O rádio faz
história
Rose Esquenazi
A Rádio JB foi
inaugurada no dia 10 de agosto de 1935, um ano antes da Rádio Nacional. Muitas
outras estações já existiam naquela época – Rádio Philips, Educadora,
Sociedade, Club do Brasil – mas a JB marcou época porque era de muito bom gosto
e tinha muita credibilidade. O proprietário, o conde Ernesto Pereira
Carneiro (título que foi comprado!), queria levar música de alto nível para os
cariocas. Essa tendência dos anos 20, estimulada pelo grupo de
Roquette-Pinto, da Rádio Sociedade, havia se dissipado 10 anos depois. Mas o
conde sonhava mesmo em elevar o nível da percepção musical. O objetivo era
educativo e democrático. A Rádio JB não era do samba e da gafieira, isso era
claro. Modismos não combinavam com o conde.
A estação incluía músicas de todo o mundo, desde cançonetas italianas,
trechos líricos, canções francesas, alemães e americanas. Havia uma variedade
muito importante e que hoje anda sumida dos rádios brasileiros. O som do
carrilhão que marcava o início e o fim das transmissões ficou na memória
de todos os cariocas. Havia também o gongo que era operado pelo locutor. Vamos
ouvir?
O Conde Pereira Carneiro já era dono do Jornal do Brasil impresso há muito tempo. Apesar de não ter inaugurado o jornal em 1891,
foi ele quem dinamizou o negócio. Foi o primeiro dono de jornal a ter uma
estação de rádio. Assim, um veículo alimentaria o outro. O rádio falava do jornal
e o jornal falava do jornal. Outros empresários seguiram esse mesmo padrão.
Para assistir à orquestra completa da Rádio JB, ao vivo, no
auditório da Rua Rio Branco, o público deveria vir bem vestido e saber se
comportar. Nada de falatório alto e de má-educação. Era preciso ser selecionado
na porta. Assim, se o porteiro, muito bem vestido por sinal, implicasse com o
jeito maltrapilho do curioso, ele não entrava e pronto. A orquestra era de alto
nível e tocava música clássica. A AM 940 foi se tornando uma das melhores
estações brasileiras devido à credibilidade no noticiário, algo difícil de se
conseguir.
Vamos ouvir a abertura do programa Primeira Classe, que ia ao ar
diariamente, das 13h às 20h, na voz de Jorge de Souza, o Majestade. O apelido
daquele homem grande e simpático, que havia estudado canto, tinha uma razão.
Todos diziam dentro das empresas do conde que, se Deus tivesse uma voz, ela
seria como a de Majestade. Outras vozes muito marcantes foram a de Maravilha
Rodrigues, Eliakim Araújo, Alberto Curi, Ney Amilton, Sérgio Chapelin, Luiz
Carlos Saroldi, que apresentava o programa Noturno, que começava
sempre assim: “Boa noite, amigos, próximos e distantes”.
TEC: AAA 2 - VINHETA DO PRIMEIRA CLASSE, COM MAJESTADE
Alguns áudios que mostram um apanhado da época em que a Rádio JB era
marcante a presença de Orlando de Souza e Luiz Jatobá. As vozes são firmes e
serenas, claras, seguras do que estavam lendo.
Para falar em curiosidades, a Rádio JB também foi pioneira ao
transmitir as corridas de cavalo do Jockey Club. Os locutores conseguiam falar
muito rápido, passando toda a emoção da corrida. Mesmo quem não estivesse
dentro do jóquei, acompanhando a corrida em sua casa – não havia ainda rádios
portáteis – conseguia saber quais eram os melhores cavalos e jóqueis.
Mesmo os apostadores mais humildes,
analfabetos ou semianalfabetos, passaram a gostar da música clássica porque,
antes da corrida, tocava-se música clássica. Podem ter implicado, no começo, mas, depois,
apuraram os ouvidos e não se queixaram mais. O mais famoso speaker
esportivo foi, sem dúvida, Teophilo de Vasconcellos, chefe do departamento de
Turfe do JB. Imaginem vocês, havia um departamento exclusivo para o turfe.
Depois, a dupla humorística, o PRK-30, parodiou Teophilo de Vasconcelos. O speaker Ernani
Pires Ferreira, também considerado um dos melhores locutores de todos os
tempos, ficou no lugar de Teophilo de Vasconcellos. Ernani entrou para o
Guinness Book of Records como o louctor que falava mais palavras por minuto:
332.
