quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

A marca deixada pela Rádio Jornal do Brasil

O rádio faz história 
Rose Esquenazi




A Rádio JB foi inaugurada no dia 10 de agosto de 1935, um ano antes da Rádio Nacional. Muitas outras estações já existiam naquela época – Rádio Philips, Educadora, Sociedade, Club do Brasil – mas a JB marcou época porque era de muito bom gosto e tinha muita credibilidade.  O proprietário, o conde Ernesto Pereira Carneiro (título que foi comprado!), queria levar música de alto nível para os cariocas.  Essa tendência dos anos 20, estimulada pelo grupo de Roquette-Pinto, da Rádio Sociedade, havia se dissipado 10 anos depois. Mas o conde sonhava mesmo em elevar o nível da percepção musical. O objetivo era educativo e democrático. A Rádio JB não era do samba e da gafieira, isso era claro. Modismos não combinavam com o conde.

A estação incluía músicas de todo o mundo, desde cançonetas italianas, trechos líricos, canções francesas, alemães e americanas. Havia uma variedade muito importante e que hoje anda sumida dos rádios brasileiros. O som do carrilhão que marcava o início e o fim das transmissões  ficou na memória de todos os cariocas. Havia também o gongo que era operado pelo locutor. Vamos ouvir?

O Conde Pereira Carneiro já era dono do Jornal do Brasil impresso há muito tempo. Apesar de não ter inaugurado o jornal em 1891, foi ele quem dinamizou o negócio. Foi o primeiro dono de jornal a ter uma estação de rádio. Assim, um veículo alimentaria o outro. O rádio falava do jornal e o jornal falava do jornal. Outros empresários seguiram esse mesmo padrão.
 Para assistir à orquestra completa da Rádio JB, ao vivo, no auditório da Rua Rio Branco, o público deveria vir bem vestido e saber se comportar. Nada de falatório alto e de má-educação. Era preciso ser selecionado na porta. Assim, se o porteiro, muito bem vestido por sinal, implicasse com o jeito maltrapilho do curioso, ele não entrava e pronto. A orquestra era de alto nível e tocava música clássica.  A AM 940 foi se tornando uma das melhores estações brasileiras devido à credibilidade no noticiário, algo difícil de se conseguir.
 Vamos ouvir a abertura do programa Primeira Classe, que ia ao ar diariamente, das 13h às 20h, na voz de Jorge de Souza, o Majestade. O apelido daquele homem grande e simpático, que havia estudado canto, tinha uma razão. Todos diziam dentro das empresas do conde que, se Deus tivesse uma voz, ela seria como a de Majestade. Outras vozes muito marcantes foram a de Maravilha Rodrigues, Eliakim Araújo, Alberto Curi, Ney Amilton, Sérgio Chapelin, Luiz Carlos Saroldi, que apresentava o programa Noturno, que começava sempre assim: “Boa noite, amigos, próximos e distantes”.

TEC:  AAA 2 - VINHETA DO PRIMEIRA CLASSE, COM MAJESTADE
  
Alguns áudios que mostram um apanhado da época em que a Rádio JB era marcante a presença de Orlando de Souza e Luiz Jatobá. As vozes são firmes e serenas, claras, seguras do que estavam lendo.
 Para falar em curiosidades, a Rádio JB também foi pioneira ao transmitir as corridas de cavalo do Jockey Club. Os locutores conseguiam falar muito rápido, passando toda a emoção da corrida. Mesmo quem não estivesse dentro do jóquei, acompanhando a corrida em sua casa – não havia ainda rádios portáteis – conseguia saber quais eram os melhores cavalos e jóqueis.
Mesmo os apostadores mais humildes, analfabetos ou semianalfabetos, passaram a gostar da música clássica porque, antes da corrida, tocava-se música clássica.  Podem ter implicado, no começo, mas, depois, apuraram os ouvidos e não se queixaram mais.  O mais famoso speaker esportivo foi, sem dúvida, Teophilo de Vasconcellos, chefe do departamento de Turfe do JB. Imaginem vocês, havia um departamento exclusivo para o turfe. Depois, a dupla humorística, o PRK-30, parodiou  Teophilo de Vasconcelos. O speaker Ernani Pires Ferreira, também considerado um dos melhores locutores de todos os tempos, ficou no lugar de Teophilo de Vasconcellos. Ernani entrou para o Guinness Book of Records como o louctor que falava mais palavras por minuto: 332.

