segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Lamartine de Azeredo Babo, um gênio da música e do rádio

"O Rádio Faz História"- Rádio MEC AM

Rose Esquenazi



Lamartine Babo e uma fã


Lamartine Babo era magrinho, tinha uma voz estranha e não possuía muitos atributos físicos, mas era muito divertido e engraçado. Não sabia tocar nenhum instrumento, mas manejava muito bem a caixinha de fósforos. Foi um dos maiores compositores brasileiros e um grande nome do rádio. Foi chamado de O Rei do Carnaval e, segundo  o compositor Braguinha, havia dois carnavais no Rio: um antes e outro depois de Lamartine Babo.

(Por falar em magreza, o trocadilho mais famoso que ele fez foi durante uma entrevista. Lala disse: "Eu me achava um colosso. Mas um dia, olhando-me no espelho, vi que não tenho colo, só tenho osso".)


Até hoje, as suas músicas são tocadas nos estádios de futebol. São dele as marchinhas que homenageiam os 11 principais times do Campeonato Carioca. Lalá compôs também para outras agremiações.  Tudo aconteceu em 1949, no programa Trem da Alegria, na Rádio Mayrink Veiga.

 Lalá, apelido de Lamartine Babo, foi desafiado a compor uma música por semana. Ele fazia parte do quadro principal, o Trio de Ossos. Tinha esse nome porque os três artistas do grupo – Lamartine Babo, Yara Salles e Heber de Bôscoli – eram magros demais e os ossos apareciam por fora das roupas!



Lalá amava o América e, para o clube, ele caprichou bastante.  Foi um sucesso imediato. Depois, descobriu-se que ele fez um plágio da música americana Row, Row, de Joy Hodges. Além disso, para compor os hinos não-oficiais  que mais tocam o coração dos torcedores, Lamartine se apropriou trechos de marchas militares. Essa mania foi questionada na época. Mas o caso mais grave foi com Teu cabelo não nega, música considerada hoje politicamente incorreta. Lalá teve que corrigir a autoria, incluindo os Irmãos Valença.  Ele revolucionava o que ouvia, dava uma versão mais inspirada. 
Criou nova letra para Rancho Fundo, de Ary Barroso, que se indispôs com o letrista original, J. Carlos (Na Grota Funda).

 Os jovens talvez nunca tenham ouvido falar em Lalá e talvez possam se surpreender ao saber que ele compôs  Linda Morena, Canção Pra Inglês Ver, Eu sonhei que tu estavas tão linda, essa com Francisco Matoso.

Lamartine Babo nasceu em 1904, na Rua Teófilo Otoni, no Centro do Rio. Tinha 11 irmãos e, com a morte do pai, teve que trabalhar a muito jovem. Quando foi estudar no Colégio São Bento, compôs músicas religiosas. Empregou-se como office-boy na empresa Light, na Rua Larga, hoje Marechal Floriano. Lalá costumava fugir do trabalho para fazer o que mais gostava: ouvir e fazer música.

Ele amava também as piadas, os trocadilhos e as canções carnavalescas.  Passou a frequentar as estações de rádio e, apesar de sua voz esganiçada, fazia sucesso. Em 1922, participou do teatro de revista e compôs para Aguenta Felipe!

 O grupo de Noel Rosa, Bando dos Tangarás, gravou três músicas de Lamartine: Minha cabrocha, Cor de Prata e Nega. Era o mesmo clima daqueles jovens compositores e cantores: alegria, irreverência, leveza musical. Muitos compositores e pesquisadores, como Nelson Motta, não têm dúvida: Lala era um gênio. Como todos os cariocas, Lalá adorava sair em blocos carnavalescos.

Em 1929, foi animar S.Paulo, que tinha uma rádio muito séria e sisuda. Estreou em Horas Lamartinescas contando piadas e cantando com a sua voz de falsete. Os paulistanos adoraram.

A canção humorística Canção para inglês ver, escrita em 1931, é o samba mais louco do mundo, cheio de nonsense. Lalá brincava com a mania que as pessoas tinham de falar inglês no meio das frases em português. Tudo por culpa do cinema falado que chegava à cidade. Era uma novidade porque, entes, na exibição dos filmes mudos, só havia legendas e um pianista acompanhando as imagens na tela. Ao ouvir os atores americanos  falando inglês, passaram a intercalar em suas frases as expressões que ouviam: “Good morning”, “Hello” e Good bye”.

