terça-feira, 7 de agosto de 2018

Inesquecíveis canções dos carnavais dos anos 30 e 40



Rose Esquenazi
     O que ouvimos nessa época do ano? Músicas de Carnaval, é claro. Dependendo da cidade onde estamos, um ritmo diferente pode prevalecer. Mas, com o poder das estações do rádio, desde o fim dos anos 30, já era possível espalhar as mesmas produções animadas em muitas cidades do território brasileiro. Os ritmos diferentes eram bem-vindos fazendo parte da alegria nacional, apesar das eventuais tristezas, guerras e crises políticas.
    No Rio de Janeiro, as marchas e os sambas predominavam e eram enviadas para todos os lugares.  Por aqui, eram bem-vindos os frevos, como esse de Capiba que acabamos de ouvir. Os frevos ainda são populares principalmente na cidade do Recife, que vive de sua alegria contagiante.

     Nos anos 30 e 40 de século passado, a maior emissora brasileira da época, a Rádio Nacional do Rio de Janeiro, absorvia os ritmos nordestinos, ao mesmo tempo em que se especializava em divulgar a produção local. Uma semana antes do Ano Novo, as rádios cariocas começavam a investir nas novas músicas carnavalescas, abrindo espaço nos seus programas tradicionais para a Festa de Momo.

     Não se descartavam os sucessos do passado, mas era tão boa a nova safra que era preciso divulgá-la o quanto antes. Fazia parte da vida dos foliões decorar as letras e já chegar nos bailes, blocos, desfiles das grandes sociedades, batalhas de confetee bailes de mar à fantasia cantando os lançamentos. A imprensa corria atrás do interesse dos foliões publicando revistas com das letras recém-criadas. Os foliões que não podiam sair por algum motivo ficavam em casa e se divertiam do jeito que era possível. Ouvindo o rádio, é claro, em uma época que ainda não existia a TV.

    O famoso programa “Um milhão de melodias”, da Rádio Nacional, reservava seus 15 minutos finais para o “Suplemento Musical”, especializado em Carnaval. Na mesma emissora, e depois na Tupi, fez sucesso também o programa “Carnaval Brahma Chopp”. Nem preciso citar o patrocinador. No caso do programa Um Milhão de Melodias ficava subtendido: era a Coca-Cola quem pagava a conta. Na Rádio Tupi, havia uma atração patrocinada pela loja Miveste, também especializada em músicas carnavalescas.

    No ano de 1939, um sucesso marcou a festa: o lançamento de “A Jardineira”, interpretada por Orlando Silva. Estudiosos como Jairo Severiano e nosso comunicador da Rádio MEC AM, Zuza Homem de Mello, descobriram que a origem da personagem Jardineira vinha da Bahia, de um terno de Reis.

     O pernambucano Hilário Jovino Ferreira, criado na Bahia, trouxe o refrão para o Rio em um rancho organizado por ele. Hilário, carpinteiro da Marinha, instalou-se na área da Saúde, onde moravam ex-cativos e descendentes de escravos.
Não foi difícil espalhar a música tocada com violões, cavaquinhos, flautas e até castanholas, segundo o autor Lira Neto no livro “Uma história do samba, as origens”.

     Fez tanto sucesso que outros ranchos incorporaram “A Jardineira”, criando associações como A Flor da Jardineira, As Filhas da Jardineira, O Triunfo da Camélia e por aí vai, segundo nos conta Jairo Severiano. A letra falava da desilusão amorosa, o sentimento que uma pessoa tem ao perder um grande amor. Assinada por Benedito Lacerda e Humberto Porto, a marcha de carnaval não chegava a ser tão alegre quanto o frevo de Capiba, mas era boa de cantar e desfilar nas ruas que ainda cheiravam a lança-perfume da marca Rodo, permitida na época. Ouça um trecho de "A Jardineira”, na voz de Orlando Silva.

    Lançada em 1939, o samba “Camisa Amarela”, de Ari Barroso, lembrava o que aconteceu de verdade em um carnaval carioca. Era comum o sentimento de libertação nos dias de folia, tentava-se esquecer dos sufocos, do trabalho duro, das decepções amorosas e até da repressão sexual, dançando, bebendo e se esbaldando nas ruas e bailes da cidade. Na letra, conta-se que o folião escapava de casa, mas era visto pela namorada, amante ou mulher se acabando na Avenida, no caso, a Rio Branco, e também na Galeria, a famosa Galeria Cruzeiro, no Centro, e no Largo, o conhecidíssimo Largo da Lapa. Para Jairo Severiano, a música de Ary Barroso foi gravada pela intérprete ideal: a cantora Aracy de Almeida. Mas antes de lembrar esse sucesso, vamos ouvir a letra.

Encontrei o meu pedaço na avenida / De camisa amarela / Cantando a Florisbela / A Florisbela /// Convidei-o a voltar pra casa em minha companhia / Exibiu-me um sorriso de ironia / E desapareceu no turbilhão da galeria / Não estava nada bom /// O meu pedaço na verdade / Estava bem mamado / Bem chumbado, atravessado ///Foi por aí cambaleando / Se acabando num cordão / Com um reco-reco na mão ///  Mais tarde o encontrei num café do rapa / Do Largo da Lapa / Folião de raça /// Bebendo o quinto copo de cachaça /

     Além da tristeza de “A Jardineira”, havia também um sentimento parecido na marcha-rancho de Noel Rosa e Braguinha na música “Pastorinhas”. Escrita em 1934, a composição lembrava as meninas pastorinhas que desfilavam em Vila Isabel. Mas não fez sucesso na época.

     Depois da morte do parceiro Noel, em 1937, Braguinha fez algumas alterações e lançou no concurso de músicas carnavalescas patrocinado pela Prefeitura do Rio, de 1938. Em vez de moreninhas, Braguinha escreveu pastorinhas, no lugar de pequena, incluiu pastora. Ainda alterou o verso “pequena que tens a cor morena” por “morena da cor de Madalena”. Deu certo, foi gravada em 1937, por Silvio Caldas, mas só estourou em 1938, quando ganhou o tal concurso. ////  Vamos ouvir um trecho de “Pastorinhas”, na voz de Nelson Gonçalves.

     O “Hino do Carnaval Brasileiro”, marcha de Lamartine Babo, também de 1939, ainda espalha alegria e a empolgação em alguns grupos que amam a música brasileira. Na letra, além de elogiar as meninas – as morenas, louras, as garotas de cabelos ruivos - Lalá fala da importância do pandeiro para fazer a marcação e exalta a natureza brasileira. Não havia naquela época a postura do politicamente correto, mas é verdade, o machismo muitas vezes imperava. A palavra mulata hoje está fora do vocabulário dos que lutam pela igualdade racial. Outro sucesso carnavalesco “O teu cabelo não nega”, também de Lamartine e Irmãos Valença, de 1932,  já foi devidamente discutido e está fora de muitos bailes e blocos. Mas vamos relembrar a letra do Hino do Carnaval Brasileiro e verificar se Lamartine Babo está ofendendo alguém com essa marchinha. Acho que não.

    Salve a morena / A cor morena do Brasil fagueiro / Salve o pandeiro / Que desce do morro prá fazer a marcação / São, são, são / São quinhentas mil morenas / Loiras, cor de laranja, cem mil /Salve, salve / Teu carnaval, Brasil// Salve a loirinha / Dos olhos verdes cor das nossas matas / Salve a mulata / Cor de canela, nossa grande produção / São, são, são. São quinhentas mil morenas / Loiras, cor de laranja, cem mil / Salve, salve / Teu carnaval, Brasil


Nenhum comentário:

Postar um comentário