segunda-feira, 27 de julho de 2015

Ademilde Fonseca: Tico tico no fubá

Rose Esquenazi







Segundo os estudiosos, o choro nasceu em 1845. Mas só ganhou letra no século 20, causando surpresa e, às vezes, polêmica. A mais importante intérprete desse gênero musical foi Ademilde Fonseca, eleita de Rainha do Choro, por Benedito Lacerda, em 1942. A artista morreu aos 91 anos, (27/3/2003) no Rio de Janeiro. De acordo com a família, Ademilde tinha problemas cardíacos e sofreu um mal súbito na casa onde morava, no bairro de Ipanema. Deixou uma filha, Eymar Fonseca, três netas e quatro bisnetos.

A cantora era uma simpatia e marcou por sua jovialidade e afinação até o fim da vida. Ela tinha um superfôlego porque não é fácil cantar tão rápido e tão claramente o Choro, que é diferente de embolada que ninguém entende nada! Ademilde chegou a ser homenageada pelo I Prêmio Divas da Música Brasileira do Icatu Seguros em 2010. Mas os fãs acharam que foi pouco. Ela merecia mais.

Ademilde nasceu em 1921, em Pirituba, no município de Macaúba, Rio Grande do Norte.  Mudou-se aos quatro anos quando a família decidiu morar em Natal (RN).  Desde muito pequena gostava de cantar. Na juventude, começou a participar de serestas e a ficar amiga dos músicos locais. Pouco mais tarde se casou com o seresteiro Naldimar Gedeão Delfino. E os dois decidiram vir para o Rio tentar a sorte.

Um ano depois da chegada ao Rio, em 1942, Ademilde Fonseca Delfino– seu nome de casada - conseguiu fazer um teste no rádio, algo sonhado por quase todas as jovens da época. O primeiro teste foi no programa de calouros Papel Caborno, de Renato Murce, na Rádio Clube do Brasil. Cantou serestas e deu certo, foi aprovada. Começava ali uma carreira. No mesmo ano, ela gravou na Columbia Tico-Tico de Fubá de um lado e Voltei pro Morro, de Benedito Lacerda e Darci de Oliveira, do outro.

Em uma festa na Gávea, ao ouvir os músicos tocarem Brasileirinho, ela disse que sabia a letra. Todos ficaram espantados já que achavam que era um gênero apenas instrumental. Ao cantar a letra, os casais pararam de dançar e adoravam ouvi-la interpretar a música. Essa história ela contou no programa Sarau, da Globonews. Comandado pelo jornalista Chico Pinheiro, em 2003, foi de certa forma uma despedida porque foi gravado pouco tempo antes de Ademilde morrer. E ela estava ótima, feliz, cantando ao lado de sua filha Eymar e acompanhada de grandes músicos.

Depois da Rádio Clube do Brasil. Ademilde passou para a Tupi, onde ficou 11 anos. Até que foi contratada para a Rádio Nacional, com contrato fixo, sonho maior de todos os músicos.

Segundo o livro de Henrique Cazes, Choro, do quintal ao Municipal, “no começo dos anos 50, Ademilde selou sua ligação com o Choro, no rastro do sucesso de Waldir Azevedo”. Ela tinha gravado Brasileirinho, com letra de Pereira da Costa. Foi um tremendo sucesso, principalmente pela dicção perfeita da cantora e os vários malabarismos com a voz. Ainda era muito raro um Choro ter letra porque era música apenas instrumental. Sem querer, ela divulgava uma nova moda. E fazia sucesso no Brasil e em vários outros países onde se apresentou ao lado de Jamelão e a Orquestra Tabajara.

Pereira da Costa sumiu do mapa, mas ele foi um rapaz humilde, nascido em Limoeiro, Pernambuco. Pouco se sabe sobre esse brilhante compositor autodidata que só deixou um caderno manuscrito com as suas composições. Deu o título de “O espelho da inspiração”. Mas a grande pergunta que Henrique Cazes faz é essa: até que ponto um letrista tem direito de fazer uma letra para uma composição sem que seu autor musical seja consultado.  Porque muita gente se aproveita do compositor da música ter morrido ou criar uma nova letra para a mesma música. Cazes acha que é um problema ético uma pessoa tornar-se coautor ou coautora à revelia. O pesquisador e músico cita o caso do bandolinista que o norte-americano Mike Marshal que incluiu seu nome na música de Jacob do Bandolim e Baby Consuelo, que ele gravou. No caso de Pereira da Costa deu supercerto.

O chorinho com a letra de Pereira da Costa, mas que na internet aparece como letra de Baby do Brasil: Brasileirinho, de 1950.

O brasileiro quando é do choro /////   É entusiasmado quando cai no samba/
Não fica abafado e é um desacato /////  Quando chega no salão/
Não há quem possa resistir //// Quando o chorinho brasileiro faz sentir/
Ainda mais de cavaquinho //// Com um pandeiro e um violão/
Na marcação/
Brasileirinho chegou e a todos encantou //// Fez todo mundo dançar/
A noite inteira no terreiro /////  Até o sol raiar  /
E quando o baile terminou /////   A turma não se conformou ///  Brasileirinho abafou! ///// 
Até o velho que já estava encostado /////  Neste dia se acabou!/
Para falar a verdade, estava conversando ////  Com alguém de respeito/
E ao ouvir o grande choro //// Eu dei logo um jeito e deixei o camarada/
Falando sozinho. Gostei, dancei /////   Pulei, pisei até me acabei/
E nunca mais esquecerei o tal chorinho /////   Brasileirinho!