A Rádio JB não tinha radionovela nem
programas com fãs histéricas. Preferia combinar música, eventos esportivos,
muitas entrevistas inteligentes e criativas. Jornalismo, é claro, era o ponto
alto. Ouvia-se jazz na Rádio JB. Nos anos 40, Luiz Jatobá, de Nova York,
transmitia para a JB, o programa Your Hit Parade. Nos anos 50, com
o início da Bossa Nova, a Rádio JB mergulhou fundo no novo estilo musical. Ao
contrário de outras rádios dedicadas ao rock, jovem guarda ou à Velha Guarda, a
Rádio JB passou a transmitir os sucessos de Tom Jobim, Vinicius de Moraes, Roberto
Menescal, João Gilberto, muitas vezes, antes dos músicos maravilhosos gravarem
em discos.
Eles telefonavam para a Rádio JB e
avisavam ao apresentador do programa, Luiz Saroldi, por exemplo, que tinham
acabado de compor uma música. O apresentador ia até a casa dos músicos, recebia
uma fita e colocava no ar no dia seguinte. Não existia ali o jabá, a grana
ofertada pelas companhias para tocar uma determinada música. Mais uma
vez, o bom gosto predominava. Na Bahia, Caetano Veloso, desde criancinha,
não perdia os programas de música e acompanhava a nova batida de João Gilberto.
Vamos ouvir João Gilberto e Chega da Saudade
João Gilberto, baiano que tentava a
sorte no Rio de Janeiro, há muito tempo não queria mais saber de grandes
orquestras. Queria que o som da voz se encaixasse bem na do violão. Deveria ter
“a precisão de um golpe de caratê”, assim a letra não perdia “sua coerência
poética”. Tom Jobim concordava, o que João Gilberto fazia não era um clichê. Em
uma entrevista, o maestro disse: “quando João cantava, havia um jogo rítmico
entre o violão, a voz e a bateria. Não era uma batida estandardizada que se
repetia sempre”. Muito bem, Para ouvir a Bossa Nova, que veio a conquistar o
mundo, era preciso sintonizar a Rádio Jornal do Brasil. Ninguém sabe onde foram
parar as grandes entrevistas que a Rádio Jornal do Brasil fazia em seus
estúdios. Desde que foi vendida em 1º de março de 1992, esse material que contava
a história da MPB desapareceu.
O JB também foi a primeira estação a
usar gravadores portáteis. O diretor da época, Nascimento Brito, tinha ido para
os Estados Unidos e ficou encantado com os gravadores sem fio, com fitas cassetes.
Acabou comprando vários aparelhos para a equipe de jornalismo, uma turma de
primeira.
TEC: AAA 4 - JB AM 50 anos - ANTIGO DIRETOR DE JORNALISMO, CLÓVIS
PAIVA, EXPLICA O QUE MUDOU NA COBERTURA DAS NOTÍCIAS - DE 21:20 A 22:36.
Havia mesmo uma redação: primeiro no
prédio da Avenida Rio Branco e, depois, no da Avenida Brasil. A partir dos anos
50, o diretor de jornalismo, Clóvis Paiva, montou uma estrutura de
jornal com os rádios falados. Havia repórteres, chefes, locutores,
secretárias, uma equipe completíssima que acompanhava todos os fatos que
aconteciam na cidade e no mundo através das agências de notícias. O noticiário
internacional também era muito forte e eficiente, muitas vezes para superar as
notas censuradas e que esvaziavam a programação do radiojornalismo. Era um novo
estilo.
O programa Rádio Jornal do Brasil Informa tinha fieis que não
saíam de casa antes de ouvir o noticiário.
Nos anos 60, antes do golpe, os
repórteres do JB acompanharam os discursos da Central do Brasil e traziam as
vozes de Jango, Brizola e outros políticos para os ouvintes. A reação do
público também era registrada. Já na época da ditadura, a Rádio Jornal do
Brasil tentava driblar a censura como podia. Usava metáforas e o público,
inteligente, entendia.
Nos anos 70, os jovens antenados
escutavam um programa muito moderno: Música
contemporânea, apresentado por
Alberto Carlos de Carvalho. Isso em uma
época em que não havia internet e os discos demoravam muito a chegar no Brasil.
Nos anos 80, lembra o blog Tributo ao Rádio do Rio de Janeiro, em uma
manifestação na PUC contra o governo militar, o repórter da JB AM disse o
seguinte: “Está havendo um congestionamento nas proximidades da Rua Marquês de
São Vicente".” Era a maneira de dizer à audiência (já bem informada) que o
protesto tinha sido um sucesso.”
Para terminar:
Os dois primeiros
minutos desse programa dos 50 anos da Rádio JB, temos uma palavra religiosa de
dom Dom Marcos Barbosa, o depoimento de Caetano Veloso e outras vinhetas. A
Rádio JB AM foi vendida para o pastor Francisco Silva, que a revendeu para a
Legião da Boa Vontade, hoje Super Rádio-Brasil.