Rose Esquenazi
O que ouvimos nessa época do
ano? Músicas de Carnaval, é claro. Dependendo da cidade onde estamos, um ritmo
diferente pode prevalecer. Mas, com o poder das estações do rádio, desde o fim
dos anos 30, já era possível espalhar as mesmas produções animadas em muitas cidades
do território brasileiro. Os ritmos diferentes eram bem-vindos fazendo parte da
alegria nacional, apesar das eventuais tristezas, guerras e crises políticas.
No Rio de Janeiro, as marchas
e os sambas predominavam e eram enviadas para todos os lugares. Por aqui, eram bem-vindos os frevos, como esse
de Capiba que acabamos de ouvir. Os frevos ainda são populares principalmente na
cidade do Recife, que vive de sua alegria contagiante.
Nos anos 30 e 40 de século
passado, a maior emissora brasileira da época, a Rádio Nacional do Rio de
Janeiro, absorvia os ritmos nordestinos, ao mesmo tempo em que se especializava
em divulgar a produção local. Uma semana antes do Ano Novo, as rádios cariocas começavam
a investir nas novas músicas carnavalescas, abrindo espaço nos seus programas
tradicionais para a Festa de Momo.
Não se descartavam os sucessos
do passado, mas era tão boa a nova safra que era preciso divulgá-la o quanto
antes. Fazia parte da vida dos foliões decorar as letras e já chegar nos bailes,
blocos, desfiles das grandes sociedades, batalhas de confetee bailes de mar à
fantasia cantando os lançamentos. A imprensa corria atrás do interesse dos
foliões publicando revistas com das letras recém-criadas. Os foliões que não
podiam sair por algum motivo ficavam em casa e se divertiam do jeito que era
possível. Ouvindo o rádio, é claro, em uma época que ainda não existia a TV.
O famoso programa “Um milhão
de melodias”, da Rádio Nacional, reservava seus 15 minutos finais para o “Suplemento
Musical”, especializado em Carnaval. Na mesma emissora, e depois na Tupi, fez
sucesso também o programa “Carnaval Brahma Chopp”. Nem preciso citar o
patrocinador. No caso do programa Um Milhão de Melodias ficava subtendido: era
a Coca-Cola quem pagava a conta. Na Rádio Tupi, havia uma atração patrocinada
pela loja Miveste, também especializada em músicas carnavalescas.
No ano de 1939, um sucesso
marcou a festa: o lançamento de “A Jardineira”, interpretada por Orlando Silva.
Estudiosos como Jairo Severiano e nosso comunicador da Rádio MEC AM, Zuza Homem
de Mello, descobriram que a origem da personagem Jardineira vinha da Bahia, de
um terno de Reis.
O pernambucano Hilário Jovino
Ferreira, criado na Bahia, trouxe o refrão para o Rio em um rancho organizado
por ele. Hilário, carpinteiro da Marinha, instalou-se na área da Saúde, onde
moravam ex-cativos e descendentes de escravos.
Não foi difícil espalhar a
música tocada com violões, cavaquinhos, flautas e até castanholas, segundo o
autor Lira Neto no livro “Uma história do samba, as origens”.
Fez tanto sucesso que outros
ranchos incorporaram “A Jardineira”, criando associações como A Flor da
Jardineira, As Filhas da Jardineira, O Triunfo da Camélia e por aí vai, segundo
nos conta Jairo Severiano. A letra falava da desilusão amorosa, o sentimento
que uma pessoa tem ao perder um grande amor. Assinada por Benedito Lacerda e
Humberto Porto, a marcha de carnaval não chegava a ser tão alegre quanto o
frevo de Capiba, mas era boa de cantar e desfilar nas ruas que ainda cheiravam
a lança-perfume da marca Rodo, permitida na época. Ouça um trecho de
"A Jardineira”, na voz de Orlando Silva.