A Rádio JB não tinha radionovela nem programas com fãs histéricas. Preferia combinar música, eventos esportivos, muitas entrevistas inteligentes e criativas. Jornalismo, é claro, era o ponto alto. Ouvia-se jazz na Rádio JB. Nos anos 40, Luiz Jatobá, de Nova York, transmitia para a JB, o programa Your Hit Parade.  Nos anos 50, com o início da Bossa Nova, a Rádio JB mergulhou fundo no novo estilo musical. Ao contrário de outras rádios dedicadas ao rock, jovem guarda ou à Velha Guarda, a Rádio JB passou a transmitir os sucessos de Tom Jobim, Vinicius de Moraes, Roberto Menescal, João Gilberto, muitas vezes, antes dos músicos maravilhosos gravarem em discos.

Eles telefonavam para a Rádio JB e avisavam ao apresentador do programa, Luiz Saroldi, por exemplo, que tinham acabado de compor uma música. O apresentador ia até a casa dos músicos, recebia uma fita e colocava no ar no dia seguinte. Não existia ali o jabá, a grana ofertada pelas companhias para tocar uma determinada música.  Mais uma vez, o bom gosto predominava.  Na Bahia, Caetano Veloso, desde criancinha, não perdia os programas de música e acompanhava a nova batida de João Gilberto.
Vamos ouvir João Gilberto e Chega da Saudade


João Gilberto, baiano que tentava a sorte no Rio de Janeiro, há muito tempo não queria mais saber de grandes orquestras. Queria que o som da voz se encaixasse bem na do violão. Deveria ter “a precisão de um golpe de caratê”, assim a letra não perdia “sua coerência poética”. Tom Jobim concordava, o que João Gilberto fazia não era um clichê. Em uma entrevista, o maestro disse: “quando João cantava, havia um jogo rítmico entre o violão, a voz e a bateria. Não era uma batida estandardizada que se repetia sempre”. Muito bem, Para ouvir a Bossa Nova, que veio a conquistar o mundo, era preciso sintonizar a Rádio Jornal do Brasil. Ninguém sabe onde foram parar as grandes entrevistas que a Rádio Jornal do Brasil fazia em seus estúdios. Desde que foi vendida em 1º de março de 1992, esse material que contava a história da MPB desapareceu.

O JB também foi a primeira estação a usar gravadores portáteis. O diretor da época, Nascimento Brito, tinha ido para os Estados Unidos e ficou encantado com os gravadores sem fio, com fitas cassetes. Acabou comprando vários aparelhos para a equipe de jornalismo, uma turma de primeira. 

TEC: AAA 4 - JB AM 50 anos - ANTIGO DIRETOR DE JORNALISMO, CLÓVIS PAIVA, EXPLICA O QUE MUDOU NA COBERTURA DAS NOTÍCIAS - DE 21:20 A 22:36. 

Havia mesmo uma redação: primeiro no prédio da Avenida Rio Branco e, depois, no da Avenida Brasil. A partir dos anos 50, o diretor de jornalismo, Clóvis Paiva, montou uma estrutura  de jornal com os rádios falados.  Havia repórteres, chefes, locutores, secretárias, uma equipe completíssima que acompanhava todos os fatos que aconteciam na cidade e no mundo através das agências de notícias. O noticiário internacional também era muito forte e eficiente, muitas vezes para superar as notas censuradas e que esvaziavam a programação do radiojornalismo. Era um novo estilo.
O programa Rádio Jornal do Brasil Informa tinha fieis que não saíam de casa antes de ouvir o noticiário.
Nos anos 60, antes do golpe, os repórteres do JB acompanharam os discursos da Central do Brasil e traziam as vozes de Jango, Brizola e outros políticos para os ouvintes. A reação do público também era registrada. Já na época da ditadura, a Rádio Jornal do Brasil tentava driblar a censura como podia. Usava metáforas e o público, inteligente, entendia. 

Nos anos 70, os jovens antenados escutavam um programa muito moderno: Música contemporânea, apresentado por Alberto Carlos de Carvalho.  Isso em uma época em que não havia internet e os discos demoravam muito a chegar no Brasil. Nos anos 80, lembra o blog Tributo ao Rádio do Rio de Janeiro, em uma manifestação na PUC contra o governo militar, o repórter da JB AM disse o seguinte: “Está havendo um congestionamento nas proximidades da Rua Marquês de São Vicente".” Era a maneira de dizer à audiência (já bem informada) que o protesto tinha sido um sucesso.”

Para terminar:

Os dois primeiros minutos desse programa dos 50 anos da Rádio JB, temos uma palavra religiosa de dom Dom Marcos Barbosa, o depoimento de Caetano Veloso e outras vinhetas. A Rádio JB AM foi vendida para o pastor Francisco Silva, que a revendeu para a Legião da Boa Vontade, hoje Super Rádio-Brasil.




