segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Aracy de Almeida, Araca


 “A Dama do Encantado”, “Dama da Central”, "O Samba Em Pessoa"

A Dama do Encantado foi a melhor intérprete de Noel Rosa: 


Aracy de Ameida nasceu no dia 19 de agosto de 1914 (morreu antes de completar 64 anos, em 20 de junho de 1988), no Rio, em uma casa no Encantado, subúrbio do Rio. Ela nunca mais deixou o bairro em que morou a vida toda, com seus cachorros, árvores e plantas. O pai de Araci era chefe de trens da Central do Brasil, a família religiosa, evangélica. Ela cantava no coro da Igreja Batista, mas, escondida dos pais, saía no bloco Somos poucos a falar e cantava nos terreiros de macumba. Todos diziam que ela era muito diferente, isso, desde muito jovem.
Não se via com bons olhos uma moça ser cantora de rádio. Mas ela foi, mesmo assim. Fez teste na Rádio Suburbana e depois entrou para Rádio Educadora do Brasil, na Rua Senador Dantas, com a ajuda de um vizinho, o Manuel, que gostava da voz dela. Manuel era amigo do violonista Custódio Mesquita, conseguiu uma chance na Rádio Educadora.
 Ser irmã de um pastor, o Alcides, atrapalhava tudo. Assim foi que o diretor do programa  Hora do outro mundo, Renato Murce, de muito sucesso nos anos 30, querendo ajudar, foi até o Encantado e garantiu aos pais de Aracy que se responsabilizava por ela.
Na Rádio Educadora, Aracy conheceu Noel Rosa, que já era famoso desde  que compôs Com que roupa e outros sucessos. Segundo o livro Noel  Rosa: uma biografia, de João Máximo e Carlos Didier (Ed. UNB), esgotado e vendido em sebos por R$ 500, 00,  Noel não esperou ser apresentado. Aproximou-se da cantora e disse que ela tinha jeito, mas não podia ficar cantando o mesmo repertório de Carmem Miranda, que já era popular. 

                                                           O x do problema
Noel a convidou imediatamente para ir à Taberna da Glória, restaurante que existe até hoje nesse bairro. Foi lá que ele a apresentou a seus amigos e conhecidos: de compositores a prostitutas, de malandros da Lapa a cantores. Noel se dava com todo o mundo. Aracy gostou do mundo da noite. De madrugada, Noel acompanhou Aracy até a Central do Brasil. Na época, menina direita também  não chegava de manhazinha em casa, e claro, Aracy levou uma bronca enorme dos pais.
Noel se tornou amigo dela, mas nunca namoravam. Aracy era um tipo mignon, não era bonita, segundo ela mesma reconhecia. Em uma entrevista, Aracy afirmou que Noel Rosa gostava de mulheres altas e exuberantes, ela não era nada disso. O compositor passou a levá-la para a casa dele em Vila Isabel. No quartinho dos fundos, ele lhe dava uma sopinha de feijão e lhe ensinava os sambas. A voz anasalada de Aracy era perfeita para interpretar os sambas de Noel, tinha um ar triste, fundamental. Dona Martha, mãe de Noel, não gostava e uma vez reclamou: nunca tinha visto uma mulher dizer “tanto nome feio”.  Aracy adorava palavrões e gírias e se tornou mestre nisso até o fim da vida, em 1988.

 Noel ensinou muita coisa, apesar de Aracy ser muito intuitiva. Não aprendia facilmente melodia e letra. Mas depois que dominava o samba, dava tudo certo. Tinha uma grande afinidade com Noel. Para ele, era a melhor cantora de “samba de batida”. Ou seja, o samba bem marcado, que tinha bossa, em contraposição ao samba-canção. Noel chegou a dizer para o jornal A Pátria, em 4 de janeiro de 1936, o seguinte: "Aracy de Almeida é, na minha opinião,  a pessoa que interpreta com exatidão o que eu produzo.  É um valor. É nova, mas das melhores”.

Noel Rosa também era muito amigo de Marília Baptista, muito mais comportada e controlada de perto pelos pais, que também trabalhavam no rádio. As duas se tornam as maiores intérpretes de Noel, só que tinham características muito próprias. Segundo João Máximo e Didier: eram diferentes em tudo. “No temperamento, nos hábitos, na formação musical, no timbre de voz, no modo de cantar, no tipo físico, nos mundos em que nasceram” e viveram. (p. 320).
 Aracy, quatro anos mais velha do que Marília, se apresentava em várias emissoras de rádio, não se fixando em nenhuma delas. Aqui e ali ia ganhando cachês. A primeira música que gravou foi um samba de Noel: Sorriso de criança. Depois, não parou mais.  Noel gostava de levar Aracy para os prostíbulos pobres da Central, e ela ia, e cantava para as prostitutas com entusiasmo. Gostava de dizer que “quem canta de graça é galo”, mas muitas vezes cantou apenas por prazer. 
Noel ficou tuberculoso e não havia cura para a doença na época. Continuou compondo e desafiando as ordens médicas, saindo à noite, comendo mal e bebendo muito. Teve um tempo em que ele tentou se comportar, mas já era tarde. Mesmo casado com Lindaura, fazia música e se encontrava com a paixão de sua vida, a Ceci. Pela música, Noel passava recados, e isso aconteceu com Cansei de pedir e Último desejo, testamento cantado por Aracy de Almeida para a amada de Noel. Vamos ouvir.
                                                                     Último desejo
A morte de Noel, que tinha apenas 26 anos, abalou a cidade. Ele era muito querido, deixou um legado fabuloso de mais de 300 músicas.  Aracy de Almeida continuou a cantar Noel Rosa, mas nos anos 50, tinha conquistado outro público. Passou a se apresentar na requintada boate Vogue, em Copacabana, unindo a cidade  - ricos e pobres - através das composições de Noel. Vendo que os discos estavam esgotados, a gravadora Continental gravou, em 1950, Aracy cantando Noel. Eram três discos de 78 rotações, tendo, na capa, uma linda pintura de Di Cavalcanti. Sucesso absoluto de vendas e, hoje, uma raridade que custa nos sebos em torno de R$ 200,00.  
                                                                     Não tem tradução
Nas contracapas do disco triplo, críticos importantes de música, como Lúcio Rangel e Fernando Lobo, escreveram sobre Aracy de Almeida e Noel.  Para eles, a voz de Araca tinha ficado ainda melhor com o tempo e, curiosamente, Noel continuava sendo cantado, para alegria de todos.

