quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Rádio Mayrink Veiga: sucesso antes da Nacional


“Eu tenho orgulho de ser mayrinkiano”

Rose Esquenazi

Carmem Miranda entre Caymmi e Assis Valente: sucesso na Mayrink




Os equipamentos da Mayrink estão atualmente no Museu Craco Albin






Hoje, eu vou falar um pouco sobre a história da Rádio Mayrink Veiga. Fundada no Rio, no dia 21 de janeiro de 1926, fez um grande sucesso nos anos 30, antes da inauguração da Rádio Nacional, em 1936.  Mas também se tornou popular nos anos 50, ao se especializar em programas humorísticos, e nos anos 60, ao se transformar em veículo político por excelência.
Vamos pelo começo. A rádio que tinha como prefixo SOAJ pertencia ao comendador Alfredo Mayrink Veiga, dono de um dos maiores estabelecimentos comerciais do país, ligado à exportação e importação. Era uma pequena estação, sem muito apelo, no início. Mais eis que o programa de Patrício Teixeira, um dos primeiros radioatores de humor, conquistou o público. O programa foi citado no cateretê de Lamartine Babo, As cinco estações, na estrofe:  “Sou a Mayrink, popular e conhecida, sou querida até no hospício”. No jornal da época, havia sido publicado que os internos de uma casa psiquiátrica do Rio amavam o programa de Patrício Teixeira. Quando os atendentes não sintonizavam na estação no dia do humorista, os pacientes quebravam tudo o que viam pela frente.
Outra atração pioneira era o Esplêndido Programa, apresentado pelo radialista Valdo de Abreu. O esquema da atração era original: trazia diferentes quadros em um só horário. Esplêndido Programa passou a ser copiado por outras estações porque tinha dado certo!
Os primeiros integrantes do star system do rádio passaram a frequentar a estação, não para ganhar cachês, que eram raros. Apareciam para divulgar suas músicas. Francisco Alves e Vicente Celestino, com suas grandes vozes, além de Silvio Caldas, com a malemolência de um sambista que começava a surgir no cenário musical, todos cantavam ao microfone da Mayrink.
Tudo começou a mudar quando a direção da rádio fez uma dobradinha com a Rádio Record de São Paulo. Passou a transmitir ao vivo, em ondas curtas, o dia a dia da Revolução Constitucionalista, de 1932. Nesse tempo, passou a ser chamada PRA-9. Como o Rio de Janeiro era a Capital Federal, o presidente Getúlio Vargas tinha proibido qualquer menção aos “revolucionários”, impondo censura em todas as rádios cariocas. Só que, durante a madrugada, pelas ondas curtas, podia-se ouvir o que a Voz da Revolução, como era conhecido o jovem e talentoso speaker César Ladeira, falava sobre a luta dos paulistas. A revolução foi esmagada pelas tropas do governo e César Ladeira ficou preso durante algum tempo. Até que foi perdoado pelo presidente.
César foi convidado, em 1933, para ser diretor artístico da Mayrink Veiga. Cheio de novidades, ele revolucionou a atividade radiofônica. Eu já tinha mencionado alguns pontos dessas mudanças no programa Todas as Vozes. Mas, para quem não escutou, ele criou programetes de 15 minutos, os quartos de hora, contratou funcionários, que não podiam mais faltar nem fazer bicos em outras emissoras, como era de praxe. O cast exclusivo de César Ladeira obrigou as rádios da cidade a se mexerem para contratar seus próprios funcionários, técnicos e cantores. César escrevia e lia crônicas da cidade com uma voz maravilhosa e uma entonação diferente, logo copiada por outros locutores.
 O fato mais interessante foi contratar com exclusividade a primeira artista fixa no rádio, simplesmente a cantora Carmem Miranda.  César pagava um cachê muito alto para a época e isso significava que Carmem, a mais famosa intérprete, só podia cantar naquela estação. O sucesso de Carmem já era enorme e, assim, ela trouxe todos os fãs para a emissora que cresceu imediatamente. Vamos ouvir Carmem e sua irmã, Aurora, cantando “As cantoras do rádio”, uma música muito simbólica para os amantes do rádio. O contrato acabou em 1935. Carmem saiu da Mayrink, mas voltou em 1937.

 Faziam parte da Mayrink: Noel Rosa, Gastão Formenti, João Petra de Barros, Victor Barcelar, Eriberto Muraro, José Maria de Abreu, Romualdo Peixoto, o Nonô, Silvinha Melo, Mário Reis, Moreira da Silva, Barbosa Júnior, Madelou de Assis. Além de inquestionáveis qualidades como diretor artístico, Cesar Ladeira também era ótimo para criar os slogans dos artistas. Carmem Miranda era “A pequena notável”, Francisco Alves, “O rei da voz”, Carlos Galhardo, “O cantor que dispensa adjetivos” etc.

