segunda-feira, 6 de agosto de 2018

Pedro Vargas - O Rouxinol das Américas





Rose Esquenazi

     A música “Solamente uma vez”, na voz do tenor mexicano Pedro Vargas Mata, fez enorme sucesso. Ele foi um dos artistas estrangeiros que conquistaram o Brasil na Época de Ouro do rádio. Em princípio, mesmo cantando à distância, conseguiu emocionar o público com a sua afinação
perfeita, belo tom e músicas com letras românticas. Podiam ser boleros, canções rancheiras, temas líricos. Pedro Vargas foi convidado a vir ao Brasil várias vezes, a primeira, a convite de Assis Chateaubriand. Dono de rádios com nomes indígenas – Tabajara, Poti, Tupi, Tupã – Chatô era o líder da Taba de Comunicação dos anos 30 e 40. Além do mais, era proprietário também de diversos jornais, revistas e empresas dos mais diferentes ramos.

     Ao se apresentar no Cassino da Urca, em 1938, Pedro Vargas trouxe mais glamour à cidade do Rio de Janeiro. Segundo João Perdigão e Euler Corradi, no livro “O rei da roleta. A incrível vida de Joaquim Rolla”, Pedro Vargas ancorou seu iate Regwell na enseada da Urca, onde ficava o Cassino. E deu uma entrevista coletiva para a imprensa antes de iniciar a sua temporada de quatro meses na Capital Federal. Vamos voltar às origens. O cantor nasceu em San Miguel de Allende, no dia 29 de abril de 1906. Sua família era humilde e, como tantos outros artistas, começou a cantar na igreja, a partir dos sete anos.  Aos 14, mudou-se para a Cidade do México onde conquistou outros fieis que o escutavam nos coros das igrejas. Começou a fazer serenatas e arrebanhou seu próprio público. Teve um mentor: o compositor e tenor Mario Talavera. Foi educado musicalmente para ser intérprete profissional até que estreou em 1928 na ópera Cavalaria Rusticana, no Teatro Esperança, no México.

     Os Estados Unidos descobriram o talento de Pedro Vargas e fizeram um contrato com ele e com a Orquestra Típica de Miguel Lerdo de Tejada. Atualmente, esse conjunto se chama Orquestra Típica da Cidade do México. Moto contínuo, gravou discos e se tornou presença certa nas estações de rádio
e em excursões em países da América Latina. Colômbia, Argentina, Venezuela e Brasil passaram a cultuá-lo. Em Buenos Aires, gravou duas composições de sua autoria no selo Victor: “Porteñita mía” e “Me fui”. Tornou-se um dos melhores intérpretes do genial compositor Agustín Lara. Cantor e compositor mexicano, Lara assinou grandes sucessos de Pedro Vargas, como “Maria Bonita”, “Aquel Amor” e “Noche de Ronda”. Caetano Velloso também tem uma linda interpretação de “Maria Bonita”. Ouça no YouTube a obra de Agustin Lara na voz de Pedro Vargas.

     Atenta aos sucessos do mundo, a Rádio Nacional preparava programas musicais que incluíam as canções de Pedro Vargas. O cantor que havia se preparado para o clássico já estava totalmente imerso no universo popular. Cantava boleros como Obsesión, rancheiras que se pareciam com as músicas
sertanejas e caipiras. Os brasileiros fãs do gênero o colocaram em um pedestal. A rancheira Allá em el Rancho grande foi uma dessas eleitas. Havia também o repertório nostálgico como Alfonsina y el mar.  Em uma época em que o público amava os slogans no rádio, Pedro Vargas ganhou vários apelidos: “O Rei”, “O Rouxinol das Américas”, “O Rei das Américas” e “O samurai da canção”. Por que samurai? Não faço ideia. Ganhou muitas condecorações e homenagens de vários governos, reconhecendo o talento excepcional. Afinal, a voz era belíssima, insubstituível. Tornou-se galã em mais de 70 filmes feitos no México. Algumas dessas produções chegaram no Brasil, o que fazia aumentar o número de fãs que cresceram ouvindo os sucessos de Pedro Vargas. Ele não era um astro de traços lindíssimos. Pelo contrário, baixo e corpulento, tinha como qualidades a voz que se transformava em sonho. Ouça Adiós mariquita linda, de 1944.
   