Os ouvintes mais velhos devem lembrar se de Aracy como jurada do Show de Calouros, do Silvio Santos, ou anteriormente, nos vários programas de Abelardo Barbosa, o Chacrinha, nos anos 70 e 80. Era uma senhora rabujenta, mal-humorada, que acabava com os candidatos com suas palavras cortantes e alguns palavrões. Mas ela sabia o que dizia. Era uma grande cantora. Tinha muitos fãs sinceros e apaixonados, como Hermínio Bello de Carvalho que escreveu o livro Araca, arquiduquesa do Encantado (Edições Folhas Secas) para contar as grandes e engraçadas histórias dessa mulher suis generis.
Para ele, ela era pansexual: amava homens, mulheres, cachorros e árvores.  Cheia de contradições, era um personagem rico, que amava grandes sacadas, porque não dizer: gostava de chocar as pessoas naquele tempo tão careta e formal. Em sua casa, havia quadros de grandes pintores, como Di Cavalcanti, amigo verdadeiro, e também pinturas de Aldemir Martins, Antonio Bandeira, Heitor dos Prazeres. Ouvia o clássico Bach e amava as óperas.
Viveu com Henri, o alemão Henrique Pffiferkorner, de quem pegava as cuecas. Sim, Aracy não gostava de calcinhas, mas de cuecas largas e confortáveis. Nesse ponto, antecipou a moda: muitas jovens atualmente se gabam de usar cuecas dos namorados, olha só como Aracy era moderna! Mas ela se vestia de forma estranha, nada lhe caía muito bem. As roupas eram de boa qualidade, mas ela não tinha gosto ou talvez paciência para descobrir o que combinava com o seu tipo físico. Os cortes de cabelo também não eram nada femininos. Sim, ela era feia e mal ajambrada. Não ficou rica com a música, continuou morando na casinha do subúrbio e, às vezes, fazia uma extravaganza comprando enfeites caros para a sua casa.

Segundo o maior fã e protetor, o Belo Hermínio, como Aracy gostava de chamá-lo, a cantora tinha uma coisa que antecedia aos hippies, às conquistas femininas postuladas pela francesa Simone de Beauvoir. Foi existencialista antes de Jean-Paul Sartre. Gostava de ler o Velho Testamento e, segundo ela, Eclesiastes era um existencialista por natureza.
 Olivia Byinton gravou um disco maravilhoso em que fez um tributo a Aracy de Almeida, chamado “A Dama do Encantado”, de 1977.

                                                         Três apitos



segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

O rádio faz história – O rock n’roll chega ao Brasil


Nora Ney – Rock around tonight  https://www.youtube.com/watch?v=5GnaU2m3-OQ

Celly  Campelo e palhaço Carequinha: dois sucessos do tempo do rok



Antenado com as novidades mundiais, César de Alencar - apresentador do programa mais popular nos anos 50, na Rádio Nacional, - ouviu dizer que uma música estava em primeiro lugar nas paradas de sucesso nas rádios americanas. Era o Rock around the clock. Gravada em 1954, só ficou conhecida no ano seguinte, quando entrou para a trilha sonora do filme Sementes da violência (Blackboard jungle), interpretada pelo conjunto Bill Haley & seus cometas. Os sons provocaram tal frisson na plateia de jovens que eles começaram a quebrar tudo o que viam dentro da sala de cinema: cadeiras, tela...  O tal comportamento maluco se repetiu em vários cinemas nos Estados Unidos.

O filme Sementes da violência, com Glenn Ford, contava a história de um professor que ia dar aula em uma escola e viu que era dominada pela violência. Estava crescendo a geração chamada de rebeldes sem causa. A guerra havia acabado, os jovens americanos tinham trabalho, conforto,  mas eles não queriam ser como os pais. Desejavam mudanças de comportamento, mais liberdade, cabelos compridos, roupas descontraídas e música frenética. No Brasil, esse grupo inspirou, mais tarde, a Juventude Transviada .

Antes de o filme Sementes da violência chegar no Brasil, e que acabou também gerando quebra-quebra nos cinemas, César de Alencar pediu que a cantora Nora Ney fizesse um cover da música. Ou seja, cantasse igualzinho ao original do conjunto Bill Halley.  Cantora da noite, ela não tinha nada a ver com aquele estilo, mas sabia falar inglês. Aprendeu a música, ensaiou com uma pequena orquestra e, detalhe, ainda não tinham chegado por aqui guitarras elétricas, já comuns nos Estados Unidos. Em 1955, ela cantou ao vivo no Programa César de Alencar e foi uma loucura!  O público enlouqueceu só de ouvir aquela música no rádio. Os telefones na Rádio Nacional não pararam de tocar. Todos queriam saber onde poderiam comprar o disco.