A carreira de Ademilde foi de vento em pôpa. E nessa última entrevista ela agradeceu o dom que Deus lhe deu e o fato de sua voz se encaixar tão bem no gênero Choro. Um músico americano chegou a dizer que ela tinha uma voz, mas um cavaquinho dentro da boca porque ela cantava como o instrumento tão brasileiro.

Ademilde gravou Teco Teco, também de Pereira da Costa, com Milton Vilela. Na entrevista, Ademilde disse que a letra se parece com a vida dela, uma criança que gostava de brincar de bola de gude.

Teco, teco, teco, teco, teco  ////  Na bola de gude era o meu viver
Quando criança no meio da garotada //// Com a sacola do lado
Só jogava p'ra valer ////  Não fazia roupa de bonecas nem tão pouco convivia
Com as garotas do meu bairro que era natural
Vivia em postes, soltava papagaio ////  Até meus quatorze anos era esse o meu mal

Com a mania de garota folgazã ////   Em toda parte que passava
Encontrava um fã ////  Quando havia festa na capela do lugar
Era a primeira a ser chamada para ir cantar
Assim vivendo eu vi meu nome ser falado ///  Em todo canto, em todo lado
Até por quem nunca me viu
E hoje a minha grande alegria //// É cantar com cortesia ////  Para o povo do Brasil

Pixinguinha: o mais maravilhoso músico brasileiro



Rose Esquenazi








Hoje vamos falar de um gênio da música. Ele foi e é um mito, um talento, uma alma maravilhosa. Pixinguinha, ou melhor, Alfredo da Rocha Vianna Junior, nasceu em 1897, no Rio de Janeiro. Morreu no dia 7 de fevereiro de 1973, dentro de uma Igreja em Ipanema, durante um batizado. Virou santo para quem ama a música universal!

       É muito bom saber que Pixinguinha está mais vivo do que nunca. O Instituto Moreira Salles lançou dois livros com as partituras da segunda fase do mestre, além de manter o seu arquivo musical. No acervo, cedido em comodato pela família, há documentos, medalhas, troféus, álbuns com recortes de jornal, centenas de fotos, roupas, registros de memória oral. Além do Instituto, cotidianamente, os jovens estudam a música de Pixinguinha na Escola Portátil de Música e em várias outras escolas Brasil afora.

Vamos falar de Pixinguinha. A primeira música que ouvimos foi O urubu e o gavião, com o músico na flauta, em 1933. Procure ouvir  Naquele tempo, de 1934.


O pai de Pixinguinha trabalhava nos Telégrafos, mas, nas horas vagas, era músico e costumava reunir os amigos chorões. O menino Alfredo absorvia todos os sons daqueles magníficos intérpretes e os reproduzia com perfeição em uma flautinha artesanal, feita de folha.  Quando o pai mandava o menino dormir, lá pelas nove horas, ele continuava ouvindo a música. Mas ele também conhecia os tambores do fundo do quintal.  A avô era africana, tinha terreiro e deu ao neto o apelido de Pinzindim, menino bom na língua nativa. Parece que foram os amiguinhos que acertaram o nome de Pinzindim para Pixinguinha. O músico ficou cheio de buracos no rosto devido à varíola. 

Há alguns mitos e mistérios em relação à história de Pixinguinha. Três irmãs disseram que ele nunca teve avó africana. E agora?  Bem, dona Raimunda, mãe de Pixinguinha, teve 14 filhos de dois casamentos. A casa estava sempre lotada e era muito musical. Quando tinha 11 anos e ainda usava calças curtas, ele compôs a primeira música, chamada Lata de leite.

     Já as primeiras participações em grupos de chorões foram com os amigos do pai. Depois, fez parte de um grupo de samba que começou em 1917, ainda sob forte influência do maxixe. Segundo o pesquisador Jairo Severiano, Pixinguinha passou pelo Rancho Filhas da Jardineira. Tocava também na Lapa, na casa de chope A Concha e, dali, foi um pulo para entrar no Teatro Rio Branco. Tanto Jairo Severiano quanto o pesquisador Henrique Cazes, que escreveu o livro Choro: do quintal ao Municipal, as primeiras gravações foram na Casa Edison, em 1914.  Três anos depois, o grupo “Pechinguinha” (sic) gravou, na Gravadora Odeon, alguns choros, entre eles, Rosa. Ouça a música na voz de Orlando Silva.


Foi na sala do Cine Palais que os cariocas da elite conheceram Pixinguinha e se encantaram com os sons da flauta. O milionário Arnaldo Guinle decidiu patrocinar a viagem à Europa do grupo, chamado de Os Oito Batutas. Os estrangeiros precisavam conhecer a nossa música. No dancing Sherazade, o grupo atraiu os parisienses que os chamavam de batutás.  Durante seis meses, eles participaram dos alegres anos 20. Henrique Cazes acha que os Batutas não fizeram tanto sucesso porque, se esse fosse o caso, teriam gravado discos. Fazia frio na Europa e os rapazes decidiram voltar. Com algumas deserções, foram depois para Buenos Aires, onde realmente brilharam e gravaram discos. 

         De volta ao Rio, os Batutas continuaram  até 1926, quando Pixinguinha passa a integrar a Companhia Negra de Revistas. Era inédito um grupo de negros se unir para trabalhar junto. Nesse ano, ele também se casou com Jandira Aimoré, com quem ficou junto até a morte, em 1973.

