sexta-feira, 24 de julho de 2015

Jararaca & Ratinho - Sapo no saco (1940)



O RÁDIO FAZ HISTÓRIA –  29/06/2015


Rose Esquenazi




Em abril de 1922, desembarcou no Rio de Janeiro, capital do país, o grupo Turunas Pernambucanos. Almirante lembra no livro No tempo de Noel, que, em 1921, os Oito Batutas, do qual fazia parte Pixinguinha, foram ao Recife. O frisson foi tão grande que eles inspiraram o surgimento dos Turunas Pernambucanos. No ano seguinte, o grupo do Recife se apresentava no Cine Palais, no Rio de Janeiro, sendo anunciados como os que faziam “músicas do Norte”, “caboclos brasileiros”, “cantigas de sertão”, “emboladas e desafios”.  Turuna quer dizer forte, valentão.

No conjunto, estavam dois músicos que se tornaram importantes mais tarde, como dupla:  o José Calazans, o Jararaca, e o Severino Rangel, o Ratinho. No Rio, os Turunas Pernambucanos ganham o reforço de João Pernambuco, no violão. O sucesso foi extraordinário na Capital. Os cariocas nunca haviam ouvido aquela cantoria tão diferente, que embolava as palavras ao cantá-las muito rapidamente. Era tudo novo, curioso, divertido. Mas os nordestinos que já haviam migrado para a Capital, logo se identificaram com aqueles ritmos. Ouvimos na abertura o “Óia o sapo dentro do saco”, de Jararaca e Ratinho, autores também da música Espingarda pá pá pá pá, faca de ponta, tá, tá, tá, tá”.

Vamos ouvir a dupla que se apresentava nas rádios que estavam nascendo nos anos 20 e 30. Os microfones da Rádio Educadora, Sociedade, Rádio Clube. E mais tarde passam a investir em música as rádios Mayrink Veiga, Guanabara, Cajuti, Ipanema (depois Mauá), Transmissora (hoje, Globo) e Nacional estavam abertos para esse tipo de música.
 
 Espingarda Pá! Pá! Pá! Pá!

Os cariocas perceberam que as emboladas poderiam garantir o sucesso nas festas e nas emissoras de rádio. Assim nasceu em março de 1929, o Bando dos Tangarás, como os amadores Carlos Alberto Ferreira Braga, o Braguinha, Noel Rosa, Henrique Brito, Álvaro Miranda Ribeiro e Henrique Foréis Domingues, o Almirante. Eles tentaram imitar a embolada nordestina e foi assim que Almirante compôs a música Vamos falá do Norte. Nenhum músico do grupo era nordestino, mas eles decidiram vestir calças rasgadas e curtas, usar camisas mal ajambradas e se lançar no mundo musical.

Ouça Almirante e Bando de Tangarás - Vamos Falar Do Norte

Os músicos do Bando dos Tangarás não tinham mais de 18 anos, 20 anos, e toparam ser um dos pioneiros a participarem de um filme sonoro do estúdio Benedetti-Film, em 1929. Funcionando na Rua Tavares Bastos, no Catete, o estúdio de Benedetti era sensacional. O italiano tinha acabado de criar um sistema, o Vitaphone, que unia imagens e sons. Fez algo paralelo aos que os técnicos estavam fazendo nos Estados Unidos. Essas imagens maravilhosas em uma espécie de clip dos anos 30 sumiram no mundo até que um professor paulista chamado Máximo Barros redescobriu a relíquia. Máximo comprou, em 1995, um pedaço de filme encontrado em uma loja de antiguidades em Copacabana. E qual não foi a sua surpresa ao identificar o Bando dos Tangarás e, claro, o registro de Noel Rosa, aos 18 anos, em sua única aparição em movimento de que se têm notícias. O documento foi veiculado no programa Fantástico e causou emoção entre os fãs e pesquisadores musicais. Hoje, pode ser visto no YouTube!

É bom que se explique porque Bando dos Tangarás. Tangará é um lindo pássaro do Nordeste, azul ou verde, que gosta de cantar em grupo para encantar as fêmeas.
Nesse movimento sertanejo, não podemos nos esquecer que existia na Praça Tiradentes a Casa do Caboclo, onde muitos artistas se apresentaram. Entre eles, os cômicos João Lino e Apolo Correia, Dercy Gonçalves, Jararaca e Ratinho, Manezinho Araújo (Manoel Perreira de Araújo), e Augusto Calheiros, o Patativa do Norte.

Renato Murce, o pioneiro de quem falamos semana passada, também teve seu tempo de conjunto regional. Ele viu, tal como os amigos de Noel, que era preciso cantar como os Turunas que estavam fazendo sucesso no Rio. Na Rádio Educadora, com os primeiros cachês que ganhou na vida (e que o rádio pagou), fundou Os Gaturamos. Segundo Murce, concorriam com “o magnífico grupo comandado por Almirante: o Bando dos Tangarás“. Mas não eram tão bons.