Rádio Mayrink Veiga: sucesso antes da Nacional


“Eu tenho orgulho de ser mayrinkiano”

Rose Esquenazi

Carmem Miranda entre Caymmi e Assis Valente: sucesso na Mayrink




Os equipamentos da Mayrink estão atualmente no Museu Craco Albin






Hoje, eu vou falar um pouco sobre a história da Rádio Mayrink Veiga. Fundada no Rio, no dia 21 de janeiro de 1926, fez um grande sucesso nos anos 30, antes da inauguração da Rádio Nacional, em 1936.  Mas também se tornou popular nos anos 50, ao se especializar em programas humorísticos, e nos anos 60, ao se transformar em veículo político por excelência.
Vamos pelo começo. A rádio que tinha como prefixo SOAJ pertencia ao comendador Alfredo Mayrink Veiga, dono de um dos maiores estabelecimentos comerciais do país, ligado à exportação e importação. Era uma pequena estação, sem muito apelo, no início. Mais eis que o programa de Patrício Teixeira, um dos primeiros radioatores de humor, conquistou o público. O programa foi citado no cateretê de Lamartine Babo, As cinco estações, na estrofe:  “Sou a Mayrink, popular e conhecida, sou querida até no hospício”. No jornal da época, havia sido publicado que os internos de uma casa psiquiátrica do Rio amavam o programa de Patrício Teixeira. Quando os atendentes não sintonizavam na estação no dia do humorista, os pacientes quebravam tudo o que viam pela frente.
Outra atração pioneira era o Esplêndido Programa, apresentado pelo radialista Valdo de Abreu. O esquema da atração era original: trazia diferentes quadros em um só horário. Esplêndido Programa passou a ser copiado por outras estações porque tinha dado certo!
Os primeiros integrantes do star system do rádio passaram a frequentar a estação, não para ganhar cachês, que eram raros. Apareciam para divulgar suas músicas. Francisco Alves e Vicente Celestino, com suas grandes vozes, além de Silvio Caldas, com a malemolência de um sambista que começava a surgir no cenário musical, todos cantavam ao microfone da Mayrink.
Tudo começou a mudar quando a direção da rádio fez uma dobradinha com a Rádio Record de São Paulo. Passou a transmitir ao vivo, em ondas curtas, o dia a dia da Revolução Constitucionalista, de 1932. Nesse tempo, passou a ser chamada PRA-9. Como o Rio de Janeiro era a Capital Federal, o presidente Getúlio Vargas tinha proibido qualquer menção aos “revolucionários”, impondo censura em todas as rádios cariocas. Só que, durante a madrugada, pelas ondas curtas, podia-se ouvir o que a Voz da Revolução, como era conhecido o jovem e talentoso speaker César Ladeira, falava sobre a luta dos paulistas. A revolução foi esmagada pelas tropas do governo e César Ladeira ficou preso durante algum tempo. Até que foi perdoado pelo presidente.
César foi convidado, em 1933, para ser diretor artístico da Mayrink Veiga. Cheio de novidades, ele revolucionou a atividade radiofônica. Eu já tinha mencionado alguns pontos dessas mudanças no programa Todas as Vozes. Mas, para quem não escutou, ele criou programetes de 15 minutos, os quartos de hora, contratou funcionários, que não podiam mais faltar nem fazer bicos em outras emissoras, como era de praxe. O cast exclusivo de César Ladeira obrigou as rádios da cidade a se mexerem para contratar seus próprios funcionários, técnicos e cantores. César escrevia e lia crônicas da cidade com uma voz maravilhosa e uma entonação diferente, logo copiada por outros locutores.
 O fato mais interessante foi contratar com exclusividade a primeira artista fixa no rádio, simplesmente a cantora Carmem Miranda.  César pagava um cachê muito alto para a época e isso significava que Carmem, a mais famosa intérprete, só podia cantar naquela estação. O sucesso de Carmem já era enorme e, assim, ela trouxe todos os fãs para a emissora que cresceu imediatamente. Vamos ouvir Carmem e sua irmã, Aurora, cantando “As cantoras do rádio”, uma música muito simbólica para os amantes do rádio. O contrato acabou em 1935. Carmem saiu da Mayrink, mas voltou em 1937.

 Faziam parte da Mayrink: Noel Rosa, Gastão Formenti, João Petra de Barros, Victor Barcelar, Eriberto Muraro, José Maria de Abreu, Romualdo Peixoto, o Nonô, Silvinha Melo, Mário Reis, Moreira da Silva, Barbosa Júnior, Madelou de Assis. Além de inquestionáveis qualidades como diretor artístico, Cesar Ladeira também era ótimo para criar os slogans dos artistas. Carmem Miranda era “A pequena notável”, Francisco Alves, “O rei da voz”, Carlos Galhardo, “O cantor que dispensa adjetivos” etc.