Na época, os discos demoravam muito para chegar ao país. Por isso, os cantores brasileiros gravavam ou apresentavam ao vivo os tais covers. A música que acabamos de escutar de Nora Ney foi um cover que ela gravou em 1955, de 78 RPM. Apesar do sucesso inesperado, Nora Ney não quis continuar no gênero rock e voltou para os sambas-canções de Dorival Caymmi e Ary Barroso, que costumava interpretar nas pequenas boates de Copacabana.

Nascia o rock no Brasil. Nas rádios brasileiras, aparecia uma nova geração de cantores que se apaixonou pelo estilo rebelde de tocar e cantar música.
O governador de São Paulo, Jânio Quadros, determinou que o filme Sementes da violência- quando chegou aqui, em 1955 - fosse proibido para menores de 18 anos. E o juiz de menores concordou porque, segundo suas palavras, “o novo ritmo é excitante, frenético, alucinante e mesmo provocante, de estranha sensação de trejeitos exagerados e imorais”.

Na Bahia, Caetano Veloso contou que teve medo de assistir ao filme Sementes da violência porque achava que podia ser possuído por alguma força irracional. Depois, disse ele, descobriu que “estava diante de uma chanchada igual àquelas que o cinema nacional produzia na época”. Outro filme do gênero, o Rock around the clock, 1956, aqui chamado de Ao balanço das horas, deu continuidade a essa febre de rock n’ roll.  

No Brasil, o rádio seria o primeiro meio de comunicação a estimular a onda musical. Waldir Pinotti estreou  A Hora da Broadway, diariamente, das 17h às 18h, na Rádio Metropolitana. Waldir tinha um conhecido na embaixada americana que lhe fornecia um audiotape do programa You Make Believe Ballroom, com os 50 primeiros lugares da parada de sucessos, a Cash Box. Segundo Albert Pavão, no livro Rock brasileiro 1955-1965 (Edicon, 1989), “Waldir tirava a voz do locutor em inglês e anunciava os sucessos de Chuck Berry, Carl Perkins, Fats Domino e The Platters”.

Erasmo Carlos e muitos outros jovens enlouqueceram ao ouvir o ritmo novo e descobriram que havia muita gente fazendo rock n’ roll, além de Bill Halley.  Antes de conhecer Erasmo, Roberto Carlos, aos 16 anos, foi convidado para fazer uma participação no programa Clube do Rock na TV Tupi. Lá, ele cantou Jailhouse rock, de Elvis Presley.  Não existe gravação, pelo que sei, dessa gravação de Roberto Carlos. Vamos ouvir um pedaço do original: (https://www.youtube.com/watch?v=gj0Rz-uP4Mk). (opcional)
Mas é engraçado saber que o Rei imitou Elvis um dia na vida.

Voltando ao Rádio, outro jovem amante do rock Carlos Imperial criou na Rádio Guanabara um programa dedicado ao gênero: Os brotos comandam.  Foi Imperial quem também fazia o programa na TV Tupi e que levou Roberto Carlos a gravar o primeiro disco, com a música João e Maria.  Nada a ver com rock e sim com a Bossa Nova, que também estava surgindo.
A mania foi se espalhando, Jair de Taumaturgo, considerado um coroa, chamou Isaac Zeltman para apresentar o programa Alô, brotos,em 1961, que se tornou o maior sucesso na cidade. Os jovens cantores iam ao programa, se fantasiavam como os artistas estrangeiros ou criavam personagens diferentes para se mostrar para a plateia do pequeno auditório do rádio.

A cantora Sonia Delfino começou a fazer sucesso no Rio reagindo ao grande nome do rock que apareceu pouco antes e que vinha de São Paulo, Cely Campelo. Ela gravou Estúpido Cupido, versão de Stupid Cupid, em 1959.  Ela apareceu no cenário musical junto com o irmão Tony Campelo, mas acabou largando a música para se casar!


Até o palhaço Carequinha teve um programa na Rádio Carioca, das 10h da manhã até as 21h30, que só tocava rock. O próprio Carequinha chegou a interpretar rock n’ roll, o Rock do Ratinho e o Rock da Alegria, por exemplo. 
https://www.youtube.com/watch?v=Lqe0Tyjns9U   Rock do Ratinho, de 1961.
Na Rádio Globo, Chacrinha passou a apresentar  A parada é do Rock. Luiz de Carvalho era o dono do programa a Revista do Rock no ar.  Surgiram várias revistas de papel também dedicadas ao gênero, como a Revista do Rock e Baby Face.

A sociedade estava dividida: havia pais conservadores que achavam que os filhos se perderiam para sempre ao ouvir o rock; outros aceitaram melhor. Na Revista do Rádio, do começo dos anos 50, até D. Helder Câmara, bispo-auxiliar do Rio de Janeiro, deu a sua opinião sobre a grande polêmica: “Nessa época em que tudo é a jato, temos que seguir o seu caminho. Não vejo maldade no rock, quando colocado em terreno puro”.

Já era tempo dos Beatles, que explodiram em 1962. Três anos mais tarde, e começa a era da Jovem Guarda, que ganhou um programa especial na TV Record, em São Paulo.  O rei se tornou Roberto Carlos, que comandava a turma dos roqueiros e brotinhos brasileiros.


