terça-feira, 7 de agosto de 2018

A música caipira e nordestina no rádio




 Rose Esquenazi
     Um dos gêneros mais antigos, admirados e ainda hoje tocados em muitas rádios brasileiras é o sertanejo. O rádio foi o grande divulgador das músicas que vinham do Nordeste em uma época em que quase todos os brasileiros não viajavam de avião, nem de ônibus nem mesmo de pau-de-arara. O navio, nos anos 20 e 30, era a principal maneira de chegar aos grandes centros, como no Rio de Janeiro, a Capital do Brasil. Era aqui que tudo acontecia, mais do que em São Paulo, ainda em fase de começo de industrialização. No Rio, arranjava-se trabalho e era possível começar uma nova etapa da vida.  A seca e a fome, realidade na vida desses brasileiros corajosos e sofridos, ficavam para trás.

    A saudade do Nordeste fazia com que os recém-chegados cultivassem a música e as especialidades culinárias que lembravam da casa e da família. Terra do choro e do samba que começava a se firmar, o Rio começou a ouvir também as emboladas, cateretês, cocos e desafios, que estavam agradando em cheio. Jovens cariocas que também tentavam se formar no cenário musical e artístico decidiriam arranjar fantasias de nordestinos e compor músicas nos ritmos que já começavam a pagar bem na Praça Tiradentes. Acabamos de ouvir a música Vamos Fallá do Norte, interpretado pelo grupo musical  Bando de Tangarás, com Noel Rosa,  Almirante e Braguinha.  Entre os cariocas influenciados pelos nordestinos, eles saíram na frente. A empresa Estúdios Benedetti chegou a gravar um filminho, que seria o primeiro clipe feito para divulgar o que os jovens pretendiam ser um sucesso.

    Frederico Figner, tcheco que veio dos Estados Unidos,  fundou, na Rua do Ouvidor, a Casa Edison, a primeira gravadora brasileira.  Os recursos ainda eram primários, mas vários gêneros foram registrados, incluindo os ritmos típicos do Nordeste. A partir dessas gravações, podemos conhecer a história da nossa música. Um nome importante dessa época foi Catulo da Paixão Cearense, amigo de Fred Figner.  A música Luar do sertão, de 1914, em parceria com João Pernambuco, foi considerada por muitos o hino nacional do sertanejo brasileiro, tendo sido gravado na Casa Edison.

     Em abril de 1922, desembarcou no Rio de Janeiro, o grupo Turunas Pernambucanos. Almirante lembrou do fato no livro No tempo de Noel.  Em 1921, um ano antes, os Oito Batutas, do qual fazia parte Pixinguinha, foram ao Recife. O frisson foi tão grande que eles inspiraram o surgimento dos Turunas Pernambucanos. No ano seguinte, o grupo do Recife se apresentava no Cine Palais, no Rio de Janeiro, sendo anunciados como os que faziam “músicas do Norte”, “caboclos brasileiros”, “cantigas de sertão”, “emboladas e desafios”.  Turuna quer dizer forte, valentão. Alguns anos mais tarde, os microfones da Rádio Educadora, Sociedade e Rádio Clube passaram a investir nesse tipo de música, que era uma novidade.

    No conjunto Turunas Pernambucanos, dois músicos se tornaram importantes mais tarde, como dupla:  o José Calazans, o Jararaca, e o Severino Rangel, o Ratinho. No Rio, o conjunto ganhou reforço de João Pernambuco, no violão. O sucesso foi extraordinário na Capital. Os cariocas nunca haviam ouvido aquela cantoria tão diferente, que embolava as palavras ao cantá-las muito rapidamente. O pesquisador Jairo Severiano explica em seu livro “Uma história da música popular brasileira” que, na embolada, “a letra é mais importante do que a melodia”. Ele disse que a “a estrofe-refrão é cantada em andamento rápido, utilizando recursos de aliteração e assonância”. Por isso, para o intérprete, “a dicção e o fôlego” devem ser extraordinários para “não tropeçar nas palavras e se fazer entender com clareza”.

    Era tudo novo, curioso, divertido, como as música “Óia  o sapo dentro do saco”, e Espingarda pá pá pá pá, faca de ponta, tá, tá, tá, tá”, a mais famosa embolada que a dupla Jararaca e Ratinho gravou em 1929. 
  
     Nesse movimento sertanejo, não podemos nos esquecer que existia na Praça Tiradentes a Casa do Caboclo que funcionou de 1932 a 1940. Muitos artistas se apresentaram lá, entre eles, os cômicos João Lino e Apolo Correia, Dercy Gonçalves, Jararaca e Ratinho, Manezinho Araújo. Muitos palhaços também eram intérpretes de músicas da época e chegavam a gravar na Casa Edison.
      
