quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Dóris Monteiro - Mudando de conversa


      Adelina Dóris Monteiro nasceu no dia 23 de outubro de 1934, no Rio de Janeiro. Olha que legal, ela comemorou o aniversário de 80 anos, em 2014, com uma festa em que reuniu a família e os amigos. Cantora de sucessos como Mocinho Bonito, de Billy Blanco, Mudando de Conversa, Dó-ré-mi (de Fernando César), Dóris se apresentou recentemente em Belo Horizonte, em agosto do ano passado, no projeto Salve Rainhas, idealizado por Pedrinho Madeira. Ela adora os aplausos do público que ainda a prestigia e procura os shows da cantora. Em um blog, ela disse que fica eufórica com os fãs: “Fico nas nuvens”.

     Dóris Monteiro foi revelada em 1949 no programa Papel Carbono, de Renato Murce, na Rádio Nacional do Rio de Janeiro. E também foi atriz do cinema. Em 1953, atuou no filme Agulha no palheiro e cantou a música com o mesmo nome. Chegou a ganhar um prêmio. No ano seguinte, fez uma participação especial no filme Rua sem sol, de Alex Viany, com música de Luís de Barros. Atuou também nos filmes De vento em popa,  de Carlos Manga. 
   
       A carreira de Dóris começou a carreira aos 17 anos e a mãe acostumava acompanhá-la. Naquela época, era um perigo uma mocinha sozinha nas estações de rádio. Aliás, o pai sempre implicou com a escolha da carreira. Depois de ser aprovada no Papel Carbono, foi apresentada a Henrique Foreis Domingues, o Almirante, que, na época era diretor da Rádio Tupi. Aos 17 anos gravou seu primeiro disco: Se você se importasse, de Peterpan. Ficou em primeiro lugar nas paradas de sucesso durante três meses. Quem apresentou Dóris e Almirante foi o cantor Alcides Gerardi. Submetida a um teste para cantora, foi aprovada e começou a participar dos programas musicais da rádio.  Ficou na Tupi durante oito anos.

      Dóris Monteiro chamava atenção por sua beleza e seus cabelos longos. Dizem as más línguas que o todo poderoso Assis Chateaubriand, dono de várias estações de rádio em todo o Brasil, jornais e revistas, como a de maior vendagem – O Cruzeiro – fundador da primeira estação de TV no Brasil, a Tupi, foi apaixonado por ela. Ninguém provou a história de amor. Mas ficou na memória do rádio que Chatô cismou que ela deveria ser uma Rainha do Rádio. E que teria comprado dezenas de exemplares da revista e obrigado seus funcionários recortar o cupom e a responder a pergunta: Quem é a maior cantora do país. É claro que a resposta foi: Dóris Monteiro. E ela se tornou Rainha do Rádio nos anos 1956 e 1958.

   Dóris sempre dá seus palpites no atual cenário da música brasileira. Sempre atenta, ela destila uma fina e mordaz ironia. “Outro dia levei meu cachorro ao Pet Shop e tocava uma música. Perguntei: "Que cantora é essa?". E me responderam que era o Michel Teló. Olha que fora que eu levei! Não escuto esse rapaz, só escuto coisas que eu gosto. Quando aparece uma dupla sertaneja na televisão já mudo de canal. É um direito que eu tenho. As pessoas geralmente não admitem que os artistas tenham suas preferências, nos impõe esse castigo. Por isso, quando essas pessoas me perguntam, eu sempre digo que gosto, mas nunca sei quem é”, confessa. Dóris deflagra, com a própria história, a falta de personalidade das atuais vozes. “Quando eu apareci, minha voz era diferente de tudo. Hoje em dia estão todas iguais, todas as cantoras. A não ser uma Leny de Andrade, a Leila Pinheiro, que são excelentes cantoras, mas já não pertencem a essa juventude”, conclui.



Adoniran Barbosa e o "Trem das onze"



Rose Esquenazi

     A vida e a carreira do compositor, humorista e ator Adoniran Barbosa foi marcada pela música. Para festejar os 100 anos da criação do primeiro samba, Pelo telefone, no Rio de Janeiro, em 2016, vamos nos deslocar para São Paulo, que também cultivou os seus sambistas. Adoniran foi um deles. Seu nome verdadeiro era João Rubinato. Ele nasceu no dia 6 de agosto de 1910, em Valinhos. Filho de imigrantes italianos da cidade de Cavárzere, província de Veneza, até hoje é lembrando pelos amantes do gênero.

     Com sete irmãos, Adoniran teve que trabalhar cedo em várias cidades onde os pais se mudavam em busca de melhores condições de vida. Em Jundiaí, foi entregador de marmitas, e como Tim Maia, quando a fome batia, retirava os bolinhos das marmitas dos fregueses. Duros tempos aqueles.

     João Rubinato, Adoniran, sonhava ser ator. Não tinha muita instrução, nem padrinhos, para onde ele poderia apelar? Frequentava várias estações de rádio de São Paulo onde foi gongado em diferentes programas de calouro. Mas era melhor continuar tentando, já que a cidade crescia rapidamente e ele não tinha como ser engenheiro ou médico. Quem sabe ele não poderia tentar a carreira de cantor ou de locutor? Ele gostava de compor, mas, quem fazia sucesso naquela época era a pessoa que cantava e se apresentava na rádio, não o compositor.