Para acabar essa participação, queria mostrar que o cantor Agostinho dos Santos (mais tarde, um cantor romântico), entrou nessa onda do rock, ao gravar Até logo, jacaré, uma versão muito engraçada e ridícula de See you later, aligator, também de Bill Haley & seus cometas. ( Faixa 2, do CD.) Ridículo porque a versão não faz jus à expressão em inglês que rima bem: “See you later, aligátor, in while, crocodile”.

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Rádio Blog – Marlene, ela que canta e dança diferente

Marlene, a Rainha do Rádio de 1949



 Sucessos dos anos 60


Semana passada, nós falamos sobre a cantora Emilinha Borba. Para fazer justiça, nesta semana, vamos conversar sobre a história de outra cantora, a também famosa Marlene. Victória Delfino dos Santos tinha como nome de solteira Bonaiutti de Martino. Ela nasceu em São Paulo, no dia  22 de novembro de 1924, sete dias antes da morte de seu pai.  Dona Antonieta, a mãe, criou as três filhas sozinhas, dando aulas e costurando. Todas as quatro eram ligadas à Igreja Batista, sendo que Marlene chegou a cantar no coro juvenil da igreja.

Em 1939, começou a fazer participações na Rádio Bandeirantes, em um programa novo chamado Hora dos Estudantes.  É claro que cantava escondida da família muito rigorosa. Os colegas da faculdade escolheram um pseudônimo para ela: Marlene, em homenagem à atriz Marlene Dietrich, muito conhecida na época.  Marlene começou a cursar a Faculdade do Comércio, à noite, e trabalhou em um escritório. Mas o chamado do rádio estava ficando cada vez mais forte. Ela estreou como profissional na Rádio Tupi de SP e começou a fazer sucesso. Os colegas decidiram pedir apoio à mãe de Marlene para uma cantora tão boa. A reação foi terrível, ela decidiu agredir fisicamente a filha.  Para Antonieta, samba era uma coisa do demônio.

Victória, ou melhor Marlene, aos 19 anos,  em 1943, saiu de casa e veio arriscar a vida no Rio. Ela já havia mandado cartas para empresários pedindo uma oportunidade. Afinal, a voz da jovem era forte e tinha grande extensão. Conseguiu um emprego no Cassino Icaraí, em Niterói e, depois de dois meses, ao conhecer o músico e empresário Carlos Machado, foi convidada para estrear no Cassino da Urca, o endereço glamouroso das noitadas da cidade. Tornou-se vocalista de orquestra.

Segundo Ronaldo Conde Aguiar, no livro As divas do Rádio Nacional, Marlene era uma cantora teatral: “levantava os braços, gesticulava, abria as pernas, jogava os cabelos enormes”. Isso chamava atenção dos empresários.  A mãe acabou aceitando a opção da filha, desde que ela seguisse os preceitos da religião e veio morar com ela no bairro da Urca.


Com o fim do jogo no Brasil, em 1946, Marlene perdeu o emprego e ganhou outro, na boate Casablanca, na Praia Vermelha, durante dois anos.  Depois, tornou-se crooner  e cantava no Golden Room e na boate Midnight, os dois no Hotel Copacabana Palace. Cantava das 21h às 4h da manhã. O público da cantora eram os ricos que se hospedavam e se divertiam no melhor hotel da cidade. Marlene começou a cantar na Rádio Mayrink Veiga e fez muito sucesso com Swing do morro. Vamos ouvir? https://www.youtube.com/watch?v=tULDcbYRCGw 

Ganhou o concurso carnavalesco,  muito comuns naquela época, com a música Coitadinho do papai, acompanhada dos Vocalistas Tropicais, que estourou  no Carnaval de 1948. Nos anos 40, sucesso mesmo quem fazia era a Emilinha Borba, na Rádio Nacional. Marlene admitiu, em vida, que no momento em que apareceu no rádio, no Rio, ela era uma “joana ninguém” e que o grande nome era mesmo o de Emilinha.

Marlene não se identificava muito com o público radiofônico, mais popular. Até que a jogada de marketing da Cia Antártica, que eu já contei na outra crônica, decidiu lançar Marlene como nova cantora ao lado do novo formato do guaraná, o Caçula, em 1949. Ela venceu o concurso para o desgosto do fã clube de Emilinha e passou a cantar na Nacional, quase que exclusivamente no Programa Manoel Barcelos. As coisas mudaram rapidamente.

Ao mostrar o seu talento, ela também conquistou seus próprios admiradores. Pessoas menos conservadoras e mais modernas, vamos dizer assim. Parecia liberada, sofisticada, polêmica, enquanto Emilinha era considerada uma “santinha”.  Emilinha se apresentava no Programa César de Alencar. Como eram diferentes: enquanto Emilinha gostava de músicas politicamente corretas e tolinhas, Marlene escolheu outro tipo de repertório. Eram sambas brasileiros que privilegiavam pessoas do povo. A Rádio Nacional e a Revista do Rádio começaram a investir nesse contraponto e incentivaram a rivalidade. Marlene não resistiu ao assédio e  também ganhou um fã-clube.

Curiosamente, não foram apenas as mocinhas que amavam uma cantora e odiavam a outra. Em todas as escalas da sociedade, em todos os grupos profissionais, havia uma divisão clara. Quem gostava de Marlene, não gostava de Emilinha. E vice-versa. Em uma entrevista, Marlene disse que o Brasil se dividiu. “Não era só a Revista do Rádio”, ela disse,eram todos, a imprensa toda (...)  Era um negócio muito sério. Realmente todos queriam tirar a sua lasquinha. Mas eu não gostei daquilo não”.