Os ouvintes que tem hoje mais de 70 anos vão se lembrar dos programas  Canção do dia, com Lamartine Babo.  Nessa atração, Lamartine foi desafiado a compor para cada um dos times de futebol do Rio. Roubando um trechinho aqui outro ali de famosas marchas americanas, o compositor criou as mais belas e queridas músicas-símbolos para o Flamengo, Fluminense, Botafogo, América e Vasco.

O Programa Casé, com Ademar Casé, e Horas do outro mundo, com Renato Murce, tiveram grande repercussão na Mayrink e foram copiados Brasil afora.  Em sua biografia Bastidores do rádio (Imago), Murce conta que a maioria dos talentos estava na Mayrink. Ele cita os artistas novos lançados por ele no  Horas do outro mundo, como Zezé Fonseca, Manezinho Araújo, maestro Chiquinho, Luis Barbosa, o inventor do breque. No Programa Casé, que também falamos aqui e que passou por várias emissoras, outra quantidade estrelas foi lançada na Mayrink, deixando sua marca de profissionalismo e criatividade.
No horário nobre, durante dois anos, o radialista Gilson Amado produziu o programa Comentários do Observador na Assembleia Nacional Constituinte. Gilson, que foi fundador da TV Educativa, em 1967, acompanhava as discussões que resultaram na Constituição de 1934. Depois, o programa Mesas Redondas de Gilson Amado, também na Mayrink, debatia com as mais importantes personalidades, artistas e políticos sobre diferentes temas, principalmente cultura, assunto novo e pouco valorizado nos anos 30.
A Mayrink trazia para seus estúdios as grandes estrelas internacionais que vinham cantar nos cassinos da cidade. As pessoas que não tinham dinheiro para frequentar o Cassino da Urca, Atlântico, Copacabana ou Icarahy podiam, ao menos, ouvir os cantores maravilhosos que frequentavam o Brasil e ganhavam rios de dinheiro, mesmo durante a Segunda Guerra. Com o fim dos cassinos, em 1946, “sem as atrações internacionais, caiu a qualidade da programação e, com ela, a audiência da rádio”. Quem explica esse fenômeno é Sonia Virgínia Moreira, no livro Rádio Palanque (Mil Palavras).
 Nos anos 40, a Rádio Mayrink Veiga mudou de mãos. Metade de suas ações foi comprada pela Organização Victor Costa que depois vendeu para Assis Chateaubriand. Nos anos 50, mesmo concorrendo com a Rádio Nacional, a Mayrink teve um elenco espetacular de humoristas. Todos os dias, havia um programa diferente, atraindo a atenção do público que queria se divertir com o rádio.
A PRK-30, que Marco Aurélio já comentou em seu quadro de memória do rádio, e que é absolutamente genial, passou pela Rádio Mayrink Veiga  antes de estourar na Nacional.  Mas existiam muitos outros programas de humor, como A cidade se diverte, cuja abertura ouvimos no início do nosso quadro. O Vai da Valsa tinha como redatores Antônio Maria, que escolhia um tema e escrevia todo o programa em cima disso e também o humorista Chico Anysio, que começou na Rádio Guanabara. Chico costumava dizer que aprendeu quase tudo na Mayrink Veiga, com um supertime de redatores de humor.  No elenco de atores, só havia feras como Zé Trindade, Matinhos e Antonio Carlos, o Minerinho, pai da atriz Glória Pires. Antes de passar para a TV Rio, Chico Anysio já era o professor Raimundo, uma espécie de escada para os atores da Mayrink.
Nos anos 60, outra metade das ações da estação, que estava com Antenor Mayrink Veiga, foi parar nas mãos de Miguel Leuzzi, muito ligado ao governo de João Goulart.  Começam a aparecer na emissora os programas jornalísticos, que não era o forte no início das transmissões. Raimundo Nobre de Almeida, que era líder de audiência na Rádio Mauá (oficial do Ministério do Trabalho), com a atração O trabalhador se diverte, aos domingos, das 14h às 16h, passou para a Mayrink. Raimundo gostava de apresentar Jango como o “líder inconteste dos trabalhadores brasileiros”, o que deixava Jango bastante encabulado.
Seguindo o traço político que começou com a Revolução Constitucionalista, a Mayrink, em 1961,  participou da Cadeia da Legalidade, uma rede nacional de estações organizada por Leonel Brizola , em Porto Alegre. Ele queria defender a democracia e fazer com que o vice-presidente, Jango Goulart, que estava na China, assumisse o poder quando o presidente Jânio Quadros decidiu renunciar. A Cadeia durou 12 dias, a partir dos porões do Palácio Piratini, sede do governo gaúcho. Fizeram parte da resistência aos militares, que tentavam um golpe militar, dezenas de rádios em ondas curtas e  médias. Por pouco, não foi bombardeada.