Nos anos 30 e 40, na mesma época do genial Radamés Gnatalli, Pixinguinha foi mestre na vida das orquestras e pioneiro nos arranjos. Muitos cantores famosos se beneficiaram da arte de Alfredo da Rocha Vianna. Posso citar algumas músicas famosas, como O teu cabelo não nega e Na virada da montanha. Pixinguinha começou a criar orquestras, a trabalhar em outras gravadoras, dancings e emissoras de rádio.  Ele passou pela Rádio Transmissora,  que era ligada à Gravadora Victor. E também pela Mayrink Veiga, Nacional, Tupi, Rádio Club e Record, de São Paulo.  Na Mayrink, Pixinguinha criou o conjunto regional Os Cinco Companheiros.  Em 1933, cursou oito meses de teoria musical na Escola Nacional de Música, obtendo diploma.  Mas nem precisava!

Clássico dos clássicos é a música de Pixinguinha, Carinhoso. O choro-canção ficou sem letra durante um tempão. Até que João de Barros criou a poesia que combinou muito bem com a sonoridade.  Pixinguinha passou da flauta para o saxofone na década de 40. Dizem as más línguas, que ele havia perdido a embocadura do instrumento devido ao excesso de bebida. De fato, ele gostava muito de beber.  Sumiu um tempo e, nos anos 50, houve a redescoberta de Pixinguinha. O gênio do sax criou a Turma da Velha Guarda.

Em uma entrevista, dia 29 de maio de 2015, com Henrique Cazes, ele contou que Almirante sempre levava Pixinguinha para o rádio em tempos de vacas magras.  Na Tupi, o radialista anunciava que o amigo tinha feito os arranjos de determinadas músicas.  E juntos apresentavam o programa O pessoal da velha guarda. Em 1953, Pixinguinha se tornou diretor musical na Rádio Club.

Mas, do tempo em que era líder da vanguarda  passando mais tarde a líder da Velha Guarda, Henrique Cazes acredita que Pixinguinha não foi bem recebido pela classe média. Para ele, havia preconceito racial. Não se acreditava que um negro fosse “capaz de organizar bem as coisas, de ser um estruturador. Pelo contrário”,  acreditava Cazes, “os músicos negros eram considerados espontâneos e improvisadores. Curiosamente, foi a elite quem deu força para os Oito Batutas irem para a Europa, muitos anos antes.

Nos anos 60, Pixinguinha foi parceiro de Vinicius de Moraes, em Lamentos, trilha do filme Sol sobre a Lama, de Alex Vianny. Foi parceiro também de Hermínio Bello de Carvalho, em Fale Baixinho, música escrita no hospital. 

Na entrevista dada por Pixinguinha ao radialista Vanderlei Malta da Cunha, na Rádio Metrópole AM, em Porto Alegre, em 69, ele reclamou sutilmente da onda do iêiêiê, que estava bombando. Não gostava dos músicos fantasiados nos festivais e achava a música de Chico Buarque “sempre a mesma coisa”. Ele preferia as letras do compositor. A descoberta do áudio foi da repórter Mariana Filgueiras, em uma reportagem do dia 15 de maio de 2015, no Globo. Nos anos 60, Pixinguinha andava meio esquecido e, no fundo, queria a volta dos chorões, queria compor e tocar. Fez questão de avisar os ouvintes:  “Mas o mundo é uma bola, daqui a pouco, o choro volta”. Ele tinha razão. Para terminar, ouça o choro Vou vivendo. Pixinguinha no sax e Benedito Lacerda, na flauta, em uma gravação de 1946. Benedito era o grande parceiro e amigo de Pixinguinha.


domingo, 26 de julho de 2015

Músicas sertanejas na Capital do Brasil



Rose Esquenazi



 “Óia o sapo dentro do saco”. https://www.youtube.com/watch?v=POatase0vxg

Em abril de 1922, desembarcou no Rio de Janeiro, capital do país, o grupo Turunas Pernambucanos. Almirante lembra no livro No tempo de Noel, que, em 1921, os Oito Batutas, do qual fazia parte Pixinguinha, foram ao Recife. O frisson foi tão grande que eles inspiraram o surgimento dos Turunas Pernambucanos. No ano seguinte, o grupo do Recife se apresentava no Cine Palais, no Rio de Janeiro, sendo anunciados como os que faziam “músicas do Norte”, “caboclos brasileiros”, “cantigas de sertão”, “emboladas e desafios”.  Turuna quer dizer forte, valentão.

No conjunto, estavam dois músicos que se tornaram importantes mais tarde, como dupla:  o José Calazans, o Jararaca, e o Severino Rangel, o Ratinho. No Rio, os Turunas Pernambucanos ganham o reforço de João Pernambuco, no violão. O sucesso foi extraordinário na Capital. Os cariocas nunca haviam ouvido aquela cantoria tão diferente, que embolava as palavras ao cantá-las muito rapidamente. Era tudo novo, curioso, divertido. Mas os nordestinos que já haviam migrado para a Capital, logo se identificaram com aqueles ritmos. Ouvimos na abertura o “Óia o sapo dentro do saco”, de Jararaca e Ratinho, autores também da música Espingarda pá pá pá pá, faca de ponta, tá, tá, tá, tá”.

Vamos ouvir a dupla que se apresentava nas rádios que estavam nascendo nos anos 20 e 30. Os microfones da Rádio Educadora, Sociedade, Rádio Clube. E mais tarde passam a investir em música as rádios Mayrink Veiga, Guanabara, Cajuti, Ipanema (depois Mauá), Transmissora (hoje, Globo) e Nacional estavam abertos para esse tipo de música.