No livro Por trás das ondas da Rádio Nacional, a autora Miriam Goldfeder analisou profundamente esse fenômeno que aconteceu nas décadas de 40 e 50 e tirou conclusões muito interessantes.  Para Miriam, a classe média gostava de Marlene porque ela era um pouco mais crítica. Mas acabou que Marlene entrou na mesma faixa de público popular de Emilinha, aquele que frequentava o rádio e rasgava as roupas dos ídolos.

Não havia muita lógica nos slogans criados da época.  Marlene se tornou a querida da Aeronáutica; a Emilinha era a preferida da Marinha. Por que, ninguém sabe explicar.

Antes da chegada da TV no Brasil, em 1950, o público queria conhecer pessoalmente os cantores. Por essa razão, os convites para o auditório da Nacional, que tinha lugar para quase 500 pessoas, eram altamente disputados. Certa vez, Marlene disse que “chegava ao palco e queria fazer uma coisa mais séria, mas o público não queria não; se contentava em ver, podia cantar errado, desafinar, o público queria ver”.


Marlene casou-se com o ator Luís Delfino e, anos depois, pediu desquite, uma atitude considerada ousada.  Ninguém se separava na época.  Era também atriz, bailarina e compositora. Gravou 4 mil canções em sua carreira, fez 11 filmes, entre eles, Corações sem piloto, Caídos do céu e Pif-Paf,  e participou de cinco peças de teatro e cinco revistas.

Tanto Marlene quanto Emilinha faziam excursões pelo país. Mas só Marlene cantou no Teatro Olympia, em Paris, à convite da famosa francesa Edith Piaf  que a viu cantando no Copacabana Palace. Cantou também no Waldorf Astoria, em Chicago.  Segundo a escritora Miriam Goldfeder, apesar de Marlene ser uma das primeiras a mostrar a opressão dos mais pobres, como na música carnavalesca Lata d’água e Zé Marmita, ela não chegava a ser nenhuma revolucionária de carteirinha. Nas letras, ela não mostrava como superar a pobreza, apenas mostrava uma situação.

Nos bastidores, dizia-se que Marlene se irritava com Emilinha. Essa versão nunca poderá ser confirmada.  Emilinha garantia que elas se davam muito bem, o que não acontecia com as fãs das duas, que se odiavam, se batiam e rolavam as escadarias do Edifício A Noite, na Praça Mauá.

César de Alencar afirmou que nem os avisos do palco que diziam “Silêncio” ou “Aplausos” costumavam ser respeitados.  Nas palavras dele: “Tinha uma hora que ficava assim, muito violento e eu era obrigado a parar o programa (... ) Eu brincava, quando via que não dava pé, eu dizia: Opa,  parem o programa. Vocês querem parar ou querem que a gente continue o programa? Vocês vão ficar em silêncio?”

Marlene se interessava pelo teatro desde que tinha 6 anos, seu pai chegou a pertencer ao teatro amador. Tornou-se atriz de verdade e a primeira peça foi Depois do casamento, em 1952. Depois vieram  Botequim e Ópera do Malandro. Na TV, participou de novelas como Bandeira 2, O amor é nosso e Viver a Vida.

Marlene morreu aos 91 anos, no dia 13 de junho passado, de falência múltipla dos órgãos.   O velório foi no Teatro João Caetano, na Praça Tiradentes. Os portões ficaram abertos para que os fãs fossem se despedir da cantora conhecida também como “A Incomparável”.


segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Rádio Blog – Emilinha Borba, a “Rainha do Rádio”

Emilinha Borba, um exemplo das meninas dos anos 40 e 50




Escandalosa:

https://www.youtube.com/watch?v=0mhjrT4Ro2E


Durante muitos anos, Emilinha Borba foi um exemplo para as fãs do rádio. Afinal, ela era uma jovem pobre que venceu por sua própria força e talento. Mostrava a imagem de uma moça bem comportada e escolhia seu repertório seguindo o preceito da moça certinha que obedecia ao pai e à mãe. Muitas jovens viram nela um exemplo.