     Como disse, Pedro Vargas foi convidado para uma viagem ao Brasil para se apresentar no Cassino da Urca, Cassino Atlântico e Guarujá. Os cassinos faturavam na época 300 milhões de dólares ao ano, em um tempo que a moeda americana era muito mais valorizada do que é atualmente. De todo esse valor, 70% ficavam no Rio, sede da capital do país. As casas de jogo tinham sob contrato 40 mil pessoas, uma enormidade de gente. Como havia poucos patrocinadores, os Cassinos e as rádios de Chateaubriand, principalmente a Tupi, chamada de “Maracanã dos Auditórios”, com seus 500 lugares para o público, dividiam o valor dos cachês milionários. Os Associados tinham orgulho desses convites para grandes nomes estrangeiros. Estiveram no Brasil e na Tupi, os músicos Josephine Baker, Agustin Lara, Luciene Boyer, Dajos Béla e Pedro Vargas. Chatô dava a seguinte justificativa: o rádio oferecia ao público comum a música que só os ricos podiam ouvir nos cassinos.

     É claro que surgia uma ciumeira entre os artistas nacionais. Afinal, quanto ganhavam essas estrelas estrangeiras? Francisco Alves, o “Rei da Voz”, foi assistir à estreia da turnê de Pedro Vargas. Foi cumprimentar Rolla, o dono do Cassino da Urca, em sua mesa. E recebeu o convite para participar da Folia de 1940, grande espetáculo que a Urca estava preparando. Sem titubear, Francisco
Alves quis saber quanto Pedro Vargas estava ganhando. Inteligente, Rolla prometeu o mesmo valor para o “Cantor das Multidões” e garantiu a sua presença naquele instante.

     Pedro Vargas gravou no Rio de Janeiro com Olga Praguer Coelho. Em 1940, foi chamado a participar do musical “Laranja da China”, do americano Wallace Downey, filme feito no Brasil. E lá ele cantou o sucesso de Ari Barroso, “Aquarela do Brasil”, em espanhol. 

     Pedro Vargas casou-se com María Teresa Campos de Vargas em 1931 e com ela teve quatro filhos. Além da América Latina, excursionou por vários países europeus. Era sempre ovacionado pela plateia. Em 1943, ele foi o principal nome para participar da inauguração do Cassino Pampulha, outra obra de Joaquim Rolla. Segundo o livro O rei da roleta, no dia seguinte à estreia do Cassino Pampulha, havia estampado nos jornais o orgulho dos mineiros. Rolla que nasceu muito pobre, voltava a sua terra dono do maior empreendimento da cidade. Com o novo cassino, ele ia expandindo o seu poder que combinava apostas, glamour de mulheres bonitas, shows com os melhores artistas, cozinha de primeira, os famosos grill-rooms, e muitas infelicidades para os que perdiam tudo o que tinham no jogo. O cantor Pedro Vargas voltou ao Brasil em 1977 e se apresentou no finado Canecão. Nostalgia pura. Nessa última temporada, gravou um LP ao vivo com ylvio Caldas. Na época, a TV substituía o poder do rádio. Chatô tinha morrido em 1968. Pedro Vargas viria a falecer em outubro de 1989, aos 83 anos, na Cidade do México.

     O que eu queria refletir com o seu público é o seguinte: a grande influência das músicas latinas no nosso rádio. Não eram apenas os ritmos cubanos, as salsas portorriquenhas, os tangos argentinos. Havia o som do México que, nos anos 30, vivia uma época de grandes transformações políticas e culturais. Era uma proximidade riquíssima, havia uma saudável troca: os músicos brasileiros também eram cantados e tocados por lá. No Brasil, as crianças se vestiam como mexicanos, com panos coloridos, laços e sombreros durante o Carnaval. A moda da fantasia passou. Mas as músicas ficaram no inconsciente coletivo. Quem pode se esquecer de “Cucurrucucú Paloma”, “Gracias a la vida”, "Aqueles ojos verdes. Lembre de “Cielito Lindo”, na voz de Pedro Vargas, no YouTube..

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