Os Gaturamos, disse Renato Murce em seu livro Bastidores do rádio, tinham como elemento principal ele mesmo e mais o irmão Dario Murce, Rogério Guimarães, Pery Cunha, Lourival Montenegro, Rubem Bergmann, Didi do Pandeiro. O radialista afirmou que nem todas as emissoras gostavam do gênero popular, dessa música do povo.  Isso porque tinham nariz empinado, como a Rádio Jornal do Brasil. A vantagem desses grupos é que eles cantavam em bares e restaurantes e ganhavam comida de graça, no final da apresentação. O que era importantíssimo para os duros que eram.

Murce se lembra da chegada de outro grupo do gênero, no Rio de Janeiro, reforçando a tendência nordestina. O jornal Correio da Manhã, que sempre publicava contos, sonetos e poesias populares, lançou em 1926, um concurso carnavalesco. Nesse momento vem do Recife também os Turunas da Mauricéa, grupo que surgiu depois dos Turunas Pernambucanos. Faziam parte Augusto Calheiros, o Patativa do Norte, com a sua linda voz, Riachão, Guajurema, Piriquito e Bronzeado, logicamente, nomes de guerra. E também fizeram sucessos com suas roupas típicas e chapéus vindos do Nordeste. O maior sucesso dos Turunas da Mauricéa foi no Carnaval de 1928, com Pinião, de  Luperce Miranda e Augusto Calheiros.

Pinião, Pinião, Pinião ///   Ôi, pinto correu com medo do gavião
Por isso mesmo sabiá cantou ///   Bateu asas e voou e foi comer melão
Um dia desses um sabiá lá do outeiro
Chegou lá no meu terreiro
Pinicando pelo chão
E um pintinho que tava junto da galinha
Foi correndo pra cozinha
Com medo do gavião.

Ouça no YouTube a gravação de 1953, Augusto Calheiros, o Patativa do Norte

Augusto Calheiros - Pinião (1953)

Renato Murce conta que teve a honra de apresentar os Turunas da Mauricéa e viu como as portas do rádio, das gravadoras, clubes e excursões se abriram imediatamente para o grupo. Um ano depois, em 1927, aparece o grupo A Voz do Sertão, que tinha no elenco Luperce Miranda, que cantava emboladas muito bem.

Uma dos primeiros a cantar música regional no Rio de Janeiro foi Catulo da Paixão Cearense. Segundo o escritor Mário de Andrade, Catulo foi “o maior criador de imagens da poesia brasileira”. Catulo escreveu 200 modinhas, mas a que ficou mais conhecida foi Luar do sertão, que teve coautoria do violonista João Pernambuco. Luar do sertão foi considerada “o verdadeiro hino caboclo do Brasil”. Em 1936, vai fazer parte da abertura da programação da Rádio Nacional. Vamos ouvir na voz de Tonico e Tinoco, dupla sertaneja pura, a mais famosa. . Tiveram 60 anos de carreira, quando gravaram quase mil músicas em 83 discos. Venderam 150 milhões de discos e fizeram inúmeras apresentações no país e nas estações de rádio, é claro. Tonico, João Salvador Perez, nasceu em 1917, em São Paulo e morreu em 1994, aos 77 anos. Tinoco, José Salvador Perez, nasceu em 1920, também em São Paulo, e morreu em 2012. Foi o artista sertanejo que permaneceu mais tempo em atividade (82 anos). Morreu aos 91 anos. Vamos ouvir Luar do sertão? 

Luar do Sertão

Antes de terminar, gostaria de dizer que se podem fazer muitos programas dedicados às origens da música sertaneja e viola caipira. O maior representante desse gênero era o Capitão Furtado, apelido de Ariovaldo Pires, e seu programa Arraial da Curva Torta, na Rádio Cruzeiro do Sul, em São Paulo, ficou famoso.

Ainda sobre Tonico e Tinoco, gostaria de mostrar um trecho da música Irradiação, de Chiquinho e Tonico, que fala sobre o ambiente radiofônico.

Irradiação

O rádio é nosso peito, nós somos uma estação 
É ligado na saudade pra fazer a transmissão
 
O tinido da viola vai levando pro sertão
 
Tudo quanto é novidade nas ondas do coração.
 

Quanto mais é distância mais aumenta a radiação
 
A moda nos traz alegria pra outros recordação
 
A novela do desprezo, o programa da ilusão
 
Reportagem do amor da triste separação.
 

O som da voz é suave nós dois pra cantar não treina
 
Somos que nem araponga naquela manhã serena
 
Nossa viola é transmissor que trabalha sem antena
 
Transmite em qualquer distância no coração da morena.
 

Estúdio é uma gaiola onde nós canta fechado
 
Que nem sabiá coleira no teu cantar magoado
 
Sintoniza o padecer de quem vive abandonado
 
Nas ondas de uma saudade no transmissor do passado.
 

Este que fala no rádio anunciou pro mundo inteiro
 
Nas ondas curtas e longas a façanha do violeiro
 
Já está ficando afamado até lá no estrangeiro
Nossa moda sertaneja que é um produto brasileiro.

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