 Segundo o Dicionário Cravo Albin de Música Brasileira, em 1937, com a censura do Estado Novo, a sátira foi proibida. Essa restrição iria tirar  a graça de algumas músicas de Lalá, que tinha paixão pela irreverência.

Em 1939, ele escreveu a música Joujoux e balangandãs, ao ser convidado pela primeira dama Darcy Vargas para participar de um show beneficente. Tratava-se de um diálogo musical entre um brasileiro, o amigo Mário Reis, e uma francesa, Mariah, o pseudônimo da senhora da alta sociedade da época, Maria Clara Correia de Araújo. A música ficou muito famosa.

O caso que aconteceu em uma agência de correios foi genial. Lalá foi enviar um 
telegrama e, naquela época, usava-se o Código Morse. O telegrafista, para brincar com os colegas de trabalho, bateu com o lápis na mesa a frase, em código Morse: "Magro, feio e de voz fina". Lamartine respondeu na mesma moeda, batucando na mesa: "Magro, feio, de voz fina e ex-telegrafista".

Lalá só se casou aos 47 anos e, para muitos, ele não teve sorte no amor.  Mas amava todas as mulheres. Reuniu muitos amigos, como Carmem Miranda, Almirante, Ary Barroso .
Lalá formou-se em Ciências Jurídicas e Sociais na então Faculdade de Direito, na Universidade do Rio de Janeiro, atual Faculdade Nacional de Direito UFRJ. Tenho a impressão que ele aprendeu tudo na vida. Lalá morreu em 1963, vítima de um infarto. Tomara que os cariocas voltem a ser engraçados e bem-humorados como ele.


Vamos ouvir a letra da Canção para inglês ver, que é divertidísima.

http://radios.ebc.com.br/todas-vozes/edicao/2014-08/lamartine-babo-e-suas-musicas-que-mudaram-cara-do-radio 


I love you
Forget sclaine
Maine Itapirú
Morguett five underwood
I shell
no bond Silva Manoel
Manoel...
Manoel...
I love you to have steven via-Catumby
Independence lá do Paraguay
Studbaker... Jaceguay

Yes my glass (bis)
Salada de alface (bis)
Fly Tox my till..
Standard oil..
Forget not me
Oi!

I love you
Abacaxi..whisky
Off chuchu
Malacacheta,independence day
No street-flesh me estrepei

Elixir de inhame (bis)
Reclame de andaime (bis)
Mon Paris je t'aime..
Sorvete de creme
my girl good night
Oi!
Double fight...
Isto parece uma canção de oeste
Coisas horíveis lá do Far West
Do "Thomas Meiga" com manteiga

My Sandwisch! (bis)
Eu nunca fui Paulo Escrich
Meu nome é Lasky and Claud
John Felipe Canaud
Light and power
Companhia Ltda
Ai! you
The boy scott avec
boi zebú
Lawrence Tibett com feijão tutú
Trem de cozinha
Não é trem azul!...





domingo, 3 de agosto de 2014

Quarto programa: “O direito de nascer”


"O rádio faz história." Rádio MEC AM.