 Espingarda pá pá pá pá, faca de ponta, tá, tá, tá, tá”. https://www.youtube.com/watch?v=4wdkCI55ghg


Os cariocas perceberam que as emboladas poderiam garantir o sucesso nas festas e nas emissoras de rádio. Assim nasceu em março de 1929, o Bando dos Tangarás, como os amadores Carlos Alberto Ferreira Braga, o Braguinha, Noel Rosa, Henrique Brito, Álvaro Miranda Ribeiro e Henrique Foréis Domingues, o Almirante. Eles tentaram imitar a embolada nordestina e foi assim que Almirante compôs a música Vamos falá do Norte. Nenhum músico do grupo era nordestino, mas eles decidiram vestir calças rasgadas e curtas, usar camisas mal ajambradas e se lançar no mundo musical.

 https://www.youtube.com/watch?v=mTPXbIKrEAU

Os músicos do Bando dos Tangarás não tinham mais de 18 anos, 20 anos, e toparam ser um dos pioneiros a participarem de um filme sonoro do estúdio Benedetti-Film, em 1929. Funcionando na Rua Tavares Bastos, no Catete, o estúdio de Benedetti era sensacional. O italiano tinha acabado de criar um sistema, o Vitaphone, que unia imagens e sons. Fez algo paralelo aos que os técnicos estavam fazendo nos Estados Unidos. Essas imagens maravilhosas em uma espécie de clip dos anos 30 sumiram no mundo até que um professor paulista chamado Máximo Barros redescobriu a relíquia. Máximo comprou, em 1995, um pedaço de filme encontrado em uma loja de antiguidades em Copacabana. E qual não foi a sua surpresa ao identificar o Bando dos Tangarás e, claro, o registro de Noel Rosa, aos 18 anos, em sua única aparição em movimento de que se têm notícias. O documento foi veiculado no programa Fantástico e causou emoção entre os fãs e pesquisadores musicais. Hoje, pode ser visto no YouTube!

É bom que se explique porque Bando dos Tangarás. Tangará é um lindo pássaro do Nordeste, azul ou verde, que gosta de cantar em grupo para encantar as fêmeas.
Nesse movimento sertanejo, não podemos nos esquecer que existia na Praça Tiradentes a Casa do Caboclo, onde muitos artistas se apresentaram. Entre eles, os cômicos João Lino e Apolo Correia, Dercy Gonçalves, Jararaca e Ratinho, Manezinho Araújo (Manoel Perreira de Araújo), e Augusto Calheiros, o Patativa do Norte.

Renato Murce, o pioneiro de quem falamos semana passada, também teve seu tempo de conjunto regional. Ele viu, tal como os amigos de Noel, que era preciso cantar como os Turunas que estavam fazendo sucesso no Rio. Na Rádio Educadora, com os primeiros cachês que ganhou na vida (e que o rádio pagou), fundou Os Gaturamos. Segundo Murce, concorriam com “o magnífico grupo comandado por Almirante: o Bando dos Tangarás“. Mas não eram tão bons.

Os Gaturamos, disse Renato Murce em seu livro Bastidores do rádio, tinham como elemento principal ele mesmo e mais o irmão Dario Murce, Rogério Guimarães, Pery Cunha, Lourival Montenegro, Rubem Bergmann, Didi do Pandeiro. O radialista afirmou que nem todas as emissoras gostavam do gênero popular, dessa música do povo.  Isso porque tinham nariz empinado, como a Rádio Jornal do Brasil. A vantagem desses grupos é que eles cantavam em bares e restaurantes e ganhavam comida de graça, no final da apresentação. O que era importantíssimo para os duros que eram.

Murce se lembra da chegada de outro grupo do gênero, no Rio de Janeiro, reforçando a tendência nordestina. O jornal Correio da Manhã, que sempre publicava contos, sonetos e poesias populares, lançou em 1926, um concurso carnavalesco. Nesse momento vem do Recife também os Turunas da Mauricéa, grupo que surgiu depois dos Turunas Pernambucanos. Faziam parte Augusto Calheiros, o Patativa do Norte, com a sua linda voz, Riachão, Guajurema, Piriquito e Bronzeado, logicamente, nomes de guerra. E também fizeram sucessos com suas roupas típicas e chapéus vindos do Nordeste. O maior sucesso dos Turunas da Mauricéa foi no Carnaval de 1928, com Pinião, de  Luperce Miranda e Augusto Calheiros.


Pinião, Pinião, Pinião
Ôi, pinto correu com medo do gavião
Por isso mesmo sabiá cantou
Bateu asas e voou e foi comer melão
Um dia desses um sabiá lá do outeiro
Chegou lá no meu terreiro
Pinicando pelo chão
E um pintinho que tava junto da galinha
Foi correndo pra cozinha
Com medo do gavião.

Vamos ouvir a gravação de 1953, Augusto Calheiros, o Patativa do Norte



Renato Murce conta que teve a honra de apresentar os Turunas da Mauricéa e viu como as portas do rádio, das gravadoras, clubes e excursões se abriram imediatamente para o grupo. Um ano depois, em 1927, aparece o grupo A Voz do Sertão, que tinha no elenco Luperce Miranda, que cantava emboladas muito bem.