Lançada em 1939, o samba “Camisa
Amarela”, de Ari Barroso, lembrava o que aconteceu de verdade em um carnaval
carioca. Era comum o sentimento de libertação nos dias de folia, tentava-se esquecer
dos sufocos, do trabalho duro, das decepções amorosas e até da repressão sexual,
dançando, bebendo e se esbaldando nas ruas e bailes da cidade. Na letra, conta-se
que o folião escapava de casa, mas era visto pela namorada, amante ou mulher se
acabando na Avenida, no caso, a Rio Branco, e também na Galeria, a famosa
Galeria Cruzeiro, no Centro, e no Largo, o conhecidíssimo Largo da Lapa. Para
Jairo Severiano, a música de Ary Barroso foi gravada pela intérprete ideal: a
cantora Aracy de Almeida. Mas antes de lembrar esse sucesso, vamos ouvir a
letra.
Encontrei o meu pedaço
na avenida / De camisa amarela / Cantando a Florisbela / A Florisbela /// Convidei-o a voltar pra
casa em minha companhia / Exibiu-me um sorriso de ironia / E desapareceu no
turbilhão da galeria / Não estava nada bom /// O meu pedaço na verdade / Estava
bem mamado / Bem chumbado, atravessado ///Foi por aí cambaleando /
Se acabando num cordão / Com um reco-reco na mão /// Mais tarde o encontrei num café do rapa / Do
Largo da Lapa / Folião de raça /// Bebendo o quinto copo de cachaça /
Além da tristeza de “A
Jardineira”, havia também um sentimento parecido na marcha-rancho de Noel Rosa
e Braguinha na música “Pastorinhas”. Escrita em 1934, a composição lembrava as
meninas pastorinhas que desfilavam em Vila Isabel. Mas não fez sucesso na
época.
Depois da morte do parceiro
Noel, em 1937, Braguinha fez algumas alterações e lançou no concurso de músicas
carnavalescas patrocinado pela Prefeitura do Rio, de 1938. Em vez de
moreninhas, Braguinha escreveu pastorinhas, no lugar de pequena, incluiu pastora.
Ainda alterou o verso “pequena que tens a cor
morena” por “morena da cor de Madalena”. Deu certo, foi gravada em 1937, por
Silvio Caldas, mas só estourou em 1938, quando ganhou o tal concurso. //// Vamos ouvir um trecho de “Pastorinhas”,
na voz de Nelson Gonçalves.
O “Hino do Carnaval Brasileiro”,
marcha de Lamartine Babo, também de 1939, ainda espalha alegria e a empolgação em
alguns grupos que amam a música brasileira. Na letra, além de elogiar as
meninas – as morenas, louras, as garotas de cabelos ruivos - Lalá fala da
importância do pandeiro para fazer a marcação e exalta a natureza brasileira.
Não havia naquela época a postura do politicamente correto, mas é verdade, o
machismo muitas vezes imperava. A palavra mulata hoje está fora do vocabulário
dos que lutam pela igualdade racial. Outro sucesso carnavalesco “O teu cabelo
não nega”, também de Lamartine e Irmãos Valença, de 1932, já foi devidamente discutido e está fora de
muitos bailes e blocos. Mas vamos relembrar a letra do Hino do Carnaval
Brasileiro e verificar se Lamartine Babo está ofendendo alguém com essa
marchinha. Acho que não.
Salve a morena / A cor
morena do Brasil fagueiro / Salve o pandeiro / Que desce do morro prá fazer a
marcação / São, são, são / São quinhentas mil morenas / Loiras, cor de laranja,
cem mil /Salve, salve / Teu carnaval, Brasil// Salve a loirinha / Dos olhos
verdes cor das nossas matas / Salve a mulata / Cor de canela, nossa grande
produção / São, são, são. São quinhentas mil morenas / Loiras, cor de laranja,
cem mil / Salve, salve / Teu carnaval, Brasil
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