A Rede da Legalidade divulgava boletins em espanhol, inglês, português e francês. E terminou em 5 de setembro de 1961, quando Jango foi recebido em Brasília como mandatário da nação. Durante o seu governo, a Mayrink foi parceira de Jango, que divulgava ali as reformas de base.
Em 1962, as revistas de rádio garantiam, segundo o livro de Angela Virgínia Moreira, que a Mayrink havia sido comprada por Leonel Brizola, mas isso nunca ficou provado. Outros diziam que a emissora fora apenas alugada por Brizola que veiculava seus discursos em diversos horários.  Logo após o golpe militar, a Rádio Mayrink Veiga foi destruída pelos militares e outros opositores.  Todo o acervo foi queimado ou jogado no meio da rua.

Em 2011, o pesquisador Ricardo Cravo Albin recebeu, em regime de comodato, o microfone, onde cantou a famosa Carmem Miranda, e equipamentos que sobraram do estúdio da rádio Mayrink Veiga. Atualmente, tudo isso está no Instituto Cultural Cravo Albin, na Urca,  esperando que algum historiador conte essa história incrível que se perdeu no meio do caminho. A Mayrink Veiga teve até um hino, composto por Urbano Lóes e Britinho.

Pertence o teu futuro a cada fã (bis) 
Rainha do éter sempre campeã. (bis) 
Amor à luta é toda tua história (bis) 
Nas páginas da luta pela glória. 
O rádio brasileiro enobreces 
Vou eu cantado que de ti me ufano 
Eu tenho orgulho de ser mayrinkiano 

Avante colegas cantando 
Avante fãs do coração. 
Cantemos todos proclamando 
A glória da "sua estação"


Altos e baixo de duas irmãs famosas

O RÁDIO FAZ HISTÓRIA – Rose Esquenazi

Linda e Dirce Batista: juntas no sucesso e no fracasso




Quando o Caderno B, do Jornal do Brasil, publicou uma reportagem sobre o estado terrível em que estavam as irmãs Batista - Linda (14/6/1919, SP, que tinha o nome de Florinda Grandino de Oliveira - e Dircinha (7/4/1922, SP), no fim dos anos 80, ninguém acreditou. Afinal, eram duas estrelas da era de ouro do rádio, durante 30 anos. Haviam sido milionárias, amigas de todo o mundo, inclusive do presidente Getúlio Vargas. Diziam as más línguas que as duas irmãs chegaram a ser namoradas de Getúlio, em épocas diferentes. O presidente costumava chamá-las de “patrimônio nacional”.
O repórter chegou à casa das irmãs em Copacabana e levou um choque. Havia coisas espalhadas pelo chão, sujeira. Elas estavam imundas, desnorteadas. Dircinha,  mais do que as outras duas porque havia também a Odete, a irmã mais velha, de 70 anos, precisava ser internada imediatamente. Segundo Ronaldo Conde Aguiar, no livro As divas do Rádio Nacional, Dircinha, aos 63 anos, e Linda, aos 66, estavam vestidas de trapos, sofriam de diabetes, arritmia, arteriosclerose, desnutrição seriíssima e muito mais.  Havia mais notícia triste: elas não tinham dinheiro nem mesmo para pagar a conta da mercearia do bairro, que parou com o  fiado. O único amigo era o cantor José Ricardo que providenciou a internação das três.
Mas o que aconteceu com elas?

O que a aposentadoria pagava para as irmãs cantoras não cobria os gastos. Elas já tinham vendido joias, apartamentos, roupas, eletrodomésticos. Ninguém as chamava para cantar nas estações de rádio ou na TV. Tinham saído da moda. Tragédia, má administração de bens, doenças, decepções.
No auge da carreira, só no eixo Teresópolis-Friburgo, elas tinham quatro casas. Catorze carros de luxo na garagem, alguns importados. Usavam muitas joias e casacos de pele. Linda gostava de beber e jogar; Dirce de jogar e beber. Muitos vestidos milionários eram usados uma única vez. Viajavam para o exterior e jogavam em cassinos da Europa, perdendo fortunas. As festas duravam 15 dias seguidos! Durante 11 anos seguidos, até 1948, Linda foi eleita Rainha do Rádio. Era adorada pelos fãs. Até 1946, quando os cassinos fecharam as portas por ordem do presidente Dutra, elas ainda tinham trabalho. Com a lei de proibição dos jogos no país 53 mil pessoas ficaram sem emprego do dia para a noite. Não existiam mais cassinos, um lugar onde as irmãs Batista costumavam se apresentar e ganhar muito dinheiro.