Uma dos primeiros a cantar música regional no Rio de Janeiro foi Catulo da Paixão Cearense. Segundo o escritor Mário de Andrade, Catulo foi “o maior criador de imagens da poesia brasileira”. Catulo escreveu 200 modinhas, mas a que ficou mais conhecida foi Luar do sertão, que teve coautoria do violonista João Pernambuco. Luar do sertão foi considerada “o verdadeiro hino caboclo do Brasil”. Em 1936, vai fazer parte da abertura da programação da Rádio Nacional. Vamos ouvir na voz de Tonico e Tinoco, dupla sertaneja pura, a mais famosa. . Tiveram 60 anos de carreira, quando gravaram quase mil músicas em 83 discos. Venderam 150 milhões de discos e fizeram inúmeras apresentações no país e nas estações de rádio, é claro. Tonico, João Salvador Perez, nasceu em 1917, em São Paulo e morreu em 1994, aos 77 anos. Tinoco, José Salvador Perez, nasceu em 1920, também em São Paulo, e morreu em 2012. Foi o artista sertanejo que permaneceu mais tempo em atividade (82 anos). Morreu aos 91 anos. Vamos ouvir Luar do sertão? 


 Luar do sertão
https://www.youtube.com/watch?v=TLnISvSEqVw

Antes de terminar, gostaria de dizer que se podem fazer muitos programas dedicados às origens da música sertaneja e viola caipira. O maior representante desse gênero era o Capitão Furtado, apelido de Ariovaldo Pires, e seu programa Arraial da Curva Torta, na Rádio Cruzeiro do Sul, em São Paulo, ficou famoso.

Ainda sobre Tonico e Tinoco, gostaria de mostrar um trecho da música Irradiação, de Chiquinho e Tonico, que fala sobre o ambiente radiofônico.



 Irradiação
http://www.vagalume.com.br/tonico-e-tinoco/irradiacao.html




O rádio é nosso peito, nós somos uma estação 
É ligado na saudade pra fazer a transmissão  
O tinido da viola vai levando pro sertão 
Tudo quanto é novidade nas ondas do coração. 

Quanto mais é distância mais aumenta a radiação 
A moda nos traz alegria pra outros recordação 
A novela do desprezo, o programa da ilusão 
Reportagem do amor da triste separação. 

O som da voz é suave nós dois pra cantar não treina 
Somos que nem araponga naquela manhã serena 
Nossa viola é transmissor que trabalha sem antena 
Transmite em qualquer distância no coração da morena. 

Estúdio é uma gaiola onde nós canta fechado 
Que nem sabiá coleira no teu cantar magoado 
Sintoniza o padecer de quem vive abandonado 
Nas ondas de uma saudade no transmissor do passado. 

Este que fala no rádio anunciou pro mundo inteiro 
Nas ondas curtas e longas a façanha do violeiro 
Já está ficando afamado até lá no estrangeiro 
Nossa moda sertaneja que é um produto brasileiro.


ARY BARROSO, O RADIALISTA POLITICAMENTE INCORRETO

Rose Esquenazi





     Ary Barroso (1903-1964) foi um grande compositor, todo o mundo sabe disso.  Ele compôs 264 músicas sendo que Aquarela do Brasil, de 1939, é considerada, em muitos países, o verdadeiro hino nacional brasileiro. Foi gravada por muitos artistas, inclusive  por Carmem Miranda e Frank Sinatra.

     Além de gênio musical, Ary Barroso foi também importante radialista. Natural de Ubá, Minas Gerais, Ary ficou órfão aos 8 anos e foi criado pela avó. Ele aprendeu, desde cedo, com uma tia, a ser pianista. Aos 17 anos, veio para o Rio para estudar direito. Ele havia ganhado uma fortuna de um tio e resolveu descobrir tudo que a noite da Capital Federal poderia lhe oferecer. O dinheiro acabou antes de Ary terminar a faculdade e ele teve que procurar emprego. Acabou no Cine Iris, na Rua da Carioca, acompanhando os filmes mudos. Ele fazia a mesma coisa que fazia em Ubá, com a tia, no cinema da cidade.  Começou a trabalhar no teatro musicado, mas custou a emplacar com suas composições. Até que escreveu a música Dá nela que ganhou um concurso promovido pela Casa Edison, em 1939.

     Fanático por futebol e, principalmente, pelo Flamengo, Ary Barroso tornou-se speaker esportivo. Ele não era dono de voz muito boa, mas tinha emoção. O problema é que ele era politicamente incorreto. Quando os jogadores do Flamengo estavam impedidos ou se ele achasse que o juiz havia prejudicando o time do coração, Ary largava o microfone, entrava no campo e começava a xingar e ameaçar o outro time. O público, coitado, ouvindo a partida em casa, ficava sem saber o que estava acontecendo. Curiosamente, todos sabiam que ele torcia pelo Flamengo, e, mesmo assim, o aceitavam como speaker.

     Naquele tempo, anos 30 e 40, os speakers transmitiam do campo, não havia cabine especial ou protegida por vidros. A gente pode imaginar a quantidade de interferência que havia, os ruídos de estática nessas transmissões eram enormes. Por essa razão, no momento exato do gol, não se conseguia ouvir nada, daí a grande frustração do público. Ary Barroso achou que deveria fazer algum som especial para avisar os torcedores de rádio que havia acontecido o gol.

Certo dia, ele percorreu várias lojas de música na Rua Carioca e testou vários instrumentos. Nada o contentava. Até que chegou a uma simples gaitinha. Havia descoberto o som para marcar os gols. Nascia a “gaitinha do Ary”. Depois, várias estações de rádio passaram a adotar sinais sonoros. Isso, antes de os computadores reproduzirem qualquer tipo de som.

