jornalista Giron, ele disse que na vida dele “tudo tinha dado certo na sua atividade artística, pessoal e profissional”. Apesar de só tocar pandeiro e de não saber escrever música, viveu uma época glamourosa do show business brasileiro. Trabalhou em diferentes estações de rádio americanas como jornalista e crítico de cinema.  Último a morrer entre todos do Bando da Lua, Vadeco – que foi amigo de Alzirinha Vargas e que tinha acesso livre ao Palácio do Catete – assumiu: ele era o que menos dava palpite no Bando da Lua. Na Argentina, lembrou-se: “o Bando da Lua fazia tanto sucesso quanto Carmen Miranda.”


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