Emília Savana da Silva Borba nasceu no Rio de Janeiro, em 31 de agosto de 1923 (morreu no Rio em 3/10/2005). A infância foi pobre e difícil no Morro da Mangueira e, mesmo contra a vontade da mãe, Emilinha se apresentava nos programas de auditório. Aos 14 anos, ela ganhou o primeiro prêmio na Hora Juvenil, da Rádio Cruzeiro do Sul. Depois cantou no programa mais difícil da época: Calouros em desfile, de Ary Barroso. Ela agradou com a sua voz pequena e afinada ao cantar O X do Problema, de Noel Rosa.
Passou a participar de algumas gravações da Columbia, como integrante dos coros. Logo formou uma dupla com Bidú Reis chamada de As Moreninhas. Em 1939, gravou a marcha Pirulito, sendo que no disco seu nome não foi creditado.  Nesse mesmo ano, gravou o primeiro disco solo, em 78 RPM, para a Columbia O samba-choro Faça o mesmo, com  Benedito Lacerda e seu conjunto, chamou a atenção do público para o seu nome. Depois, gravou o samba Ninguém escapa de Eratóstenes Frazão.
Graças à mãe que trabalhava no Cassino da Urca, como camareira de Carmem Miranda, Emilinha ganhou uma madrinha artística caída do céu: a  própria Carmem.  A primeira providência foi alterar a idade, afinal , a mocinha ainda não tinha 18 anos. Parecer mais velha evitava problemas com o Juizado de Menores que, naquela época, era muito rígido. Assim, com a roupa e os sapatos de salto de plataforma de Carmem, Emilinha foi aprovada por Joaquim Rolla, dono do Cassino da Urca, que a transformou em crooner. O crooner é aquela espécie de cantor ou cantora que interpreta vários tipos de canção durante a noite em uma boate.
Do cassino para o cinema foi um pulo. Emilinha participou, em 1939, do filme Banana da Terra, de Alberto Bynton e Rui Costa. A produção contava com um grande elenco: Carmen MirandaAurora MirandaDircinha BatistaLinda BatistaAlmiranteAloísio de OliveiraBando da LuaCarlos GalhardoCastro BarbosaOscarito e Virgínia Lane, a "Vedete do Brasil".
Em 1940, começou a gravar músicas que tiveram acompanhamento do maestro  Radamés Gnattali. Seu repertório não era crítico nem combativo, pelo contrário, era sempre bem comportado. Os sambas  O Cachorro da Lourinha  e Meu Mulato Vai ao Morro, da dupla Gomes Filho e Juraci Araújo, são dessa época. Foi chamada para participar de mais dois filmes: Laranja da China Vamos cantar. Mudou de gravadora e, na Odeon, gravou Quem parte leva saudades.
Em 1942, foi contratada pela Rádio Nacional, mas não ficou muito tempo nessa primeira fase.  No ano seguinte, em outro contrato, ela se firmou de tal forma que passou a ser a principal estrela do elenco durante 27 anos. Nesse tempo, a Nacional era líder de audiência no país. Além de participar de vários programas, tinha um grande fã clube. Foi campeã de correspondência durante 19 anos consecutivos. Lembrem-se os mais jovens: não havia email naquele tempo, eram apenas cartas mesmo!
Em 1942, durante a Política da Boa Vizinhança, o diretor americano Orson Welles começou a filmar no Brasil o documentário It's All True (É tudo verdade, que ficou inacabado). Orson adorou o Brasil e também a cantora mais popular daquela época, Linda Batista.  No Cassino da Urca, Orson Welles namorava Linda, mas gostou também de Emilinha. Prometeu levá-la para  Hollywood e fazê-la uma grande atriz.  Linda não gostou, passou a humilhar a mãe de Emilinha e a dificultar a ascensão da cantora. Em determinada noite, Linda atacou Emilinha nos bastidores e ainda rasgou o vestido do show.

Durante muitos anos, as irmãs Linda Batista e Dircinha Batista ganhavam o concurso para Rainha do Rádio.  Mas as fãs queriam uma renovação e fizeram uma grande campanha para Emilinha ganhar, em 1949. Vendiam as revistas e preenchiam, elas mesmas, os cupons. Quem ganhasse mais votos, levava a faixa de rainha. Naquele ano, Emilinha gravou a marcha Chiquita Bacana, que foi o primeiro lugar nas paradas de sucesso e passou a ser considerada a vencedora do concurso. https://www.youtube.com/watch?v=JKs7yPcrsOk

Mas não foi. O que ninguém sabia era que a Cia Antártica comprou milhares de votos para lançar um novo guaraná, o Caçulinha, junto com uma nova cantora, a pouco conhecida Marlene. Foi uma das primeiras grandes jogadas de marketing no Brasil. Emilinha perdeu o lugar, mas não o coração das fãs que passaram a hostilizar Marlene para sempre. A Rádio Nacional soube aproveitar a rivalidade e convocava as duas para fazer shows em várias cidades brasileiras. A Revista do Rádio inventava brigas entre as duas e vendia milhares de exemplares.

Emilinha se tornou Rainha do Rádio só em 1953 e sempre, até o fim da vida, teve os fãs perto dela. Eles comemoravam os aniversários e compravam presentes para a cantora. Na revista Radiolândia, Revista do Rádio e no jornal A Noite, a cantora se comunicava com os fãs através de colunas e cartas. O Diário da EmilinhaÁlbum da EmilinhaEmilinha Responde e Coluna da Emilinha eram disputados entre os leitores. Tornou-se cereja do bolo do Programa César de Alencar, a atração de auditório mais famoao a partir de 1946. Até 1995, Emilinha foi a personalidade brasileira a ter mais capas de revistas, cerca de 350.

Quando chegava a uma cidade do interior, não havia quem trabalhasse ou estudasse naquele dia. Tudo era válido para ver Emilinha de perto e ao vivo. Já era o star system do rádio. Por essa razão, as prefeituras passaram a decretar feriado sempre que Emilinha aparecia para receber as chaves do lugarejo.

No programa  A Felicidade Bate à Sua Porta, de 1953, em que os ouvintes participavam do sorteio de brindes e eletrodomésticos que vinham em um furgão preto.  Era preciso ter o sabão e outros produtos da marca Cristal (União Fabril Exportadora) em casa e escrever para a Nacional para competir. Os radialistas Yara Salles e Heber de Boscoli comandavam a atração de domingo, às 19h, depois do futebol. Melhor do que os eletrodomésticos era a visita de Emilinha. Ela vinha escondida em outro carro e, ao sinal da produção, entrava na casa do ouvinte sorteado. Uma multidão ficava histérica na rua com a presença da cantora.
 Em 1959, participou do filme Entrei de gaiato cantando Menina Direitinha, em que aconselhava as meninas a não se perderem entre os garotos que andavam de lambreta e eram considerados os bad boys da época, a juventude transviada. Emilinha cantava: “Menina direitinha que pensa no futuro/ não chega tarde em casa e não namora no escuro/ Não anda em garupa da lambreta/Sem ordem da mamãe, ela não sai/Cuidado para não dar desgaste pro papai”.

domingo, 19 de outubro de 2014

“As aventuras de Fred Perkins”

“O Rádio faz história” - Rádio MEC AM

Rose Esquenazi



Francis Hallawell foi correspondente de guerra pela BBC
e autor do programa 'As aventuras de Fred Perkins"
Um novo gênero de programa radiofônico chegava ao Brasil nos anos 40: as séries de aventura sobre guerra dirigidas ao público infantojuvenil. Estavam nessa lista: “As aventuras de Fred Perkins”, interpretada por Francis Hallawell, em Londres. E também “O homem pássaro” e o “Barão Eixo”, as duas últimas feitas no Brasil.