Os ouvintes que tem hoje mais de 70 anos vão se lembrar dos programas  Canção do dia, com Lamartine Babo.  Nessa atração, Lamartine foi desafiado a compor para cada um dos times de futebol do Rio. Roubando um trechinho aqui outro ali de famosas marchas americanas, o compositor criou as mais belas e queridas músicas-símbolos para o Flamengo, Fluminense, Botafogo, América e Vasco.

O Programa Casé, com Ademar Casé, e Horas do outro mundo, com Renato Murce, tiveram grande repercussão na Mayrink e foram copiados Brasil afora.  Em sua biografia Bastidores do rádio (Imago), Murce conta que a maioria dos talentos estava na Mayrink. Ele cita os artistas novos lançados por ele no  Horas do outro mundo, como Zezé Fonseca, Manezinho Araújo, maestro Chiquinho, Luis Barbosa, o inventor do breque. No Programa Casé, que também falamos aqui e que passou por várias emissoras, outra quantidade estrelas foi lançada na Mayrink, deixando sua marca de profissionalismo e criatividade.
No horário nobre, durante dois anos, o radialista Gilson Amado produziu o programa Comentários do Observador na Assembleia Nacional Constituinte. Gilson, que foi fundador da TV Educativa, em 1967, acompanhava as discussões que resultaram na Constituição de 1934. Depois, o programa Mesas Redondas de Gilson Amado, também na Mayrink, debatia com as mais importantes personalidades, artistas e políticos sobre diferentes temas, principalmente cultura, assunto novo e pouco valorizado nos anos 30.
A Mayrink trazia para seus estúdios as grandes estrelas internacionais que vinham cantar nos cassinos da cidade. As pessoas que não tinham dinheiro para frequentar o Cassino da Urca, Atlântico, Copacabana ou Icarahy podiam, ao menos, ouvir os cantores maravilhosos que frequentavam o Brasil e ganhavam rios de dinheiro, mesmo durante a Segunda Guerra. Com o fim dos cassinos, em 1946, “sem as atrações internacionais, caiu a qualidade da programação e, com ela, a audiência da rádio”. Quem explica esse fenômeno é Sonia Virgínia Moreira, no livro Rádio Palanque (Mil Palavras).
 Nos anos 40, a Rádio Mayrink Veiga mudou de mãos. Metade de suas ações foi comprada pela Organização Victor Costa que depois vendeu para Assis Chateaubriand. Nos anos 50, mesmo concorrendo com a Rádio Nacional, a Mayrink teve um elenco espetacular de humoristas. Todos os dias, havia um programa diferente, atraindo a atenção do público que queria se divertir com o rádio.
A PRK-30, que Marco Aurélio já comentou em seu quadro de memória do rádio, e que é absolutamente genial, passou pela Rádio Mayrink Veiga  antes de estourar na Nacional.  Mas existiam muitos outros programas de humor, como A cidade se diverte, cuja abertura ouvimos no início do nosso quadro. O Vai da Valsa tinha como redatores Antônio Maria, que escolhia um tema e escrevia todo o programa em cima disso e também o humorista Chico Anysio, que começou na Rádio Guanabara. Chico costumava dizer que aprendeu quase tudo na Mayrink Veiga, com um supertime de redatores de humor.  No elenco de atores, só havia feras como Zé Trindade, Matinhos e Antonio Carlos, o Minerinho, pai da atriz Glória Pires. Antes de passar para a TV Rio, Chico Anysio já era o professor Raimundo, uma espécie de escada para os atores da Mayrink.
Nos anos 60, outra metade das ações da estação, que estava com Antenor Mayrink Veiga, foi parar nas mãos de Miguel Leuzzi, muito ligado ao governo de João Goulart.  Começam a aparecer na emissora os programas jornalísticos, que não era o forte no início das transmissões. Raimundo Nobre de Almeida, que era líder de audiência na Rádio Mauá (oficial do Ministério do Trabalho), com a atração O trabalhador se diverte, aos domingos, das 14h às 16h, passou para a Mayrink. Raimundo gostava de apresentar Jango como o “líder inconteste dos trabalhadores brasileiros”, o que deixava Jango bastante encabulado.
Seguindo o traço político que começou com a Revolução Constitucionalista, a Mayrink, em 1961,  participou da Cadeia da Legalidade, uma rede nacional de estações organizada por Leonel Brizola , em Porto Alegre. Ele queria defender a democracia e fazer com que o vice-presidente, Jango Goulart, que estava na China, assumisse o poder quando o presidente Jânio Quadros decidiu renunciar. A Cadeia durou 12 dias, a partir dos porões do Palácio Piratini, sede do governo gaúcho. Fizeram parte da resistência aos militares, que tentavam um golpe militar, dezenas de rádios em ondas curtas e  médias. Por pouco, não foi bombardeada.