Rose Esquenazi
A mais importante novela do rádio



O brasileiro adora as novelas e esse gosto vem de longe. Em 12 de junho de 1941, às 10h30, a novela Em busca da felicidade entrou no ar com uma grande promoção. A Rádio Nacional tinha feito um acordo com o americano Richard Penn, do departamento de marketing da Colgate, que ofereceu a emissora o folhetim que iria ao ar três vezes por semana. O formato já estava sendo testado nos Estados Unidos e em vários países da América Latina e faria sucesso também no Brasil. O que havia aqui, antes dos anos 40, era o radioteatro em que as histórias começavam e terminavam no mesmo dia.
(A Segunda Guerra já tinha começado na Europa em 1939. Em 1941, os Estados Unidos  começaram a desenvolver a Política da Boa Vizinhança.  Eles precisavam construir o aeroporto em Natal, para chegar à África rapidamente, e, em troca, eles emprestariam o dinheiro para a construção da Siderúrgica de Volta Redonda e trariam bens de consumo para o país: como a Coca-Cola, a Kibon, produtos de beleza e novelas!)
A novela começava assim: “Senhoras e senhoritas, o famoso creme dental Colgate tem o prazer de apresentar o primeiro capítulo da empolgante novela de Leandro Blanco, em adaptação de Gilberto Martins  “Em busca da felicidade””. A imprensa registrou o grande frisson que o público sentiu através das ondas sonoras na estreia do novo formato. O livrinho com a sinopse da novela, que seria distribuído entre os ouvintes, se esgotou rapidamente. Foram 48 mil cartas escritas por donas de casa. Que incluíam uma embalagem do creme dental, pedindo uma cópia gratuita! Nunca havia acontecido isso.
Na novela, as histórias podiam se esticadas em vários meses. Costumavam ser melodramáticas e sempre ao vivo, o que aumentava a tensão, o sofrimento e também as doses de ternura, amor e paixão. As mulheres que não trabalhavam fora de casa naquela época, ficavam cuidando dos filhos e preparando a comida, com o rádio ligado. Elas se emocionavam profundamente com o que ouviam porque os temas faziam parte da vida delas: o homem que traía a mulher, o irmão que era alcoólatra, o filho bastardo.
A novela ficou três anos no ar. A Nacional percebeu que tinha espaço para lançar outros horários de ficção. Assim, ocupou mais um andar do prédio A Noite, e convocou mais radioatores, adaptadores, orquestras, diretores, contrarregras e produtores. Montou uma casa de sonoplastia para que fossem criados ao vivo efeitos sonoros: barulho de chuva, soldados marchando, tiros, telefone tocando etc. O papel do narrador vai ser muito importante para as novelas porque cria a ambiência da história, apresenta as características dos personagens e das tramas.

Os horários de folhetim se multiplicaram na Rádio Nacional, havia cinco, seis novelas ao longo de todo o dia, tornando-se referência novela em todo o país. A mais famosa de todas as novelas foi O Direito de nascer. Também foi escrita em Cuba, que era o grande celeiro de melodramas rocambolescos. De autoria de Félix Caignet e tradução de Eurico Silva, chegou a ter 73 pontos de audiência. Estreou no ar no dia 8 de janeiro de 1951 e durou um ano e oito meses,com 260 capítulos.  Demorou tanto para acabar que ganhou o apelido de “O direito de encher”, o saco, naturalmente.
A novela ainda não era diária e era transmitida  às segundas, quartas e sextas, às 20h, parando o país. Maria Helena, a mocinha rica que engravida de um homem casado iria sofrer um grande drama. Quando disse a frase: “Doutor, não posso ter esse filho que vai nascer”, provocou uma enxurrada de lágrimas. Escondida do pai dela, que não queria a criança, ela decide se tornar freira. Mas, antes de ir para o convento, dá para a antiga empregada da casa – a boa Mamãe Dolores – o seu bebê, que ganhará o nome de Albertinho Limonta, que nem enxoval tinha.
Tristes com a história de Albertinho, várias ouvintes preparam  enxovais para o bebê e mandavam para o prédio da Nacional, como se o personagem fosse um bebê de verdade. A Rádio Nacional registrou esses presentes em seu livro comemorativo de 20 anos, em 1956.
É bom lembrar essa ingenuidade estava muito presente na época. Os atores que interpretavam personagens bons e sofredores ganhavam presentes das fãs e eram glorificados. Por exemplo, Albertinho, interpretado pelo ator Paulo Gracindo, tinha hordas de adoradoras. Já os vilões das histórias apanhavam na porta da Rádio Nacional, eram xingados na rua. A emissora foi obrigada a abrir uma porta lateral para que esses artistas tão odiados saíssem sem que ninguém visse.

A partir dos anos 60, a novela foi montada três vezes na TV. A primeira versão fez tanto que o consumo de água no Rio de Janeiro caía a nível zero durante a transmissão.  Em 1964, ninguém cozinhava, tomava banho ou lavava as mãos no horário da novela “O Direito de nascer”. O país parava de funcionar.
http://radios.ebc.com.br/todas-vozes/edicao/2014-07/o-rio-de-janeiro-parava-e-o-consumo-de-agua-diminuia-pelo-direito-de