     Como era politicamente incorreto, Ary era impedido de entrar em alguns estádios de futebol. O jeito era improvisar. Existe uma foto maravilhosa em que o speaker esportivo está em cima do telhado, com um microfone e seu técnico, um pouco mais abaixo, segura o fio, em uma verdadeira cena de equilibrismo. Tudo para que o público ouvisse a transmissão do jogo.

    Ary inaugurou, no Rio de Janeiro, o primeiro programa de novatos, em 1947, na Rádio Cruzeiro do Sul, o  programa Calouros em desfile. Ele dizia que havia inventado o gênero, mas não foi verdade. Na Rádio Cruzeiro do Sul, em São Paulo, estreou o primeiro desse tipo a Hora dos Calouros, que depois virou moda em todas as rádios brasileiras.  Se formos rigorosos, o programa nasceu mesmo nos Estados Unidos, com o The Gong Show, a hora do gongo. Os desafinados ganhavam uma gongada nos estúdios da estação de rádio.

     Ary copiou o gongo, contratou o ator Macalé e vestiu-o de preto, como se fosse um carrasco. Os candidatos, pessoas humildes, tinham o sonho de começar uma carreira no mundo da música e queriam mostrar a veia artística. Como tinha um ótimo ouvido, assim que a pessoa desafinava, Ary olhava para Macalé e o “carrasco” batia em um gongo enorme que soava forte no estúdio. O candidato saía da estação humilhado e, às vezes, chorando.

Muitos dizem que Ary gostava de humilhar as pessoas e o público se divertia com isso. O fato é que o ser humano tem esse lado cruel. Por essa razão, muitos calouros preferiam pseudônimos para que não fossem ridicularizados pelos parentes e amigos quando chegavam em casa ou perturbados pelos colegas quando voltavam ao trabalho. Ao ser tão rigoroso, Ary Barroso também abria portas para os jovens. Ou seja, quando um candidato se dava bem, a carreira de cantor ou cantora estava garantida.

     Isso aconteceu com a cantora Elza Soares, aos 16 anos, em 1953. A história é contada pelo escritor José Louzeiro, na biografia que escreveu sobre Elza. Muito pobre, pesando 45 quilos, ela morava na comunidade de Água Santa. Vivia cantando com uma lata de água na cabeça e ficou com uma voz rouca, especial. Naquela data, o filho de Elza estava doente e ela decidiu tentar o prêmio do programa para levá-lo ao médico. Sem roupa adequada nem dinheiro para ir ao cabeleireiro, Elza apareceu na rádio para cantar do jeito que deu. Muito mal vestida. O diálogo que se seguiu, ficou conhecido:

Ary Barroso perguntou ao microfone do programa Calouros em desfile:
- O que você veio fazer aqui? 
Elza Soares disse:
- Seu Ary, eu acho que aqui a gente canta, né?
- E quem disse que você canta? 
- Eu canto.
- Então me faz o favor e me diga de que planeta você veio?
-Do mesmo planeta seu, seu Ary.
- E qual é o meu planeta? 
- Planeta fome.
Ary ficou sem graça e, depois, maravilhado com a voz de Elza Soares. Ela passou a frequentar o programa e deslanchou na carreira.

     Ary compôs muitas músicas para Carmem Miranda e, no Brasil, conheceu oi diretor Walt Disney. Ele convidou Ary para trabalhar nos Estados Unidos. Ele foi, chegou a trabalhar no cinema. Ganhou um bom dinheiro mas, de repente, quis voltar. Por que, quiseram saber os amigos. Porque aqui não tem o Flamengo jogando aos domingos.


https://www.youtube.com/watch?v=5DBA5tnAJDk  - 43 segundos - Carmem Miranda cantando no filme “Entre a loira e  a morena”, de 1943.




Você conhece Saint-Clair Lopes?







Rose Esquenazi


      Nos anos 30 e 40, existiam profissionais de rádio que eram tão talentosos, que podiam exercer várias funções, todas com muita qualidade. Hoje, vamos falar de um deles: Saint-Clair Lopes. Ele foi locutor, ator, apresentador, intérprete de noticiário (como ele mesmo disse), produtor de programas, animador e uma referência jurídica relacionada à radiodifusão.

     Como ator, ele participou da primeira novela veiculada pela Rádio Nacional, Em busca da felicidade. Depois, atuou em Renúncia, de Oduvaldo Viana e em Direito de Nascer, no papel de dom Rafael de Juncal. Infelizmente, esses áudios não existem mais.  Saint-Clair também interpretou muitas histórias dramatizadas que começavam sempre com essas frases:  “Meu nome é...” ou “Eu me chamo...”fulano.

    Seu maior sucesso foi, sem dúvida, o seriado O Sombra, que esteve no ar durante seis anos, na Rádio Nacional. Ele foi o protagonista com aquela voz maravilhosa que ele tinha.

