terça-feira, 7 de agosto de 2018

Mineira: o rádio entre montanhas





Rose Esquenazi


    A Rádio Mineira de Belo Horizonte nasceu independente, em 1931 e, anos mais tarde, fez parte da cadeia radiofônica do poderoso grupo Diários Associados, de Assis Chateaubriand. Ouvimos, no início do quadro, algumas vinhetas registradas em 1966, famosas ao longo da vida dessa estação conhecida, no passado, como a PRC-7. Para nos ajudar a contar essa trajetória, consultei o livro “O rádio entre as montanhas. Histórias, teorias e afetos da radiofonia mineira”, que pode ser lido online, gratuitamente. Trata-se de uma coleção de textos de vários pesquisadores, com material organizado pela professora Nair Prata, uma das maiores conhecedoras do rádio no Brasil.

     Em um dos textos do livro, a professora Ângela de Moura escreveu sobre o início da Rádio Mineira, que teve fase experimental em 1929. Quando lembramos que a primeira estação no Brasil começou em 1923, com a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, atual Rádio MEC AM, constatamos que a Mineira não estava tão atrasada assim. Um grupo se reuniu para realizar o sonho de colocar Belo Horizonte no mundo da radiotelegrafia, como eles chamavam a atividade na época.

     O almoxarife Guilherme Manes, o chefe do Serviço Radiotelegráfico de Minas Gerais, Josaphá Florêncio, o chefe do Serviço Radiotelegráfico do Rio de Janeiro, Henrique Silva, e o chefe das oficinas da Imprensa Oficial, Lindolpho Espeschit, fizeram parte desse grupo de pioneiros. Eles começaram com um pequeno aparelho transmissor de ondas curtas, que era uma prática um tanto clandestina, sem licença oficial. Usando material descartado pela Rádio Nacional, pedindo verbas ao governo, os sócios viram que não era possível seguir adiante. Foram que teriam que ir para o Rio, pedir ao presidente, Washington Luis, que desse formalmente a autorização para o funcionamento da Rádio Mineira. O diálogo que se seguiu é curioso.

     O presidente teria perguntado a Lindolpho Espeschit se eles iriam fazer oposição em Minas. A resposta foi categórica: “Não, senhor. É apenas para diversão e música. Nada de política”. Desconfiado, o presidente insistiu, então: “Quem garante isso?” Espeschite respondeu: “Eu. Eu garanto”. Sorrindo, Washington Luís aceitou o pedido e mandou publicar o decreto. Segundo Ângela de Moura, seria um processo lento já que os amigos teriam que investir e comprar todo o equipamento. Só que o presidente não sabia que “o chefe do Serviço Radiotelegráfico de Minas já havia comprado o equipamento desativado da Rádio Nacional”.  Assim nascia a rádio Mineira em Beagá.

     Da fase independente, a Rádio Mineira passou a fazer parte da Taba Radiofônica de Chateaubriand. É claro que teve influência econômica, política, educacional e até religiosa.
Defendia o Partido Liberal e faturou muito, chegando ao auge em meados dos anos 60. Havia conquistado uma excelente audiência na cidade. Chegou a alcançar 85% dos motoristas de táxi em Belo Horizonte.

     As vinhetas combinavam com uma época em que o urbano e o musical se misturavam com o crescimento da frota de automóveis. Como vocês ouviram aqui, havia uma vinheta, que achi no Wikipedia, que dizia "Vamos de automóvel com Plenimúsica, Factorama contando o que acontece. E passa rua, subida descida é Amazonas , Pampulha e Avenida, rodando com mais prazer, Rádio Mineira, Belo Horizonte". E outra vinheta cantada: "Eu guiando dirijo melhor. O tempo passa, as ruas têm mais graça dirigindo, sempre ouvindo Rádio Mineira Belo Horizonte".

     Era isso mesmo: o jornalismo e a música eram os principais ingredientes dessa estação que foi avançada na época. Na frequência de 690 AM, com antena  instalada na Lagoa da Pampulha, foi a primeira estação musical brasileira a usar o sistema de “fourplay”. Quer dizer: quatro blocos de música, separados dos blocos comerciais, conhecidos como ”breaks”. O que já era uma estratégia conhecida nos Estados Unidos, tornou-se novidade aqui antes da existência das rádios FMs.  Quem importou o esquema foi José Mauro, irmão mais novo do cineasta Humberto Mauro. Ele achou que o “fourplay” podia dar certo em Minas Gerais e deu mesmo. Com uma seleção musical muito criteriosa, o diretor José Mauro criou o programa Plenimúsica. Já as notícias eram apresentadas em tom de grande intimidade com o ouvinte, no programa Factorama. A cada 45 minutos de cada hora, os locutores apresentavam um resumo das notícias. Esses programas duraram de 1966 a 1970.

     Em 1976, um discípulo do José Mauro, o Fernando Veiga, transferindo-se para a Rádio Jornal do Brasil e fundou a Rádio Cidade, que manteve esse ambiente intimista com o público. Segundo as minhas pesquisas no YouTube, li um antigo fã dizendo que a Rádio Mineira foi a primeira a tocar uma música de Ed Lincoln, muito curiosa, chamada "Waldemar" do final dos anos 60. 

     Por problemas políticos, a propriedade da Rádio Mineira foi transferida para a Difusora de São Paulo. Durante um tempo ganhou o patrocínio da Varig, o que era muito bom para as finanças. Durante 40 anos, manteve a potência - apenas 10KW. No fim de sua existência, teve que pedir um transmissor emprestado da emissora de Divinópolis.  Nos anos 70, foi vendida para o educador Welington Armanelli, que gostava da operação das rádios AM. Muita água rolou nessa época: as rádios FMs passaram a dominar o dial sendo que as instalações na rua José de Alencar,700, no bairro de Nova Suíça, já tinham ficado precárias. Foram muitas as ações trabalhistas até que a Mineira foi vendida para Gil Costa e Cesar Masci. Sem nenhum sucesso comercial, não tiveram a concessão de operação  renovada em 1997.

    Segundo escreveu o professor Eduardo Meditsch - como a professora Nair Prata, outro grande conhecedor do rádio no Brasil, na apresentação do livro “O rádio entre as montanhas” - o jeito mineiro de contar as histórias evoluiu. Não eram mais os amigos ao pé do fogo, contando causos. O povo passou a ouvir a sua própria história pelo rádio. E isso, segundo Meditsch, deixou muitas saudades.

2 comentários:

  1. Sou testemunha da historia, vivi toda essa época de ouro da radio mineira, atesto tudo que foi dito acima. Apenas ratifico um pequeno detalhe; "o mundo acontecendo em Factorama" era exibido nas horas cheias e não nos 45 minutos de cada hora. Parabéns aos professores que redigiram esse texto. Tinha que estar na integra no wikipedia.

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  2. Detalhe; a radio mineira segundo me relatou ainda em vida o radialista Jose Mauro irmão mais novo do cineasta Humberto Mauro, faturou de 1966 a 1970 mais do que havia faturado desde a sua inauguração.

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