A Rede da Legalidade divulgava boletins em espanhol, inglês, português e francês. E terminou em 5 de setembro de 1961, quando Jango foi recebido em Brasília como mandatário da nação. Durante o seu governo, a Mayrink foi parceira de Jango, que divulgava ali as reformas de base.
Em 1962, as revistas de rádio garantiam, segundo o livro de Angela Virgínia Moreira, que a Mayrink havia sido comprada por Leonel Brizola, mas isso nunca ficou provado. Outros diziam que a emissora fora apenas alugada por Brizola que veiculava seus discursos em diversos horários.  Logo após o golpe militar, a Rádio Mayrink Veiga foi destruída pelos militares e outros opositores.  Todo o acervo foi queimado ou jogado no meio da rua.

Em 2011, o pesquisador Ricardo Cravo Albin recebeu, em regime de comodato, o microfone, onde cantou a famosa Carmem Miranda, e equipamentos que sobraram do estúdio da rádio Mayrink Veiga. Atualmente, tudo isso está no Instituto Cultural Cravo Albin, na Urca,  esperando que algum historiador conte essa história incrível que se perdeu no meio do caminho. A Mayrink Veiga teve até um hino, composto por Urbano Lóes e Britinho.

Pertence o teu futuro a cada fã (bis) 
Rainha do éter sempre campeã. (bis) 
Amor à luta é toda tua história (bis) 
Nas páginas da luta pela glória. 
O rádio brasileiro enobreces 
Vou eu cantado que de ti me ufano 
Eu tenho orgulho de ser mayrinkiano 

Avante colegas cantando 
Avante fãs do coração. 
Cantemos todos proclamando 
A glória da "sua estação"


9 comentários:

  1. Fui admirador de uma grande maioria de artistas,cantores compositores e políticos. Ouvia todas as rádios do passado, assim como lia os jornais e revistas de minha época, pois nasci em 1928! Belos tempos onde a comunicação era feita pelo telégrafo e meu primeiro carro foi um Ford fabricado em 1927 e o possuí quando tinha 15 anos.

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  2. GOSTARIA QUE ME ENVIASSE UM VIDEO DO PROGRAMA HOJE É DIA DE ROCK COM JAIR DE TAUMATURGO PELA RÁDIO MAYRINK VEIGA DO RIO . POR FAVOR. ERA OUVINTE . AMAVA. SAUDADES.

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  3. Obg ! Sou apaixonado por essa época de ouro do rádio , embora não a tenha vivido ! De Belém do Pará .

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  4. Vivi uma das melhores épocas de minha vida, ouvindo a Rádio Mayrink Veiga.

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  5. EU TENHO SAUDADES DOS PROGRAMAS HUMORISTICOS DA MAYRINK VEIGA COMO LEVERTIMENTOS, ALEGRIA DA RUA, VAI LEVANDO, BOATE DO ALI BABÁ, CAFÉ SEM CONCERTO, ME DÁ MEU BONÉ, VAI DA VALSA, MISS CAMPEONATO, ALARICO MALASSORTE ENTRE OUTROS.

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  6. Bela reportagem. Faltou citar muitos programas de sucesso: Este norte é de morte. Aquarela Sertaneja.

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  7. Muito feliz em encontrar informações tão detalhadas. Na infância minha mãe e irmã ouviam essa rádio tão querida. Também fomos participar e assistir ao programa de Raimundo Nobre de Almeida, no Natal dos trabalhadores. Após a tragédia que foi a ditadura, Raimundo trabalhou na Rádio Difusora de Duque de Caxias, converteu-se ao Cristianismo e fundou sua própria rádio em seu templo religioso, situado no Jardim Ideal II, em Belford Roxo. Sua segunda esposa, a cantora Marilene Santiago, ainda está viva e continua liderando a comunidade evangélica que minha irmã caçula frequenta.

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  8. Sou historiadora e estou escrevendo um livrinho que deverá falar um pouco de tudo, inclusive da Mayrink Veiga, que teve a melhor programação de todos os tempos. Estou com idade avançada, tinha 11 anos quando a ditadura cortou os nossos sonhos, e estou residindo em Cabedelo, na Paraíba. Infelizmente, não posso aceitar o desafio de contar esta histórias. Saudações Históricas.

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