Vou falar hoje sobre “As aventuras de Fred Perkins” porque vou pegar carona no seu programa, Marco Aurélio, para convidar você e o seu público para lançamento do meu livro “O Rádio na Segunda Guerra. No ar, Francis Hallawell, o Chico da BBC”. Vai ser na Livraria Travessa Botafogo, dia 22 de agosto, sexta-feira, a partir das 19h. A Travessa fica em frente à Estação do Metrô de Botafogo.

Antes de se tornar o correspondente Chico da BBC, o único que fazia rádio ao lado das forças brasileiras na Itália, em 1944, Francis Hallawell trabalhava em Londres. Brasileiro de família inglesa, ele nasceu em 1912 queria para o exército inglês, mas, devido à idade, foi convidado  para trabalhar no Serviço Brasileiro da BBC. Ele escreveu e apresentou diversos programas, entre eles, episódios de 28 minutos enviados em ondas curtas para o Brasil. Eram “As aventuras de Fred Perkins”, que tinham efeitos sonoros, radioatores, música. A série era gravada em acetato e, alguma depois, era enviados ao Brasil e retransmitida em diferentes estações de rádio e serviços de alto-falantes.  “As aventuras de Fred Perkins” ficaram famosas.

Infelizmente não existem, nem na Inglaterra nem no Brasil, scripts originais desses programas. Tudo bem que o prédio da BBC foi muito bombardeado pelos alemães na Segunda Guerra. O que consegui foram dois programas em áudio, uma raridade, não há dúvida.  Não se tem uma data precisa de sua criação, mas é provável que os programas tenham sido gravados em 1943.
 Consegui essas gravações na Collector’s, empresa que digitalizou os programas a pedido do próprio Hallawell, que morreu em 2004. A esposa de Francis, a belga Julienne, vive em Corrêas, Petrópolis,  também me ajudou muito.

 No primeiro episódio, o personagem Fred quer sair pelo mundo em “busca da verdade”. Tentando achar uma coerência no meio de tantas versões jornalísticas desencontradas. O repórter da ficção tinha o mesmo sentimento dos correspondentes de carne e osso. Como dizia o jornalista Rubem Braga, do Diário Carioca, correspondente de guerra na Itália que ficou amigo de Francis Hallawell:  “Não existe verdade em uma guerra”. Isso porque há várias versões sobre o mesmo fato. Além disso, a imprensa brasileira sofria três tipos de censura: a da guerra – comum em tempos de conflito, a censura dos militares brasileiros e ainda a censura do Estado Novo.

Na história infanto-juvenil, o personagem Fred Perkins monta um miniaparelho de rádio com o poder de transmitir ao vivo as suas aventuras. Tratava-se de algo inimaginável nos anos 40, antes dos satélites, transistores e chips. O personagem embarca em um avião construído por um amigo e vai até a Alemanha, onde um avião inimigo derruba seu teco-teco. Fred cai em solo alemão, é ameaçado de morte e acaba na antessala de Hitler, ouvindo seus ataques histéricos. Na prisão, Fred é salvo por uma bomba inglesa atirada de um avião da RAF. Assim ele consegue fugir.

Segundo o historiador João Baptista de Abreu, o personagem principal assemelha-se a um herói das histórias em quadrinhos, “pelo arrojo, ironia e humor na interpretação”. Depois da vinheta característica do programa, animada com o tique-taque de ponteiros de um relógio, sons de xilofone e bumbo, o correspondente de guerra se apresenta ao público.  Na época, o rádio sofria muita interferência e isso aparece nos episódios.  O contrarregra reproduz esses ruídos incômodos e o correspondente pede desculpas a cada vez que isso acontece. Com uma voz clara e espontânea, Francis Hallawell dá asas à imaginação do público.


O livro que vou lançar no dia 22 de agosto é minha dissertação de mestrado em História da Cultura que defendi na PUC-Rio, em 2013. Procurei seriados infantojuvenis da mesma época para fazer comparações.  Encontrei “O homem pássaro”, irradiado pela Rádio Nacional, diariamente, às cinco e meia da tarde. Essa série durou dois anos: de 1944 a 1946. Também falava de guerra e do nazismo.

No único disco de acetato que sobreviveu na Rádio Nacional, não há registro de data. “O homem pássaro”, narrado por César de Alencar, era super-herói arrojado e audacioso, segundo a historiadora Lia Calabre que escreveu sobre essa ficção radiofônica. Assim como a série “As aventuras de Fred Perkins”, a trilha de abertura de “O homem pássaro” era vibrante e envolvente.

No episódio “A vingança do Cérebro”, o hreói Dick está procurando “o negro Joe” na aldeia do Touro Bravo.  Passando por um perigoso despenhadeiro, ouvem-se os efeitos sonoros de cavalos trotando outros reagindo a uma pedra que despenca da montanha, além de muitos tiros.  Há suspense e tensão.

