sexta-feira, 24 de julho de 2015

Silvio Caldas – O Caboclinho querido




O Rádio Faz História  – 25/5/2015 
Rose Esquenazi



O cantor Sílvio Caldas, o Caboclinho Querido, participou da fase de Ouro do rádio brasileiro. Era um dos Quatro Grandes, ao lado de Francisco Alves, Orlando Silva e Carlos Galhardo. Só que a carreira de Silvio foi mais longa, durou mais de 50 anos e teve três fases bem distintas. Ao longo da vida, ele ganhou muitos apelidos, além de Caboclinho Querido. Foi chamado também de A voz morena da cidade, TitioPoeta da Voz, O cantor que valoriza as palavras. Dono de uma voz especial, de um timbre próprio, inconfundível, embora não tão extenso e forte quanto a voz de Chico Alves e Orlando Silva, ele conseguiu como ninguém unir a técnica à emoção.
Silvio exerceu inúmeras profissões além de cantor e compositor: foi pescador, cozinheiro, garimpeiro, lavador de carro, mecânico, taxista, motorista particular. Por muito e muito tempo, um boêmio incurável, que teve muitos amores.  Mesmo trabalhando em tantas funções, nunca deixava de cantar, sua maior paixão, Estava sempre com o violão, o companheiro mais fiel.  Muitas participações eram gratuitas, só pelo prazer de cantar ao lado dos amigos. Gostava da experiência incrível de estar no estúdio e encarar o microfone, algo assustador na época.
Silvio Antônio Narciso de Figueiredo Caldas nasceu no Rio em 23 de maio de 1908, no bairro de São Cristóvão. Morreu aos 90, em Atibaia, São Paulo, em 3 de fevereiro de 1998. O pai era afinador de pianos e gostava das noitadas, o que vai influenciar o filho mais tarde. Desde criança, aos seis anos apenas, ficou conhecido como o Rouxinol da Família Ideal, nome de um bloco conhecido nas ruas de São Cristóvão. Na época, a letra era assim: “Eu sou bilontra/gracioso cantor”. Para quem não sabe, bilontra significa espertalhão. Aos nove, começou a trabalhar como aprendiz de mecânico. Mas sempre que podia cantava em festas e reuniões.
Aos 19 anos, começou a carreira artística profissional, em 1927, na Rádio Mayrink Veiga. Dois anos depois, passou a cantar na Rádio Sociedade com um contrato de 20 mil réis por noite. Não era muito comum ganhar cachê naquele tempo. Mas Silvio tinha já esse lado profissional, que só vai se tornar corriqueiro a partir dos anúncios nos anos 30. Ele foi um dos famosos que participaram do Programa Casé.
O primeiro disco, ainda amador, chamou-se Quando o príncipe chegar. O nome teve uma razão: era para homenagear o Príncipe de Gales, na época, o Duque de Windsor, que veio ao Brasil. A primeira gravação profissional foi na Victor, em dueto com Breno Ferreira, um desafio chamado Tracuá me ferrô, de Sátiro de Melo. Em seguida, interpretou o samba Amoroso, de sua autoria. Ele também começava a escrever músicas com parceiros importantes, como Cartola, Benedito Lacerda e até Noel Rosa.
 No Governo Vargas, com receio de golpes e rebeldias populares, uma nova lei proibia o cidadão de ficar em grupos conversando nas ruas. Era preciso dispersar. Essa proibição, que voltou na época da ditadura militar, gerou uma música gravada por Silvio Caldas, intitulada “Vou andando”. Vamos ouvir?
O ano de 1930 foi importante para Silvio Caldas que passou a trabalhar para a gravadora Brunswick. Cantou Recordar é viver e o samba-canção Amor e poeta, ambas de Sinhô. Depois gravou 19 discos, com 32 músicas, pela Victor. Atuou ao lado da atriz Margarida Max na revista Brasil do amor, de Ary Barroso, que começava na carreira artística, e Marques Pôrto. No Teatro Recreio, ele cantou o samba Faceira, de Ary. O sucesso contagiou os cariocas e, aos poucos, todos os brasileiros. Silvio Caldas começava a se transformar em seresteiro. Faceira foi mesmo o primeiro sucesso, unindo por muito tempo Silvio Caldas e Ary Barroso.
Depois do teatro de revista, lugar onde se lançavam sucessos musicais na época, Silvio passou também a cantar em cassinos, que pagavam bem e eram frequentados pela elite.
Em 1933, Silvio Caldas gravou Lenço no Pescoço, de Wilson Batista, que ainda era um desconhecido vindo de Campos. Acabou provocando uma tempestade porque valorizava a figura do malandro, imagem que todos os compositores queriam apagar. Era uma letra politicamente incorreta, comportamento que Getulio Vargas tentava abolir. Aquela história do homem que não trabalhava e só queria farrear estava condenada. Por essa razão, Noel Rosa compõe Palpite infeliz, só para dizer que Wilson Batista estava errado. Nasceu ali a primeira polêmica musical que já falamos aqui no quadro O rádio faz história, há algum tempo. Mas Silvio disse que não tinha sido polêmica coisa nenhuma, foi só uma brincadeira. Vamos ouvir Cinema falado, que mostrava a novidade do cinema já com som, e Lenço no pescoço.
