domingo, 26 de julho de 2015

Você conhece Saint-Clair Lopes?







Rose Esquenazi


      Nos anos 30 e 40, existiam profissionais de rádio que eram tão talentosos, que podiam exercer várias funções, todas com muita qualidade. Hoje, vamos falar de um deles: Saint-Clair Lopes. Ele foi locutor, ator, apresentador, intérprete de noticiário (como ele mesmo disse), produtor de programas, animador e uma referência jurídica relacionada à radiodifusão.

     Como ator, ele participou da primeira novela veiculada pela Rádio Nacional, Em busca da felicidade. Depois, atuou em Renúncia, de Oduvaldo Viana e em Direito de Nascer, no papel de dom Rafael de Juncal. Infelizmente, esses áudios não existem mais.  Saint-Clair também interpretou muitas histórias dramatizadas que começavam sempre com essas frases:  “Meu nome é...” ou “Eu me chamo...”fulano.

    Seu maior sucesso foi, sem dúvida, o seriado O Sombra, que esteve no ar durante seis anos, na Rádio Nacional. Ele foi o protagonista com aquela voz maravilhosa que ele tinha.

      O Sombra foi um seriado americano que veio no pacote da Política da Boa Vizinhança. Já fazia sucesso nos Estados Unidos na voz de Orson Welles, o famoso diretor de Cidadão Kane. É bom lembrar que Orson fazia várias participações como radioator em diferentes rádios americanas, indo e vindo pela cidade de Nova York, a bordo de uma ambulância. Isso porque ele descobriu que alugar uma ambulância não era proibido e, para estar na hora certa nas estações precisava vencer o trânsito que já existia nos anos 30, em NY. Segundos antes de o personagem entrar no ar, ele perguntava ao produtor que papel teria que encarnar. Sem o menor ensaio, conseguia interpretar muitos tipos humanos, fosse um velho chinês ou um professor velhinho. Ganhou muito dinheiro nessa época. Vamos ouvir o Sombra de Orson Welles:


     Escrito por Walter Brown Gibson, sob o pseudônimo de Maxwell Grant, O Sombra revelava as aventuras de um vingador mascarado que era, na realidade, o milionário Lamont Cranston. O Sombra era descrito como um homem de nariz aquilino e olhos negros penetrantes. Estava sempre com um casaco e capa pretos e a boca coberta com lenço vermelho. No dedo, ele tinha um anel com um rubi enorme chamado Girassol. No bolso, guardava duas pistolas 45 e, lógico, a pontaria dele era perfeita. Assim como aquela série que escutamos nesse preograma anteriormente As aventuras de Fred Perkins, de Francis Hallawell,  o Sombra também tinha um aparelho voador feito sob medida para ele. Sem falar que era tão poderoso que conseguia dominar a mente humana usando uma novidade: a hipnose, que aprendeu no OrienteVelhos tempos!

     Algumas frases ficaram registradas na memória dos radiouvintes. Sempre que o Sombra perguntava "Quem sabe o mal que se esconde nos corações humanos?", vinha a resposta: "O Sombra sabe... Pois ele tem o mal em seu próprio coração!", dizia, num tom assustador. Em cada episódio, outras frases marcaram época: "O Sombra nunca falha!", "As sementes do mal geram frutos amargos!", "O crime não compensa!", "O Sombra sabe!"


      Não seria a primeira vez que homens ricos e altruístas se mascaravam para defender os muito pobres. OBatman também era um super-herói mascarado que, apesar de muito rico, estava ao lado dos oprimidos! A noiva do Sombra americano, Margo Lane, era dublada por Agnes Moorehead. Anos mais tarde, Agnes interpretou a mãe da Feiticeira, aquela lourinha da série da TV com o mesmo nome.

    O Sombra no Brasil fez sucesso instantâneo e era patrocinado pela Gilette. A voz cavernosa e profunda de Orson Welles ganhou um exemplar nacional maravilhoso. Toda a vez que Saint-Clair da Cunha Lopes dava a risada do detetive, as crianças corriam para debaixo da cama. Tinham medo de seu poder de ficar transparente e penetram em qualquer lugar, transpondo qualquer obstáculo. Depois de salvar as pessoas, o Sombra fazia uma ameaça:  “Agora, a sua vida me pertence”. Ele transformava aqueles que acabara de  salvar em agentes do bem e não admitia qualquer tipo de questionamento.

Em São Paulo, o personagem foi interpretado por Otávio Gabus Mendes, pai do escritor Cassiano Gabus Mendes e avó dos atores Cássio e Tato, conhecidos na TV. Ele também assustava o público que já estava apavorado com o clima sombrio da Segunda Guerra. Será que a guerra iria chegar ao Brasil nos anos 40?

     Saint-Clair nasceu no Rio de Janeiro, em 1906. Ao contrário de muitos radioatores que se  acomodaram, ele decidiu estudar Direito e Jornalismo. Por essa razão, era sempre chamado para criar leis e defender os interesses da radiodifusão que estava crescendo no país. Foi professor de radiojornalismo na Faculdade de Filosofia da UFRJ e na PUC. Foi comentarista de assembleias da ONU, em 1947, sendo a sua palavra ouvida através da Rádio Nacional. Exerceu também a consultoria jurídica da ABERT, dos empresários do rádio. Escreveu livros sobre a história do rádio, como Radiodifusão, hoje e divulgou a jurisprudência da radiodifusão.

      Antes da Rádio Nacional, ele passou por várias estações. A primeira foi na Rádio Philips, onde fez um teste para o programa Hora do Outro Mundo, de Renato Murce. Era uma atração criativa, já que, supostamente, era irradiada de Marte para a Terra. Depois, trabalhou na Rádio Educadora do Brasil, Transmissora e, finalmente, na Rádio Nacional, onde ficou 33 anos. Foi ali que Saint-Clair Lopes mostrou todo seu talento. Com aquela voz tão poderosa chegou a apaixonar uma fã que, ao morrer, deixou toda a fortuna para ele. A mulher de Saint-Clair não gostou nada daquilo.

    Para o livro do amigo Renato Murce, Bastidores do Rádio (Ed. Imago, 1976), seu padrinho no rádio, Saint-Clair fez uma pequena biografia que terminou assim:  “Entrei pobre para o rádio e saí dele pouco menos pobre, mas rico, muito rico de realizações que confortam e com a consciência tranquila do dever cumprido”.


     Saint-Clair Lopes morreu em 6/3/1980, aos 73 anos. 

4 comentários:

  1. É realmente uma pena que não se ache mais esse programa pra poder escutar. Eu sou um que adoraria escutar todos os episódios.

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  2. Gostei muito dessa matéria pois meu pai me deu o mesmo nome do radialista em homenagem à ele.

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  3. Ele é meu tataravô (meu pai era o Saint-Clair Lopes Neto) e não sabia da existência do livro dele.

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