Com o surgimento da era da TV, a partir de 1950, as intérpretes mais famosas do Brasil, principalmente do samba-canção, foram saindo do circuito. Um dos últimos trabalhos de Linda foi como de repórter de TV. Mas ela não tinha tarimba para a coisa, afinal, nunca tinha trabalhado naquela função antes.

O pai das meninas, Batista Júnior, era humorista e ventríloco que chegava a imitar 22 vozes sem abrir a boca. Fazia questão de pagar bons colégios para as filhas, depois que a família veio de São Paulo para o Rio. Dircinha estreou no rádio aos 6 anos, em 1930, ao lado do pai, cantando Morena cor de canela. Gravou seu primeiro disco aos 8. Linda, um pouco mais tímida, estreou em 1936, aos 17 anos, em um programa do cantor Francisco Alves, o “Rei da Voz”. Chico Viola, como ele também era conhecido, já era muito famoso na época e dono da Rádio Cajuti. Ouvi um depoimento muito interessante de Linda contando como a irmã, Dirce, armou uma peça para ela entrar na carreira artística na marra. Minutos antes da participação de Dirce no programa de Chico Alves, ela fingiu ter desmaiado.  A produção pediu para que Linda cantasse no lugar dela, para não pegar mal. Para ajudar, Linda fez isso, sem saber que estava estreando no rádio!

A carreira das meninas cresceu rapidamente. Elas podiam ser vistas em filmes como Banana na Terra, Alô, alô, Brasil; Alô, alô, Carnaval; Caídos do céu e muitos outros. Participavam dos shows luxuosos do Cassino da Urca. Linda se tornou crooner da Orquestra Kolman, na Urca. Ganhou o slogan de “Maioral do Samba”. As irmãs também faziam excursões e ganhavam rios de dinheiro. Além de serem estrelas absolutas da Rádio Nacional. Aliás, elas sempre se comportavam assim, como estrelas, cobertas de peles e joias caras. Parecia que as fontes jamais iriam secar.

O temperamento do pai era bonachão, mas o da mãe, dona Neném, era explosivo e dominador. Depois da fase de timidez, Linda herdou o jeito da mãe. As irmãs Batistas tinham uma séria rivalidade com Emilinha Borba, que estava subindo no estrelato na mesma época. Há relatos de brigas físicas, problemas com os fãs e pequenas baixarias. Havia problema também em relação ao namoro de Linda com o diretor de cinema Orson Welles, que esteve no Brasil para rodar o filme It’s all true e transmitir um programa de rádio em cadeia nacional a partir do Copacabana Palace, em 1942. No livro O rei da roleta. A incrível vida de Joaquim Rolla, os autores João Perdigão e Euler Corradi descrevem que Welles explicou ao vivo a letra da música Sabemos lutar, interpretada por Linda. Segundo o livro, Welles trocou “gracinhas com Linda que era seu caso, em pleno palco”.

Na opinião dos críticos, Dircinha tinha um domínio melhor da técnica vocal. Sabia postar a voz e “tinha emissão quase perfeita”. Ela gravou 23 discos de 78 rpm e dois LPs, sendo que fez muito sucesso com Periquitinho Verde, Conceição, Nunca mais. Vamos mostrar Dircinha interpretando Conceição (duração: 3:10), de Dunga e Jair Amorim. Apesar de ser considerada uma canção símbolo de Cauby Peixoto, há quem diga que Dirce interpretou com mais emoção. Vamos ouvir?


Já Linda, apesar de não ter tanta técnica, se tornou mais popular do que a irmã. Gostava das marchinhas de Carnaval, tinha um grande pique. Nega maluca, Risque, Clube dos barrigudos fizeram um grande sucesso. Tinha predileção também pelas músicas sobre amor desfeito nas composições tão bem escritas por Lupicínio Rodrigues. Linda gravou 29 discos de 78 rpm e três LPs. Vamos ouvir Linda Batista cantando a música Chico Viola (duração 3:07), de Wilson Batista e Nássara. Observação, essa música era homenagem ao grande músico que morreu em um trágico acidente de carro, na Via Dutra, em 1952. O Rio de Janeiro parou com a notícia da morte do “Rei da Voz” que tinha gravado 524 discos de 78 rpm,  um recordista. Durante todo o dia, os rádios só tocaram as músicas de Chico Viola em toda a programação. A voz de Linda transpirou emoção, já que o pai dela era amigo do cantor e ela mesma tinha começado a carreira com ele.