      O Sombra foi um seriado americano que veio no pacote da Política da Boa Vizinhança. Já fazia sucesso nos Estados Unidos na voz de Orson Welles, o famoso diretor de Cidadão Kane. É bom lembrar que Orson fazia várias participações como radioator em diferentes rádios americanas, indo e vindo pela cidade de Nova York, a bordo de uma ambulância. Isso porque ele descobriu que alugar uma ambulância não era proibido e, para estar na hora certa nas estações precisava vencer o trânsito que já existia nos anos 30, em NY. Segundos antes de o personagem entrar no ar, ele perguntava ao produtor que papel teria que encarnar. Sem o menor ensaio, conseguia interpretar muitos tipos humanos, fosse um velho chinês ou um professor velhinho. Ganhou muito dinheiro nessa época. Vamos ouvir o Sombra de Orson Welles:


     Escrito por Walter Brown Gibson, sob o pseudônimo de Maxwell Grant, O Sombra revelava as aventuras de um vingador mascarado que era, na realidade, o milionário Lamont Cranston. O Sombra era descrito como um homem de nariz aquilino e olhos negros penetrantes. Estava sempre com um casaco e capa pretos e a boca coberta com lenço vermelho. No dedo, ele tinha um anel com um rubi enorme chamado Girassol. No bolso, guardava duas pistolas 45 e, lógico, a pontaria dele era perfeita. Assim como aquela série que escutamos nesse preograma anteriormente As aventuras de Fred Perkins, de Francis Hallawell,  o Sombra também tinha um aparelho voador feito sob medida para ele. Sem falar que era tão poderoso que conseguia dominar a mente humana usando uma novidade: a hipnose, que aprendeu no OrienteVelhos tempos!

     Algumas frases ficaram registradas na memória dos radiouvintes. Sempre que o Sombra perguntava "Quem sabe o mal que se esconde nos corações humanos?", vinha a resposta: "O Sombra sabe... Pois ele tem o mal em seu próprio coração!", dizia, num tom assustador. Em cada episódio, outras frases marcaram época: "O Sombra nunca falha!", "As sementes do mal geram frutos amargos!", "O crime não compensa!", "O Sombra sabe!"


      Não seria a primeira vez que homens ricos e altruístas se mascaravam para defender os muito pobres. OBatman também era um super-herói mascarado que, apesar de muito rico, estava ao lado dos oprimidos! A noiva do Sombra americano, Margo Lane, era dublada por Agnes Moorehead. Anos mais tarde, Agnes interpretou a mãe da Feiticeira, aquela lourinha da série da TV com o mesmo nome.

    O Sombra no Brasil fez sucesso instantâneo e era patrocinado pela Gilette. A voz cavernosa e profunda de Orson Welles ganhou um exemplar nacional maravilhoso. Toda a vez que Saint-Clair da Cunha Lopes dava a risada do detetive, as crianças corriam para debaixo da cama. Tinham medo de seu poder de ficar transparente e penetram em qualquer lugar, transpondo qualquer obstáculo. Depois de salvar as pessoas, o Sombra fazia uma ameaça:  “Agora, a sua vida me pertence”. Ele transformava aqueles que acabara de  salvar em agentes do bem e não admitia qualquer tipo de questionamento.

Em São Paulo, o personagem foi interpretado por Otávio Gabus Mendes, pai do escritor Cassiano Gabus Mendes e avó dos atores Cássio e Tato, conhecidos na TV. Ele também assustava o público que já estava apavorado com o clima sombrio da Segunda Guerra. Será que a guerra iria chegar ao Brasil nos anos 40?

     Saint-Clair nasceu no Rio de Janeiro, em 1906. Ao contrário de muitos radioatores que se  acomodaram, ele decidiu estudar Direito e Jornalismo. Por essa razão, era sempre chamado para criar leis e defender os interesses da radiodifusão que estava crescendo no país. Foi professor de radiojornalismo na Faculdade de Filosofia da UFRJ e na PUC. Foi comentarista de assembleias da ONU, em 1947, sendo a sua palavra ouvida através da Rádio Nacional. Exerceu também a consultoria jurídica da ABERT, dos empresários do rádio. Escreveu livros sobre a história do rádio, como Radiodifusão, hoje e divulgou a jurisprudência da radiodifusão.

      Antes da Rádio Nacional, ele passou por várias estações. A primeira foi na Rádio Philips, onde fez um teste para o programa Hora do Outro Mundo, de Renato Murce. Era uma atração criativa, já que, supostamente, era irradiada de Marte para a Terra. Depois, trabalhou na Rádio Educadora do Brasil, Transmissora e, finalmente, na Rádio Nacional, onde ficou 33 anos. Foi ali que Saint-Clair Lopes mostrou todo seu talento. Com aquela voz tão poderosa chegou a apaixonar uma fã que, ao morrer, deixou toda a fortuna para ele. A mulher de Saint-Clair não gostou nada daquilo.

    Para o livro do amigo Renato Murce, Bastidores do Rádio (Ed. Imago, 1976), seu padrinho no rádio, Saint-Clair fez uma pequena biografia que terminou assim:  “Entrei pobre para o rádio e saí dele pouco menos pobre, mas rico, muito rico de realizações que confortam e com a consciência tranquila do dever cumprido”.


     Saint-Clair Lopes morreu em 6/3/1980, aos 73 anos. 

Cantor. Compositor. Radialista. Paulo Tapajós Gomes.

Rose Esquenazi
    



   Existem  radialistas fabulosos, contemporâneos ao Haroldo e responsáveis pelo deslumbramento que o rádio proporcionou ao público na Época Dourada, anos 40 e 50. Paulo Tapajós dedicou toda a sua vida ao rádio e à música, e precisa ser lembrado. Se estivesse vivo, faria 101 anos de idade. Ele foi cantor, compositor, radialista, pesquisador e divulgador da música popular brasileira.  
     Paulo nasceu e morreu no Rio de Janeiro, em 1990, aos 77 anos. 

