sexta-feira, 24 de julho de 2015

A música brasileira no front da Segunda Guerra



 “Sinhá Lourdinha”

 Rose Esquenazi


            Este ano, comemora-se em todo o mundo o fim da Segunda Guerra Mundial. No dia 8 de maio de 1945 foi a data em que os aliados derrotaram a Alemanha nazista. Mas considera-se que só nos dias 6 e 9 de agosto, acabou a guerra definitivamente ao serem lançadas as bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki. O Japão assinou a sua capitulação em 2 de setembro. O Brasil participou da guerra e, setenta anos depois, podemos analisar e ouvir novamente o que os pracinhas brasileiros faziam na Itália graças aos jornalistas que foram mandados como correspondentes de alguns poucos jornais.

Entre eles, havia um único radialista, o Chico da BBC, que viajou de Londres para a Itália. Uma viagem perigosa e envolta em mistério devido à falta de segurança. Francis Hallawell, carinhosamente chamado de o Chico da BBC, logo ficou amigo de Joel Silveira, dos Diários Associados, Egydio Squeff , de O Globo e de Rubem Braga, do Diário Carioca. E passou a contratá-los para escrever crônicas para as transmissões diárias que ele precisava mandar por telex para Londres. De Londres, a BBC transmitia para o Brasil por intermédio das ondas curtas.

Mas Chico sempre que podia gravava, em frágeis discos de vidros, programas radiofônicos graças a um pequeno aparelho desenvolvido pela BBC. As entrevistas, pequenas histórias e discursos eram gravados pelo técnico Douglas Farley e por Chico da BBC. Depois os discos viajavam por terra até Roma ou Florença. De lá, eram transmitidos por rádio até a emissora na Inglaterra. No serviço de transcrição da BBC, os técnicos transformavam o conteúdo do disco de vidro em outro, mais resistente, feito de acetado. Só a partir desse momento os brasileiros ouviam o trabalho feito em Francolise ou em outra cidade onde estavam acampados os soldados brasileiros. Mais tarde, os acetados também eram mandados ao Brasil e podiam ser utilizados em qualquer emissora de rádio.

O que ouvimos na abertura do programa foi a embolada composta e interpretada pelo soldado Natalino Cândido da Silva chamada A Lourdinha. Era assim que os soldados chamavam a metralhadora alemã. Essa gravação foi feita ao ar livre e teve como público todo o Regimento Sampaio. Os soldados comemoravam a vitória de Monte Castelo, no dia 21 de fevereiro de 1945, depois de quatro tentativas frustradas. A música venceu um concurso entre os soldados.
 Você já viu, Iaiá?/
Você já viu, Ioiô?/
No front, a Lurdinha cantar?/
A tropa fica alerta para avançar/
Ouvindo a voz da metralha:/
“Vamos atacar!”/
A voz do comando /
É firme e segura/
Ninguém tem pára/
Corre e toca!/
Perde até a roupa/
Pro brasileiro, o alemão é sopa/
Pro brasileiro, o alemão é sopa/
  
Francis Hallawell nasceu em 1912, em Porto Alegre, e morreu em 2004, no Rio de Janeiro. Como era de uma família inglesa, ele se ofereceu para lutar ao lado dos aliados assim que estourou a Segunda Guerra, em 1939. Ele já tinha 27 anos e, por isso, não entrou para a infantaria inglesa, como ele queria. Conseguiu um emprego na BBC de Londres, como radialista: speaker e autor de programas de rádio. Vamos ouvir na voz do Chico da BBC uma transmissão de um programa de 1945, gravado em Francolise, na Itália. O material foi preservado graças a seu esforço de trazer para o Rio de Janeiro alguns acetados por ele gravados, depois da guerra.  Na hora do descanso, os soldados relaxavam e cantavam.
            Na retaguarda, circulavam muitos jornais, como O Globo Expedicionário e O Cruzeiro do Sul. Havia também pequenos pasquins como A Voz do Petrecho, E A Cobra Fumou, O Camelo, Zé Carioca, Vem Rolando, Tá na Mão. Havia muita música também, mas só eventualmente escutava-se o rádio, raro entre os soldados no acampamento e nos fox-holes,” boca de lobo”, em português, onde eles se escondiam e se protegiam da neve e do inimigo. Às vezes, captava-se uma estação portuguesa ou alemã. A Rádio Auriverde alemã tentava convencer os brasileiros a mudarem de lado na guerra.  Retransmitia jogos de futebol no Brasil e redirecionava o sinal para os acampamentos com mensagens pró-nazistas.  
Segundo o soldado Joaquim Xavier da Silveira, que escreveu o livro A FEB por um soldado, “a atividade musical estava sempre ligada às atividades militares, destacando-se a música chamada marcial”. O que mais de ouvia era a Canção do Expedicionário. “Mas, no campo, eram cantados os sucessos radiofônicos das rádios brasileiras, como: “Adeus”, “Mangueira”, “Jura”, “Rancho Fundo”, “Teu cabelo não nega”. Esse material todo eu pesquisei para o meu livro O rádio na segunda guerra. No ar, Francis Hallawell, o Chico da BBC, que lancei em 2014. Quem quiser pode encomendar o livro por email para a Editora Insular, de Florianópolis.
         Vamos ouvir agora Cabrocha baiana, composição feita na guerra e que é interpretada pelo terceiro sargento Serafim José de Oliveira, autor da canção. Podemos ver que há forte influência do compositor Ary Barroso. Na época, falar sobre a Bahia estava mesmo na moda na nossa música popular brasileira.
            É muito difícil imaginar hoje uma gravação feita ao ar livre, usando um material totalmente precário. Mas é possível sentir a espontaneidade e a animação dos soldados que batiam palmas e se animavam com as comemorações daquela festa. Em outra música, do mesmo terceiro sargento Serafim José de Oliveira, podemos perceber o tom ufanista e saudoso da canção “No Brasil tem”.
            Francis Hallawell também abriu o seu microfone para outros momentos dos pracinhas nos bastidores da guerra. Falava sobre o cotidiano, relatando a Hora da Mala Postal, o momento em que os soldados recebiam a correspondência do Brasil, por exemplo, Mas também reproduziu a Missa na Catedral de Pisa, no dia 29 de outubro de 1944, em plena campanha de guerra. A reportagem foi feita por Sylvio da Fonseca, da Agência Nacional. Na missa, Chico da BBC gravou o exato momento em que os soldados brasileiros cantavam o Hino Nacional brasileiro.
            Chico da BBC também fez um programa sobre o 11º Regimento de Infantaria, o Onze, do Rio de Janeiro. Registrou o momento em que os soldados ganharam uma medalha que reconhecia a bravura dos soldados. Unindo trechos gravados, esse programa sobre a campanha da Itália teve a sua produção final nos estúdios da BBC de Londres.
            Chico da BBC apresentou o soldado Pieri Junior interpretando “Sorrindo e cantando”, como vamos ouvir.  Chegou a compará-lo ao compositor Noel Rosa, quando ele incluiu o verso: “O valor dá-se a quem tem” para falar do Primeiro Pelotão.

Um comentário:

  1. O interessante da história é que os músicos mesmo sem seus instrumentos fazem com que todos participem da canção que embala o ritmo na palma da mão e a harmonia nas vozes de todos muito lindo de ouvir e viajar na história parabéns.

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