Em 1961, Dirce gravou seu último disco, Quero morrer no Carnaval, e encerrou a carreira em 1970, com a marcha-rancho O primeiro clarim. Quando dona Neném morreu, depois de cinco anos lutando contra um câncer, Dircinha caiu em depressão e nunca mais saiu de casa.


As irmãs já tinham gasto uma fortuna para o tratamento da mãe. Linda também ficou esquecida, ninguém a chamava para nada.  O cantor José Ricardo ajudou em tudo que podia, mas ele também ficou doente e morreu em 1999. Linda morreu no dia 17 de abril de 1988, anos 68 anos, e Dircinha em 18 de junho de 1999, aos 77 anos, no Hospital Dr. Eiras.

Foi uma história que marcou a MPB, gerando o musical “Somos irmãs”, em 1998, de Cinthya Graber.  A montagem que teve como Linda (Suely Franco) e Dircinha (Nicette Bruno)- como idosas – e Cláudia Lira(Linda), e Cláudia Netto (Dircinha), no papel das cantoras ainda jovens,   chamou a atenção do público. Fez muita gente pensar que não podemos deixar os nossos idosos, famosos ou não, esquecidos à prova sorte. 

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Hora da Ginástica, com Oswaldo Diniz Magalhães

Rádio Blog – O Rádio Faz História



Oswaldo Diniz Magalhães dando aula no programa "Hora da Ginástica"
































Atualmente, os alunos de Comunicação sorriem quando a gente fala que existiu durante 50 anos um programa de educação física pelo rádio. A ideia da “Hora da Ginástica” pode parecer ridícula hoje, quando existem academias em cada esquina da cidade. Mas imaginem nos anos 30 e 40, quando os homens não sabiam direito como os exercícios físicos eram benéficos para a saúde. Quando muito, alguns remavam, lutavam boxe,  jogavam futebol ou se exercitavam no clube do bairro ou no exército, pensando em participar de uma possível guerra. As mulheres só raramente faziam balé e preferiam, de longe, exercitar os dedos para tocar bem o piano para conquistar a família do futuro noivo!

Pois bem, o carioca Oswaldo Diniz Magalhães (1904-1998) teve uma grande ideia quando começou a se exercitar andando de bicicleta no começo do século passado e depois ao decidir fazer um curso para se formar em professor de educação física. Ele foi obrigado a ir para o Uruguai porque ainda não existia curso no Brasil. No país vizinho, ele leu uma estatística que o deixou amargurado: os brasileiros quase não se exercitavam e morriam cedo, vitimados por doenças facilmente tratáveis.

Oswaldo pensou então em propagar as maravilhas dos exercícios quando voltasse ao Brasil. Poderia usar o rádio, que começava a se popularizar nos anos 30, para a divulgação de suas aulas.  Ele estava cheio de ideais cívicos quando teve essa ideia.  Em seu depoimento, Oswaldo contou que penou muito para convencer os donos de estação de rádio dizendo que seria uma boa iniciativa oferecer aulas gratuitas todas as manhãs. Quanta decepção, ele escreveu. Mas eis que o proprietário da Rádio Educadora Paulista, que era médico e que também acreditava nos benefícios da ginástica, decidiu pedir uma aula-demonstração. Adorou o que viu e, em 1932, tinha início a “Hora da Ginástica”. O sucesso foi muito grande.

O subtítulo do programa explicava que era uma Escola de Saúde, Moral e Civismo. É interessante a gente notar que “a preocupação com a educação física e a associação entre esporte e civismo”, começou nos anos 30 com o Estado Novo, segundo nos ensina o historiador Maurício Parada no livro “Educando corpos e criando a nação” (Editora PUC Rio e Apicuri).  Antes de 1930, havia clubes e associações atléticas nos bairros, entre grupos de imigrantes. Aos poucos, os amadores ganhavam mais profissionalismo nas competições, ganhando algum dinheiro para se dedicar ao esporte predileto. Todos os jornais passaram a ter uma seção esportiva, o que mostrava que havia um mercado.  Mas para os militares, médicos higienistas e pedagogos, a ideia era “melhorar o tipo racial”. O conceito era bastante preconceituoso e elitista. Escolhiam um tipo humano, branco e atlético. Os outros eram considerados inferiores.

