Rose Esquenazi
Um dos primeiros e mais famosos grupos vocais brasileiros foi o Bando da
Lua. A música cantada em diferentes vozes, todas harmonizadas, já fazia sucesso
nos Estados Unidos, mas aqui era a primeira vez que os músicos faziam esse tipo
de vocal. A principal referência era o trio Mills Brothers, que teve como
grande sucesso a música Sweet Sue, just
you, gravada em 1930. Deliciosa!
Assim, jovens que moravam em uma vila no Catete, no Rio, formaram um
grupo chamado Bloco do Bimbo. Eram 15 violonistas, três músicos que tocavam
banjo e muitos tocavam cavaquinho. Eles costumavam se apresentar nos bailes à
fantasia e nas batalhas de confete nos carnavais dos anos 20. Percebendo que
eles eram bons músicos, já que haviam vencido um concurso como melhor conjunto
do Flamengo, Josué de Barros, o violonista baiano que também descobriu o
talento de Carmem Miranda, anos antes, decidiu convidá-los para gravar na
Brunswick, em 1931.
Só que Josué de Barros achou que o conjunto era grande demais e decidiu
reduzi-lo para sete componentes. Os
sambas gravados eram “Que tal a vida”, com vocal de Aloysio de Oliveira, e "Tá de mona", gíria que significava "Tá
de porre", com vocal de Castro Barbosa. Mais tarde, Castro faria parte do grupo
humorístico PRK-20 e depois, PRK-30. Quem nos dá essas e outras informações
é o historiador Jairo Severiano, no livro “Uma história da música popular
brasileira”. Minha pesquisa também foi enriquecida com o trabalho do jornalista
Ruy Castro, que assinou o livro “Carmem. A vida de Carmen Miranda, a brasileira
mais famosa do século XX”.
O conjunto passou a ser chamado de Bando da Lua e assim começou a se
apresentar nas rádios da cidade, como Mayrink Veiga, Sociedade e Educadora, ficando
conhecido. Ouvimos, no início do quadro o Bando da Lua cantando a música “Linda
morena”, de Lamartine Babo.
Adhemar Casé, diretor da atração mais famosa dos anos 30, na Rádio
Philips, decidiu chamá-los para o Programa Casé. Ali estavam os artistas mais
populares da época: Noel Rosa, Francisco Alves, Mário Reis, entre outros. No
site do Dicionário Musical de Ricardo Cravo Albin, conta-se uma história
curiosa. No fim do primeiro programa, sempre ao vivo, Adhemar Casé entregou um
envelope com cem mil-réis para os rapazes do Bando da Lua. Eles se recusaram a
aceitar o cachê porque achavam que não eram profissionais ainda e porque
“cantavam por amor à arte”.
Só em 1933, os músicos se tornaram profissionais. Alugaram uma sala no
Flamengo onde reuniam todo material musical, roupas e informações sobre o
grupo. Era lá que eles ensaiavam e cuidavam para que os figurinos fossem
impecáveis. Ganharam um contrato da Mayrink Veiga, a melhor emissora da época
antes do auge da Nacional.
O encontro com Carmem Miranda aconteceu em 1930, em uma festa de
aniversário. A jovem cantora tinha apenas 21 anos e já fazia sucesso com a
música Taí. Os músicos do Bando da Lua também
eram jovens, alguns cariocas, outros cearenses. Na sua primeira formação,
estavam: Aloysio de Oliveira, que tocava
violão e era solista, e que, mais tarde, foi namorado de Carmem Miranda; Hélio
Jordão Pereira, violonista, os irmãos Osório, Armando, Stênio e Afonso, nos
violões, cavaquinho e percussão, Ivo Astolfi, que primeiramente tocou violão e
depois violão-tenor e banjo. Com vozes suaves e intimistas, segundo definiu
Jairo Severiano, o Bando da Lua gravou “Mangueira”, de Assis Valente e Zequinha
Reis, Maria boa, Não quero, não, todas essas pérolas assinadas por Assis
Valente. Só de 1931 a 1948, eles gravaram 38 discos de 78 rotações. Uma das músicas dessa primeira fase foi "Mangueira", de Assis Valente e Zequinha Reis, de 1935.
Segundo Vadeco, apelido de Oswaldo de Moraes Éboli, na entrevista que
deu ao jornalista Luiz Antônio Giron, em 2007, o Bando da Lua foi pioneiro
porque não cantava em uníssono, como outros grupos. Fazia várias vozes, sendo
que inaugurou o arranjo vocal no país. Os músicos eram tão bons que foram convidados
para se apresentar na Rádio El Mundo, em Buenos Aires. Gravaram vários discos nos anos 30, que
continham marchas, sambas e fox-trots.
O cinema estava começando a fazer produções populares e
satisfazia a curiosidade do ouvinte que só ouvia dos cantores do rádio e que
queria conhecer a imagem dos artistas. O Bando da Lua participou de várias
produções nacionais, Alô, alô, Brasil. Estudantes que, infelizmente, se perdeu;
Alô, alô, Carnaval.
