domingo, 3 de agosto de 2014

Quarto programa: “O direito de nascer”


"O rádio faz história." Rádio MEC AM.

Rose Esquenazi
A mais importante novela do rádio



O brasileiro adora as novelas e esse gosto vem de longe. Em 12 de junho de 1941, às 10h30, a novela Em busca da felicidade entrou no ar com uma grande promoção. A Rádio Nacional tinha feito um acordo com o americano Richard Penn, do departamento de marketing da Colgate, que ofereceu a emissora o folhetim que iria ao ar três vezes por semana. O formato já estava sendo testado nos Estados Unidos e em vários países da América Latina e faria sucesso também no Brasil. O que havia aqui, antes dos anos 40, era o radioteatro em que as histórias começavam e terminavam no mesmo dia.
(A Segunda Guerra já tinha começado na Europa em 1939. Em 1941, os Estados Unidos  começaram a desenvolver a Política da Boa Vizinhança.  Eles precisavam construir o aeroporto em Natal, para chegar à África rapidamente, e, em troca, eles emprestariam o dinheiro para a construção da Siderúrgica de Volta Redonda e trariam bens de consumo para o país: como a Coca-Cola, a Kibon, produtos de beleza e novelas!)
A novela começava assim: “Senhoras e senhoritas, o famoso creme dental Colgate tem o prazer de apresentar o primeiro capítulo da empolgante novela de Leandro Blanco, em adaptação de Gilberto Martins  “Em busca da felicidade””. A imprensa registrou o grande frisson que o público sentiu através das ondas sonoras na estreia do novo formato. O livrinho com a sinopse da novela, que seria distribuído entre os ouvintes, se esgotou rapidamente. Foram 48 mil cartas escritas por donas de casa. Que incluíam uma embalagem do creme dental, pedindo uma cópia gratuita! Nunca havia acontecido isso.
Na novela, as histórias podiam se esticadas em vários meses. Costumavam ser melodramáticas e sempre ao vivo, o que aumentava a tensão, o sofrimento e também as doses de ternura, amor e paixão. As mulheres que não trabalhavam fora de casa naquela época, ficavam cuidando dos filhos e preparando a comida, com o rádio ligado. Elas se emocionavam profundamente com o que ouviam porque os temas faziam parte da vida delas: o homem que traía a mulher, o irmão que era alcoólatra, o filho bastardo.
A novela ficou três anos no ar. A Nacional percebeu que tinha espaço para lançar outros horários de ficção. Assim, ocupou mais um andar do prédio A Noite, e convocou mais radioatores, adaptadores, orquestras, diretores, contrarregras e produtores. Montou uma casa de sonoplastia para que fossem criados ao vivo efeitos sonoros: barulho de chuva, soldados marchando, tiros, telefone tocando etc. O papel do narrador vai ser muito importante para as novelas porque cria a ambiência da história, apresenta as características dos personagens e das tramas.

Os horários de folhetim se multiplicaram na Rádio Nacional, havia cinco, seis novelas ao longo de todo o dia, tornando-se referência novela em todo o país. A mais famosa de todas as novelas foi O Direito de nascer. Também foi escrita em Cuba, que era o grande celeiro de melodramas rocambolescos. De autoria de Félix Caignet e tradução de Eurico Silva, chegou a ter 73 pontos de audiência. Estreou no ar no dia 8 de janeiro de 1951 e durou um ano e oito meses,com 260 capítulos.  Demorou tanto para acabar que ganhou o apelido de “O direito de encher”, o saco, naturalmente.
A novela ainda não era diária e era transmitida  às segundas, quartas e sextas, às 20h, parando o país. Maria Helena, a mocinha rica que engravida de um homem casado iria sofrer um grande drama. Quando disse a frase: “Doutor, não posso ter esse filho que vai nascer”, provocou uma enxurrada de lágrimas. Escondida do pai dela, que não queria a criança, ela decide se tornar freira. Mas, antes de ir para o convento, dá para a antiga empregada da casa – a boa Mamãe Dolores – o seu bebê, que ganhará o nome de Albertinho Limonta, que nem enxoval tinha.
Tristes com a história de Albertinho, várias ouvintes preparam  enxovais para o bebê e mandavam para o prédio da Nacional, como se o personagem fosse um bebê de verdade. A Rádio Nacional registrou esses presentes em seu livro comemorativo de 20 anos, em 1956.
É bom lembrar essa ingenuidade estava muito presente na época. Os atores que interpretavam personagens bons e sofredores ganhavam presentes das fãs e eram glorificados. Por exemplo, Albertinho, interpretado pelo ator Paulo Gracindo, tinha hordas de adoradoras. Já os vilões das histórias apanhavam na porta da Rádio Nacional, eram xingados na rua. A emissora foi obrigada a abrir uma porta lateral para que esses artistas tão odiados saíssem sem que ninguém visse.

A partir dos anos 60, a novela foi montada três vezes na TV. A primeira versão fez tanto que o consumo de água no Rio de Janeiro caía a nível zero durante a transmissão.  Em 1964, ninguém cozinhava, tomava banho ou lavava as mãos no horário da novela “O Direito de nascer”. O país parava de funcionar.
http://radios.ebc.com.br/todas-vozes/edicao/2014-07/o-rio-de-janeiro-parava-e-o-consumo-de-agua-diminuia-pelo-direito-de

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