    O radialista Renato Murce também teve seu tempo de conjunto regional. Ele viu, tal como os amigos de Noel, que era preciso cantar como os Turunas que estavam fazendo sucesso no Rio. Na Rádio Educadora, com os primeiros cachês que ganhou na vida (e que o rádio pagou), fundou Os Gaturamos. Segundo Murce, concorriam com “o magnífico grupo comandado por Almirante: o Bando dos Tangarás“, segundo as suas palavras.

   Os Gaturamos, disse Renato Murce em seu livro Bastidores do rádio, tinham como elemento principal ele mesmo e mais o irmão Dario Murce, Rogério Guimarães, Pery Cunha, Lourival Montenegro, Rubem Bergmann, Didi do Pandeiro. O radialista afirmou que nem todas as emissoras gostavam do gênero popular, dessa música do povo.  Isso porque tinham nariz empinado, como a Rádio Jornal do Brasil. A vantagem desses grupos é que eles cantavam em bares e restaurantes e ganhavam comida de graça, no final da apresentação. O que era importantíssimo para os duros que eram.

     Murce se lembra da chegada de outro grupo do gênero, no Rio de Janeiro, reforçando a tendência nordestina. O jornal Correio da Manhã, que sempre publicava contos, sonetos e poesias populares, lançou em 1926, um concurso carnavalesco.

     Nesse momento vieram do Recife os Turunas da Mauricéa, grupo que surgiu depois dos Turunas Pernambucanos. Faziam parte Augusto Calheiros, o Patativa do Norte, com a sua linda voz, Riachão, Guajurema, Piriquito e Bronzeado, logicamente, nomes de guerra. E também fizeram sucessos com suas roupas típicas e chapéus vindos do Nordeste. O maior sucesso dos Turunas da Mauricéa foi no Carnaval de 1928, com Pinião, de  Luperce Miranda e Augusto Calheiros.

     Nos anos 30 e 40, começam a surgir várias outras duplas caipiras. A mais famosa dupla foi Alvarenga e Ranchinho. Os ouvintes com mais idade ainda devem se lembrar de suas piadas na Rádio Nacional,  nas quais  eles misturavam às  músicas.

    Mas os ritmos sertanejos do Nordeste ganharam ramificações no Brasil com a música caipira. No interior do Rio Grande do Sul, ou de São Paulo, surgiram versões musicais de origem nostálgica do campo, que revelavam intenso convívio com a natureza.  Os temas eram o amor, a tristeza e a saudade de casa. Tonico e Tinoco, Raul Torres e Serrinha e Mandi e Sorocabinha não eram nordestinos, eles faziam sucesso como caipiras. Vamos ouvir Modas Modernas, de 1934, da dupla Mandi e Sorocabinha.

     Até hoje, a música caipira tem destaque em São Paulo. Há estações de rádio que investem no gênero. Uma das duplas mais famosas foi Cascatinha & Inhana. Francisco dos Santos, que nasceu em Araraquara, em 1919, era o Cascatinha,  e Ana Eufrosina da Silva, que nasceu em Araras, em 1923, era a Inhana. Os dois, que eram casados, fizeram grande sucesso ao lançarem, em 1952, a música Índia, ainda hoje escutada nas rodas de músicas. Do mesmo ano, a música Meu Primeiro Amor também estourou no rádio do país nas vozes afiadas da dupla. 


     Na análise crítica do jornalista José Ramos Tinhorão, no livro Música e Cultura Popular, começou a haver uma crise de identidade nas novas gerações que moravam no interior das cidades paulistas a partir dos anos 70. Adotando o estilo americano de viver, com carros, supermercados, piscinas e roupas importadas, esses brasileiros gostavam do country americano nas boates e rodeios, mas, em casa, continuavam curtindo a autêntica música sertaneja brasileira.


     A moda de viola de Tonico e Tinoco, Tião Carneiro e Pardinho ainda faziam referência ao caipira pobre. A reconciliação foi feita, segundo Tinhorão. Artistas que vieram do iê- iê- iê, como Nalva Aguiar, Eduardo Araújo e Sérgio Reis cantavam música folclórica, mas com guitarras e contrabaixos elétricos.

 

    Voltando para o Nordeste, é bom lembrar que a música regional continua sendo cultivada em diferentes estações. Nova geração está aparecendo, romântica e muito talentosa. Vamos ouvir com Ton Oliveira, a música ‘Meu lugar é meu Nordeste’, em uma apresentação na Rádio Cultura Nordestina. 

 

 

 

 




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