O grupo foi se consolidando até ter um grande encontro com Carmem
Miranda. Nas excursões para a Argentina, Vadeco
adorava mostrar seus dores de bom dançarino no fim das apresentações de maxixe
com Carmen Miranda. Mesmo que os rapazes considerassem que podiam fazer os
quadros sozinhos, os empresários acharam melhor que eles acompanhassem a
Pequena Notável. O sucesso era imediato.
Todos colheram os frutos em terras argentinas e uruguaias, foram muito
aplaudidos e copiados.
No Brasil, durante as negociações
para a ida de Carmem para os Estados Unidos, em 1939, Carmem ponderou que não
poderia viajar sem um grupo brasileiro. Quais seriam os americanos que saberiam
criar a ginga e a cadência do samba?
C armen pediu ajuda ao presidente Getúlio Vargas, isso porque o
empresário Lee Schubert poderia pagar o cachê, mas não as passagens para todos.
O presidente, já no Estado Novo, descobriu a saída: eles poderiam se apresentar
na Feira Mundial de Nova York. Eles representariam o Brasil no estande nacional
e depois ficariam por lá acompanhando Carmen nos shows e no cinema. O tema da Feira era Futurama. É interessante
saber que, ao sair da exposição, o visitante recebia um broche onde se podia
ler: Eu vi o futuro, ou seja, I have seen the future! Os músicos não viajaram
na primeira classe, como Carmen Miranda, mas sonharam com a carreira
internacional. Sabiam que tinham perdido o protagonismo, mas uma nova vida
começava. Ouça, no YouTube, a música “Give
me a Band and a Bandana”, do filme “Serenata Boêmia”, de 1944, com o Bando da Lua já participando de uma das oito produções
cinematográficas da Brazilian Bombshell.
Já nos Estados
Unidos, havia uma nova composição do Bando da Lua. Depois de uma briga, saíram
os irmãos Hélio e Ivo Osório e entraram Aníbal Sardinha, o Garoto, e Laurindo
de Almeida, dois excelentes músicos. Foram inúmeras apresentações em boates, shows
e filmes que se sucediam. Muitas vezes,
os brasileiros usaram trajes exóticos de rumbeiros, por exemplo, que não tinham
nada a ver com o Brasil.
Carmem e Aloysio
mantiveram um romance, mas eram muito discretos. Na casa enorme e luxuosa de
Berverly Hills, na Califórnia, viviam também a mãe, a irmã e o cunhado da
atriz. Como Carmem e Aloysio não se casaram, eles viviam em quartos separados.
Para a sociedade daquela época, seria grande escândalo ter uma relação assim.
Em 1942, Hélio
voltou ao Brasil e Vadeco permaneceu até 44, quando foi demitido do grupo. Aloysio
de Oliveira, que sofria as crises de ciúmes de Carmem, todas justificadas,
acabou saindo da mansão e casou-se com a secretária de Walt Disney! Ele decidiu
criar um grupo e para isso convidou antigos integrantes dos Anjos do Inferno. O grupo
ficou assim, além de Aloysio, estavam Hélio Jordão, substituído por Lulu,
violão; Vadeco, pandeiro; Garoto e mais tarde por Nestor Amaral, violão tenor e
banjo; Afonso Osório, depois Harry Vasco
de Almeida, na percussão e flauta (piston); Armando Osório, violão e Stênio
Osório, cavaquinho. Ganhou o nome de Carioca Serenaders. Ao invés da popular
música brasileira, eles partiram para um repertório vocal norte-americano. Com
a morte de Carmen Miranda, em 1955, o Bando da Lua se desfez.
No Brasil, Aloysio de Oliveira foi diretor da Gravadora
Odeon e, em 1963, fundou a Gravadora Elenco, que gravou todos os artistas da
Bossa Nova, que estavam aparecendo na época, incluindo Tom Jobim.
Na entrevista de 2007, Luis Antônio Giron, Vadeco, já doente, disse que estava escrevendo
um livro. Chamava-se “Oswaldo Eboli (Vadeco) - Um amigo de todos”, que – ao que
tudo indica - nunca foi lançado. Para o jornalista Giron, ele disse que na vida
dele “tudo tinha dado certo na sua atividade artística, pessoal e
profissional”. Apesar de só tocar pandeiro e de não saber escrever música,
viveu uma época glamourosa do show business brasileiro. Trabalhou em diferentes
estações de rádio americanas como jornalista e crítico de cinema. Último a morrer entre todos do Bando da Lua,
Vadeco – que foi amigo de Alzirinha Vargas e que tinha acesso livre ao Palácio
do Catete – assumiu: ele era o que menos dava palpite no Bando da Lua. Na
Argentina, lembrou-se: “o Bando da Lua fazia tanto sucesso quanto Carmen
Miranda.”
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