Na frente do microfone, com a ajuda de um pianista no estúdio, o professor convocava toda a família para acompanhar cada um dos exercícios usando ou não um simples bastão. As aulas começavam às 6h da manhã e, geralmente, era feita na sala da casa ou no quintal do ouvinte. Nas bancas, todos podiam comprar os mapas dos exercícios que iam se revezando conforme as ordens do professor.

Oswaldo dizia qual era o número do exercício que o ouvinte iria começar a fazer. Bastava que se colocasse como a figura e, depois, acompanhar os movimentos. O último exercício era uma corrida para o chuveiro. A imprensa questionou a validade das aulas já que não havia ninguém para corrigir os alunos, caso não estivessem realizando os exercícios de maneira adequada. Havia charges ridicularizando as pessoas tortas que não tinham entendido as ordens de Oswaldo. Nos anos 50, a dupla de humor do PRK-30 também ironizou as aulas do professor. Mas a caricatura era muito divertida. Vamos ouvir. 
  http://www.radioutrora.metodologica.info/2013/01/radioutrora-44-ulysses-galletti-hora-da.html
de 2:48 a 3:58 e de 3:59 a 6:10  (com PRK-30)

Estátua de Oswaldo na Praça Saens Peña

Um fato é correto: as pessoas deixaram de ser sedentárias e passaram a se sentir melhor com as aulas de ginástica. O programa mudou a vidas de muita gente. É lógico que repetiam as lições ufanistas ditadas pelo professor. O curso fazia tanto sucesso que a Rádio Nacional, a emissora mais popular do país, convidou Oswaldo, a partir de 1936, para dar aulas diariamente a partir do microfone na Praça Mauá. Ocorreu um boom na cidade. Não havia quem não conhecesse o programa, que teve reprises em outros horários. Todos o adoravam e, por isso, chegaram a criar uma Associação dos Radioginastas. Seguindo os conselhos que o professor dava durante as aulas eles faziam campanhas para ajudar os pobres, recolhiam roupas e alimentos etc.

Porque a ideia era essa, ir além dos exercícios. Mas também aprender a se alimentar corretamente, ter hábitos de higiene, viver em harmonia na família e no trabalho. Durante as aulas, o professor respondia perguntas e lia homenagens. Uma querida tia minha, tia Sarah, falecida recentemente, adorava o professor. E, de herança, nas coisas dela, encontrei uma carta que ela escreveu com uma letra muito caprichada em homenagem a Oswaldo. Os radioginastas também juntavam dinheiro para comprar presentes para o mestre. Já pensaram o quanto eles economizavam durante o ano sem precisar pagar academias?

Para provar que a ginástica fazia bem mesmo, Oswaldo Diniz Magalhães viveu até os 93 anos e ganhou de seus fãs uma estátua de bronze que está até hoje na Praça Saens Peña, na Tijuca.

“Hora da ginástica” foi o programa que ficou mais tempo no ar em uma rádio brasileira: 51 anos, sendo que 40 ao vivo.  Um recorde. Depois da Nacional, o programa se transferiu para a Rádio MEC e depois para a Rádio Globo, onde acabou. Nos anos 80, os jovens já não acompanhavam o rádio e tinham muitas academias para se exercitar. Todos já tinham consciência de que os exercícios realmente são fundamentais para uma vida saudável.
O internauta Sérgio Carvalho colocou à disposição do público na internet  uma biografia de Oswaldo, com vários capítulos que valem a pena ser lidos.  Muitos jornais e fãs escreveram sobre a importância das aulas e dos conselhos de Oswaldo Diniz Magalhães. João Coelho Netto, por exemplo, em um de seus artigos, disse o seguinte:
"Quantos enfermos ele curou, quantos envelhecidos ele rejuvenesceu, quantas almas vencidas ele animou!"
Segundo a Revista Antena, de 1935, Oswaldo Diniz Magalhães era o atleta do microfone.  O articulista do jornal  A Noite, na coluna Rádio de Humpty-Dumpty, de 1937, escreveu o seguinte: “Este professor de gymnastica ritmica pelo rádio, único no Brasil, não tem alunos dentro do studio, mas tem o Brasil inteiro dentro do studio”.


O jornal A Nação publicou na Secção Rádio, em 1938, que “a obra de Oswaldo Diniz Magalhães é grandiosa sob todos os aspectos. Acordar milhões de brasileiros todas as manhãs e ensinar-lhes exercícios para conservar a saúde e o bom humor; despertando-lhes a consciência para o cumprimento do dever para consigo mesmos; enchendo de fé os descrentes e que já se consideram vencidos; dotando a cidade e o paiz inteiro de novos hábitos, somente com a palavra cheia de sentimentos patrióticos, não é para qualquer um”.