sexta-feira, 24 de julho de 2015

Custódio Mesquita de Pinheiro: elegância e talento





Rose Esquenazi





     Custódio nasceu no dia 25/4/1910 e morreu em 1945, antes de completar 34 anos. Uma vida tão curta não o impediu de deixar uma obra imensa e maravilhosa, que poucos conhecem atualmente. Somente os compositores tarimbados e pesquisadores o reverenciam.  Curiosamente, depois de fazer tanto sucesso na música, no teatro e até no cinema, pouco tempo depois de morrer, acabou sendo esquecido, apesar de suas lindas e criativas composições. Isso não aconteceu, por exemplo, com Noel Rosa, que todos ainda conhecem.


     Custódio era uma pessoa muito bonita e elegante e tinha tudo para dar certo. Principalmente porque era talentoso e tornou-se um grande compositor, pianista, regente e ator. Ou seja, mais um talento diversificado que brotou na Era de Ouro da MPB.  


     Carioca, nasceu em uma família rica, na Rua Ipiranga, 26, Laranjeiras. Custódio teve as primeiras noções musicais com a mãe e, depois aprendeu a tocar piano com o pai.  Era rebelde e gostava de tocar de ouvido. Nenhum professor da época conseguiu domá-lo. Por isso, a família resolveu inscrevê-lo como escoteiro no Clube do Fluminense, onde passou a tocar tambor. Do tambor à bateria foi um pulo. Arrumou um grupinho musical e passou a tocar na antessala do Cinema Central. Há uma curiosidade familiar: ele era tio do produtor cultural carioca Albino Pinheiro, da Banda de Ipanema. 


     O rádio estava em alta naquele tempo, assim, foi natural que fosse se apresentar na primeira atração de variedades do rádio brasileiro, o Esplêndido Programa, de 1931. O apresentador, Waldo Abreu, trabalhava na Rádio Mayrink Veiga onde criou vários quadrinhos que tornaram o programa mais animado. Depois, Custódio se transferiu para Rádio Philips, onde reinava o Programa Casé. Não havia atração mais animada aos domingos. Da bateria ao piano foi natural. As primeiras gravações, em 1932, foram os fox-trotes Dormindo na rua e Tenho um segredo. Depois, escolheu um parceiro maravilhoso, Noel Rosa, seu amigo do coração, que também morreu cedo, aos 26 anos.  Juntos, criaram o samba Prazer em conhecê-lo, gravado por Mário Reis na Odeon. Foi o que ouvimos na abertura, só que gravado pelo conjunto Coisas Nossas. 


     Não parou mais de compor.  Em 1933, Mário Reis lançou o samba Os homens são uns anjinhos. O cantor João Petra de Barros gravou os sambas-canção Palacete de malandro e Conto da carochinha e Carmen Miranda,Por amor a esse branco.  Sucesso mesmo ele fez com a música gravada por Aurora Miranda, Se a lua contasse, em 1933. Aqui, vamos ouvir a música na voz de Marlene.


     O rádio ainda estava sendo desvendado pelo público. Assim, com a Canção ao microfone e Cantor do rádio, gravados por João Petra de Barros na Odeon, Custódio tentava revelar o mundo mágico do cantor de rádio que as fãs não conhecem, mas sonham com ele. O rádio era visto como um lugar mágico, onde passava as ondas misteriosas do éter, o espaço azul e o infinito. Desde 1934, as revistas dedicadas ao mundo do rádio, chamam Custódio de "O Príncipe romântico do teclado", ou o "Valentino brasileiro", em comparação ao ator argentino Rodolfo Valentino, outro bonitão da época. Alguns críticos o chamavam de “garanhão”.


      Entre os mais citados nessas revistas, como Carioca, estão Noel Rosa e Custódio Mesquita, que tinham a vida íntima dissecada pelos jornalistas. Ele poderia ter seguido uma carreira e estudado em uma faculdade. Mas era um pouco preguiçoso e estudou ao equivalente ao terceiro ano ginasial. Acabou sendo diplomando no samba. Aliás, a música Doutor em samba, interpretado por Mário Reis falava sobre o dilema. Custódio fazia uma homenagem a outro jovem bonito e que havia sido rico, mas que se formou em direito, o próprio Mário Reis. O dinheiro que começou a ganhar no rádio não significava muita coisa, ao contrário do que ocorria com seus amigos compositores, muito mais pobres e necessitados. É claro que ficava orgulhoso ao reconhecer que a vida profissional estava dando certo.