Ele era  filho de Manoel Tapajós Gomes,  jornalista, escritor e poeta. Muito jovem, começou a estudar violão e piano, com maestro Lorenzo Fernandes. Tinha uma voz doce e maravilhosa. Paulo formou com os irmãos  mais novos, Oswaldo e Haroldo, o Trio Tapajós. Com a saída de Oswaldo, os outros dois formaram uma dupla. Paulo tinha 15 anos e Haroldo, 13.  A partir de 1927, eles fizeram muito sucesso na Rádio Sociedade (em 1936, a estação se tornaria a Rádio MEC).

     Em 1932, Paulo estudou desenho na Escola de Belas Artes e trabalhou na Cia Siderúrgica Nacional e no Departamento de Aeronáutica. Interpretou  músicas como Loura ou morena, de seu irmão Haroldo e que teve a primeira letra escrita por Vinícius de Moraes. Vamos ouvir um trecho?
https://www.youtube.com/watch?v=op-ry2Manaw. Uma delícia esse fox trote.

     Em 1942, a dupla Tapajós acabou e Paulo começou na carreira solo. Ele criou e dirigiu a Turma do Sereno, conjunto brasileiro de serenata formado por Abel Ferreira (clarinete), João de Deus (flauta), Irani Pinto (violino), Sandoval Dias (clarone), Rubem Bergman (violão), Carlos Lentini (violão) e Waldemar de Melo (cavaquinho).

      Trabalhou na Rádio Nacional mais de uma vez até 1974. Ao lado de José Mauro e Haroldo Barbosa, produziu em Um milhão de melodias Quando os maestros se encontram. Produziu também os  programas "Turma do sereno", "O assunto é música", "A pausa que refresca" e "Quando canta o Brasil".
 De 1946 a 1958, trabalhou para a Rádio Tupi, como artista e diretor artístico.

     Tapajós participou de muitas dublagens de desenhos animados de Walt Disney. Uma delas marcou a nossa infância, que foi Grilo Falante (When you wish upon a star), do filme Pinóquio. No original, foi cantada por Cliff Edwards, em 1940.  Até hoje eu me emociono com essa canção.  Vamos ouvir? https://www.youtube.com/watch?v=Jrj44R1878I

     Ele também interpretou a canção-tema de Alice no país das maravilhas e Branca de Neve e os sete anões.  Nos anos 50, Paulo Tapajós deixou a sua grande marca de qualidade, profissionalismo e doçura  nas cantigas de roda e histórias infantis. Ele criou os arranjos, fez a produção e a regência da série de discos o selo Carrousell. Todas as crianças sabiam de  cor as músicas do folclore, como Ciranda cirandinha/Meu limão, meu limoeiro, Teresinha de Jesus/Capelinha de melão, Onde está a margarida?/Nesta rua tem um bosque, O cravo brigou com a rosa/Eu fui no tororó, Pirulito que bate bate/Atirei um pau no gato etc.

     Em 1958, ele passou a ter outra atividade, passou a organizar e dirigir Festivais de Música Popular Brasileira, com artistas e orquestra da Rádio Nacional, dirigida pelo maestro Radamés Gnattali. Foram grandes concertos realizados no Rio de Janeiro, Belo Horizonte e São Paulo.

     Como sempre se dedicou ao estudo e pesquisa da música popular brasileira, foi convidado para fazer parte do Conselho de Música Popular, do Conselho de Rádio do Museu da Imagem e do Som e da Associação Brasileira de Propaganda. Foi sócio fundador e secretário geral da Academia Brasileira de Música Popular.

     Tal como outro pioneiro, o Almirante (Henrique Foréis Domingues), ele reuniu um acervo de documentos, partituras, discos, livros, revistas, recortes, impressos e alguns manuscritos originais, em viagens realizadas por todo o Brasil . Era tudo sobre a música brasileira. Esse vasto material até hoje é consultado por pesquisadores.

      Em vida, Paulo Tapajós recebeu muitas homenagens e premiações. Entre elas, a Medalha de Prata do Centro Brasileiro de Rádio Educativo por ter trabalhado durante 55 anos de Rádio sem interrupção no microfone. Recebeu também a Placa de Prata pelos 62 anos de trabalho pela preservação e divulgação da Música Popular Brasileira. Paulo produziu, em 1986, um LP gravado pelos seresteiros da cidade de Conservatória. Dois anos depois, a Collector's Editora Ltda. lançou o LP Paulo Tapajós, vol. XV da série Os ídolos do rádio, contendo uma coletânea de suas gravações. No disco, o cantor interpreta seis músicas acompanhado por Pixinguinha e o Regional de Benedito Lacerda e outras seis com a Orquestra da Rádio Nacional ou a Turma do Sereno.

     Em 1973, voltou à  Rádio Ministério da Educação e Cultura, tendo sido responsável pela produção dos programas Histórias de engambelar, Coisas da província, MPB ao cair da tarde, Antologia do choro e O assunto é Noel, além do programa O nosso domingo musical, do Projeto Minerva, que permaneceu no ar até sua morte, em 1990.

     
Em 1975, colaborou na fundação da Associação Brasileira de Música Popular. Ainda nesse ano, participou, como cantor, do programa MPB-100, ao vivo, veiculado pelo Projeto Minerva, e gravado em LP. Ainda como produtor de discos, foi responsável pelos LPs Carlos Galhardo: Fascinação (EMI/Odeon), 40 anos da Rádio Nacional (Philips), A modinha (Companhia Internacional de Seguros), 80 anos de música carioca (Companhia Nacional de Tecidos Nova América).

Ele foi pai da cantora Dorinha, que fez parte do Quarteto em Cy,  e dos grandes compositores Paulinho e Maurício Tapajós, que herdaram o talento do pai.