     Com a ajuda do amigo de boemia, o cantor de samba Luiz Barbosa, João Rubinato assumiu o nome de Adoniran Barbosa.  Suas primeiras músicas gravadas, Dona Boa, na voz de Raul Torres, e Agora pode chorar, não fizeram sucesso algum. Mais tarde, como tinha boa voz, insistiu e interpretou dois sambas que se destacaram nos anos 30: Se você Jurar, de Ismael Silva e Nilton Bastos, e Filosofia, de Noel Rosa. Passou a entender melhor o que era um bom samba. Mas estava difícil se estabilizar na vida. 

     O jeito foi tentar a vida de ator radiofônico. Graças ao escritor Oswaldo Moles, começou a interpretar tipos populares de São Paulo. Finalmente, uma luz no fim do túnel. Existe no YouTube, um trecho de Adoniran no papel de Charutinho. A atração se chamava História das malocas e ia ao ar às sextas, às 21h. Durou uma década, na Rádio Record. Charutinho é um homem miserável, desempregado, um lúmpem vivendo na grande São Paulo dos arranha-céus. O trecho foi reproduzido no programa Dois diretores em cena, da Jovem Pan, com Nilton Travesso e Antônio Augusto Amaral de Carvalho, o Tuta.

     Aos poucos, começava uma transformação na linguagem do samba. Vivendo próximo das colônias italianas e dos pobres paulistanos, Adoniran partiu para novas construções linguísticas.  Gostava das gírias, errava o português de propósito, tinha uma alma divertida e inusitada. Combinou tudo com o ritmo da fala dos conterrâneos. Super criativo, afastou-se do lirismo das letras dos compositores cariocas, como Cartola e Noel, e encarou a pobreza, colocando tudo na primeira pessoa e não mais na segunda pessoa, como era de costume. A música Maloca conta a história de um grupo de pobres, que hoje chamaríamos de sem-teto, que vivia em uma mansão decadente. Viram ir abaixo o casarão que daria lugar a mais um arranha-céu. Na música, Adoniran chamava de “arto” edifício. Com o grupo Demônios da Garoa e o próprio Adoniran, Maloca foi lançada em 1955. Na letra Adoniram diz:
     “Se o senhor não tá lembrado/Dá licença de conta/Que acá onde agora está/Esse aditício ardo/Era uma casa véia/Um palacete assobradado/Foi aqui seu moço/Que eu, Mato Grosso e o Joca/Construímos nossa maloca/Mas um dia, nós nem pode se alembrá/Veio os homisc'as ferramentas/O dono mandô derrubá./Peguemos todas nossas coisas/E fumos pro meio da rua/Apreciá a demolição/Que tristeza que nós sentia/Cada táuba que caía/Doía no coração”.

     Outras músicas compostas por Adoniran usaram esse mesmo tom, misto de conformismo e retrato da realidade. Ao falar dos despejados, das mulheres submissas, dos empregados que ganhavam pouco, dos engraxates, da solidão da cidade grande, o compositor atraía os olhares dos mais sensíveis. Mas o primeiro sucesso foi Trem das onze. No entanto, a primeira gravação de Trem das onze não deu muito certo, em 1951, e só ganhou vulto com o grupo Demônios da Garoa. Uma outra composição muito interessante é Iracema, o amor do personagem que morreu atropelada, porque atravessou na contramão da Avenida São João. É de tristeza infinita. "Iracema, eu nunca mais que te vi/Iracema meu grande amor foi embora/Chorei, eu chorei de dor porque/Iracema, meu grande amor foi você/Iracema, eu sempre dizia/Cuidado ao travessar essas ruas/Eu falava, mas você não me escutava não/Iracema você travessou contra mão/E hoje ela vive lá no céu/E ela vive bem juntinho de nosso Senhor/De lembranças guardo somente suas meias e seus sapatos/Iracema, eu perdi o seu retrato."

     O grupo Os Demônios da Garoa fez sucesso no Rio de Janeiro, que tinha estações muito famosas e populares, como a Nacional. Adoniran gravou, ao todo, 12 discos e participou de importantes filmes como ator. O Cangaceiro, de 1953, Candinho, de 1954, A Carrocinha, de 1955, A Pensão de D. Stela, de 1956, Bruma Seca, de 1961 e Elas são do Baralho, de 1977.  Eu me lembro dele na TV, nas novelas da antiga TV Tupi. Ele foi o pescador Chico Belo na primeira versão de Mulheres de areia, em 1973.

     Durante 30 anos, Adoniran trabalhou na Rádio Record. Era ótimo intérprete, humorista, ator de mão cheia, mas o salário era pequeno. Um dia, foi pedir aumento e o administrador pediu que ele aguardasse a resposta porque iria estudar o assunto. Uma semana depois, teve a mesma reposta. Outra semana, a mesma ladainha se repetiu. Até que, irritado, Adoniran respondeu: “Tá certo, o senhor continue estudando e quando chegar à época da sua formatura me avise”. 

     Adoniran tinha o perfil de boêmio nato: bebia muito e era mulherengo e vivia cantando as moças que encontrasse pelo caminho. No fim da vida, sofrendo de enfisema, Adoniran parou de compor. Deixou clássicos e lições de vida. Em Envelhecer é uma arte, ele pedia que os velhos não chorassem quando alguém lhe chamasse de velho. Na letra, dizia: “Sorria e cante assim/Sou velho e sou feliz/ Mas velho é quem me diz”. Ele morreu em 23 de novembro de 1982. Ouçam no YouTube Samba do Arnesto.  É uma delícia.