     Segundo o escritor Orlando de Barros, que escreveu o livro Custódio Mesquita. Um compositor romântico no tempo de Vargas - 1930-45 (Eduerj/Funarte), até 1936, o compositor mergulhou nas experiências radiofônicas. Foi diretor artístico da Rádio Mayrink Veiga, mesmo muito jovem, começou a frequentar a Rádio Record, em São Paulo. Conheceu as rádios de Santos e Porto Alegre, quase uma aventura naquela época. Acompanhou Carmem Miranda em Buenos Aires em um mês de apresentações na Rádio Belgrano.  Foi diretor artístico da Rádio Clube do Pará, inaugurada em 1934. 

     Ali, fazia um pouco de tudo: selecionava elenco e conteúdo, dava pitaco em todos os assuntos e passou a entender de orquestração, já que não havia em Belém ninguém que soubesse fazer isso. Mais eclético, impossível. Inaugurou atrações novíssimas para a época, como programas de calouros e rádio-novelas. Quando faltava alguém para animar a plateia, ele assumia o papel de animador. 

A experiência foi muito útil em sua vida: aprendeu a identificar o que fazia sucesso. Em 1937, ganhou o prêmio pelo melhor jingle da Cervejaria Antártica, mesmo disputando com gente experiente na área. Na revista Carioca, em uma reportagem de 1936, Custódio já tinha conquistado o coração dos brasileiros. "É um compositor que abusa da arte de ser sutil nas suas composições", escreveu o jornalista.


     Noel Rosa sentia o mesmo assédio de Custódio, apesar de não ser tão bonito quanto ele. Mas reparou que em seu bairro as mocinhas queriam agradá-lo porque ele fazia sucesso no rádio. Noel disse que as mocinhas bonitas e mesmo as feias, quando encontravam com ele, “cravavam um olho curioso". Todos chamavam os artistas de "cartazes" do rádio porque embaixo de cada emissora havia uma tabuleta com as fotos dos artistas que iriam se apresentar naquela semana. E quem estava no cartaz virava cartaz.


     Mas o rádio acabou cansando o criativo Custódio Mesquita, que voltou para o Rio e decidiu investir no teatro de revista.  Conquistou um grande parceiro, Mário Lago, de quem falamos semana passada. Com ele criou Nada além, de 1938, e Enquanto houver saudade, que é uma valsa, gênero que Custódio dominava. No encarte de um CD da Funarte, Mário Lago escreveu um texto para o amigo. Chama-o de “melodista de mão cheia”, o melhor do “que a nossa música produziu”. Com Evaldo Rui, criou outro clássico da MPB: Como os rios que correm pro mar. Para Hermínio Belo de Carvalho, Custódio está na mesma estirpe de Sinhô, Chiquinha Gonzaga e Ernesto Nazareth, grandes pianistas. Saia do caminho, com Evaldo Rui, de 1937, deve ser lembrada também aqui.

Teve outros parceiros geniais, como Sady Cabral, nas músicas Velho realejo e Mulher, de 1940, abertura do seriado da TV Globo. Vamos ouvir?


     Entre 1935 e 1937, foi subsecretário da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais, Sbat. Em 1945, foi eleito conselheiro dessa entidade, mas morreu antes de assumir o cargo, vítima der uma crise hepática. Levava a vida sem conseguir evitar as crises de epilepsia. Bebia muito e vivia na noite. O escritor Bastos Tigre declarou que o destino “foi mau e estúpido”. Para ele, “Custódio merecia viver mais, o tempo que lhe desse para espalhar pela cidade, largamente, prodigiosamente, os tesouros de harmonia de que tinha a alma repleta”, escreveu no encarte Bruno Ferreira Gomes.

Chegou a gravar 111 composições de 1932 a 1949. Tom Jobim foi superfã de Custódio e dele herdou o dom de compor maravilhas ao piano. 


     Em 1935, atuou em cinco filmes, todos com músicas suas. Alô, alô Brasil, com direção de Wallace Downey, João de Barro e Alberto Ribeiro. Favela dos meus amores, de Humberto Mauro, foram alguns deles. 


     Para terminar, sugiro que se ouça uma obra genial: a composição Quem é? (Scena doméstica), em parceria com Joracy Camargo, de 1937. Os dois retratam um casal fazendo um acerto de contas. Um implica com o outro e depois vemos que eles se amam de verdade.


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