Existe ainda um terceiro seriado,  o “Barão Eixo” , que encontrei sob a forma de um anúncio no jornal “Diário Carioca”, do dia 2 de julho de 1943.  O programa ia ao ar aos domingos, às 20h45, na Rádio Nacional, mas não se sabe mais nada sobre a sua produção e conteúdo.

O que eu acho mais interessante é deixar espaço para o público pensar e imaginar, algo tão raro atualmente. O rádio sempre fez isso, mas, em qualquer ficção, o ouvinte vai além. No caso de “As aventuras de Fred Perkins”, as pessoas podiam conhecer um pouco sobre a vida dos correspondentes.  Sem querer, Francis Hallawell antecipou o seu destino que só teve início em 1944, na Itália, ao lado de outros jornalistas  brasileiros que foram para a guerra.



Trecho:

Em uma de suas primeiras falas, Fred Perkins conta que teve uma ideia. Ele diz assim no seriado: “Estou enjoado desse negócio de “fontes autorizadas informam de Berlim”, “contam fontes oficiais”, “um porta-voz militar”, depois vem outro que diz que foram 150 mil prisioneiros aqui, acolá. Daqui a pouco, não foi nada disso, ninguém fez 150 mil prisioneiros, foi outra pessoa que foi presa em um lugar muito diferente. Vocês sabem como é, não sabem? Estava eu nisso quando disse a minha mulher: e se tivéssemos um meio de saber a verdade? E ela me disse: “Pois é, Fred, e se fizessémos isso?  E, de repente, deu um estalo, e por que não, Mabel? Afinal de contas, quem nos impede de ver? Saberíamos por nós mesmos a verdade. E foi assim que começou a história toda”.



Jerônimo - Um herói nacional


Rose Esquenazi


A série do rádio virou revista em quadrinhos
Moyses Weltman, o autor da série


Os primeiros heróis apreciados pelos brasileiros eram importados. Super Homem, Tarzan, Homem Aranha faziam parte da imaginação popular, mas nasceram nos Estados Unidos. Essas figuras cheias de qualidades sobre humanas apareciam na forma de quadrinhos de jornais e, depois, de revistas em quadrinhos. Com o surgimento do rádio, histórias de heróis passaram a frequentar as ondas sonoras, que passaram a incluir os valentes do Velho Oeste americano. Com a proximidade da Segunda Guerra, surgiu o personagem Sombra, que já havia estourado nos Estados Unidos. Era um policial que conseguia ficar transparente e podia entrar nos esconderijos dos bandidos e ouvir todas as confissões dos criminosos. O Sombra teve uma marca que ficou conhecida durante anos: “Ninguém sabe o mal que se esconde nos corações humanos. O Sombra sabe. Rararaá".

Havia também o seriado Aventuras do Anjo, um milionário que, nas horas vagas, tentava fazer justiça com as próprias mãos. Todos os heróis eram importados até que, em 1953, o brasileiro Moisés Weltman cria Jerônimo, o Herói do Sertão. O sucesso, irradiado pela Rádio Nacional, fez sucesso imediato. Mas o criador passou por difíceis dúvidas antes de se decidir pelo nome. Ele iria se chamar Bento Faria e teria a naturalidade gaúcha. Mas eis que a direção da emissora preocupou-se em lançar um produto demasiadamente regional. Quebrando um pouco mais a cabeça, Weltman chegou a Jerônimo, sinônimo de um homem corajoso que percorreria o sertão para fazer justiça tendo sempre ao lado o seu companheiro o Moleque Saci (Cauê Filho). Ele era interpretado por Milton Rangel, que contracenava com várias radio atrizes que viveram o amor de sua vida, a Aninha. Dulce Martins, Neusa Tavares e Maria Alice Barreto  preenchiam a imaginação dos jovens ouvintes. A mãe batalhadora, a Maria Homem, também foi um grande personagem, interpretada por Tina Vita. Maria Homem teve que reagir à violência dos poderosos do sertão que roubaram as terras e mataram o marido.
A trilha do seriado ficou grudada na cabeça dos ouvintes e fazia uma síntese da história. Quando ouvimos o programa atualmente vemos que de fato envelheceu e ninguém conseguiria escutar essa a série sem um ar de enfado. Mas, durante 14 anos, a Nacional exibiu 3.276 capítulos e, se bobear, ainda hoje podem se emocionar.
Pode-se perceber essa paixão na busca das antigas revistas em quadrinhos que a editora Rio Gráfica lançou. No primeiro número, esgotou rapidamente nas bancas. Tanto que a editora teve que aumentar a tiragem 48 horas depois, segundo escreveu o escritor Ronaldo Conde Aguiar, no livro Almanaque da Rádio Nacional (Casa da Palavra).
Jerônimo foi parar na televisão duas vezes. Na Tupi, na década de 60, e no SBT, em 1980. Não fez muito sucesso. O herói autenticamente brasileiro, que cavalava por regiões com características brasileiras, também não causou nenhum impacto no cinema, na produção filmada em 1994.

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/Quem passar pelo Sertão / Vai ouvir alguém falar / No herói desta canção / Que eu venho aqui cantar /
// Se é pro bem vai encontrar / Um Jerônimo protetor / Se é pro mal vai enfrentar /Um Jerônimo lutador /
//Filho de Maria Homem, nasceu / Cerro Bravo foi seu berço natal /
Entre tiros e tocais cresceu / Hoje luta pelo bem contra o mal //
//Galopando está em todo lugar / Pelos pobres a lutar sem temer / Com o Moleque Saci pra ajudar / Ele faz qualquer valente tremer /