Segundo Jairo Severiano, no livro Uma história da música popular brasileira (Editora 34), Silvio Caldas passou por três fases distintas. A primeira foi de 30 a 34, que teve o samba como o gênero predileto. Depois, a segunda fase, de 35 a 44, o ciclo de valsas. Na opinião do pesquisador musical, foi o melhor período, em que o cantor começou também a compor. A terceira fase começou em 45 e terminou quando Silvio Caldas ainda conseguia cantar. Mas não foi a mais brilhante. Ele gravava os antigos sucessos e depois se isolou em um sítio em Atibaia, em São Paulo.
Voltando aos anos 30, fez sucesso no Carnaval de 1933, com a marcha Segura esta mulher e passou ao posto de um dos mais queridos intérpretes de Ary Barroso. Silvio se tornou tão popular quanto Francisco Alves, Orlando Silva e Carlos Galhardo. Tinha um primoroso estilo de interpretação. Em 1936, Silvio Caldas experimenta a carreira cinematográfica na comédia musical Carioca maravilhosa.
Na mesma época, participou do filme Favela dos meus amores. Ele cantou Quase que eu disseTorturante ironia, entre outras. Em 1937, lançou vários sambas de sua autoria e com parceiros. Seu grande sucesso foi a canção Chão de estrelas, com Orestes Barbosa. A música, até hoje, não falta nas rodas de serestas. Os frequentadores da linda cidade de Conservatória, no Estado do Rio, sabem bem disso. A música foi gravada duas vezes, sendo que só nos anos 50 fez grande sucesso.
O escritor Manuel Bandeira escreveu uma crônica elogiando a letra, embora fosse complicada, em poemas decassílabos. Se alguém fizesse “um concurso para apurar qual o verso mais bonito de nossa língua”, disse Bandeira, “talvez eu votasse naquele de Orestes 'tu pisavas os astros distraída'.
Cantor sentimental que fazia questão de dizer as palavras com muita clareza, Silvio marcou a sua época falando de amor e saudade. Jairo Severiano é categórico ao dizer que “ninguém foi capaz de superá-lo na maneira de interpretar letras românticas, até mesmo de dizer certas palavras – saudade, por exemplo – inflexão precisa no exato momento”. Vamos ouvir o clássico Carinhoso, de Pixinguinha e João de Barro, um clássico da música brasileira, na voz de Silvio Caldas.
Não vamos poder citar todas as 177 músicas que Silvio Caldas gravou. Mas quem tiver curiosidade, pode ir ao YouTube e fazer um tour pela voz e interpretação do cantor. Silvio esteve muito ativo nos anos 50, 60 e 70, quando gravou dois LPs com Elizeth Cardoso pela gravadora Copacabana. Incluiu no repertório Fita amarela, de Noel Rosa. Mas foi só em 1975,  na Som Livre, que ele mostrou a única parceria que fez com o Poeta da Vila:  Cabrocha do Rocha.
Em 1989, aconteceu o último show. No Teatro João Caetano, no Rio, foi dirigido, roteirizado e produzido por Ricardo Cravo Albin. Era uma homenagem aos 80 anos de Silvio. O show foi transformado em programa na TV Educativa.  Em 1992, recebeu no Rio de Janeiro a Medalha Machado de Assis, pela Academia Brasileira de Letras, por sugestão do escritor Jorge Amado.
Em 1994, ao ser lançado o CD Orestes Barbosa - O poeta nas vozes de Francisco Alves e Sílvio Caldas, o público mais uma vez pode avaliar a qualidade do Caboclinho Querido. Em 1995, participou do Songbook  Ary Barroso,  interpretando o samba Quando eu penso na Bahia. Em 1998, por ocasião os seus 90 anos, foi homenageado com o CD Sílvio Caldas 90 anos, com Zé Renato e Orquestra. Integrante do conjunto Boca Livre, o cantor e compositor Zé Renato esteve próximo do cantor porque a família dele conhecia o Caboclinho. Em 2008, em comemoração ao centenário e seu nascimento, foi lançado pelo pesquisador Carlos Marques o livro Sílvio Caldas - O Seresteiro do Brasil, contando a trajetória artística do cantor. Para terminar vamos ouvir a Cabrocha do Rocha. A primeira parte é de autoria de Silvia Caldas, a segunda, é de Noel:
CABROCHA DO ROCHA 
Eu tenho uma cabrocha ////////
Que mora no Rocha ////// 
E não relaxa. ////////
Sei que ela joga no bicho, ////
Que dança maxixe, /////// 
Que dá muita bolacha./////////
.........
Tenho um filho macho /////  
Com cara de tacho ////
 E além disso é coxo.  ////////  
Ele me faz de capacho, /////
Qualquer dia eu racho  /////////// 
Este carneiro mocho. //////

Um comentário:

  1. Queria ouvir a gravação que ele fez para o museu do som. Tinha esse LP ms perdi...

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