quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Altos e baixo de duas irmãs famosas

O RÁDIO FAZ HISTÓRIA – Rose Esquenazi

Linda e Dirce Batista: juntas no sucesso e no fracasso




Quando o Caderno B, do Jornal do Brasil, publicou uma reportagem sobre o estado terrível em que estavam as irmãs Batista - Linda (14/6/1919, SP, que tinha o nome de Florinda Grandino de Oliveira - e Dircinha (7/4/1922, SP), no fim dos anos 80, ninguém acreditou. Afinal, eram duas estrelas da era de ouro do rádio, durante 30 anos. Haviam sido milionárias, amigas de todo o mundo, inclusive do presidente Getúlio Vargas. Diziam as más línguas que as duas irmãs chegaram a ser namoradas de Getúlio, em épocas diferentes. O presidente costumava chamá-las de “patrimônio nacional”.
O repórter chegou à casa das irmãs em Copacabana e levou um choque. Havia coisas espalhadas pelo chão, sujeira. Elas estavam imundas, desnorteadas. Dircinha,  mais do que as outras duas porque havia também a Odete, a irmã mais velha, de 70 anos, precisava ser internada imediatamente. Segundo Ronaldo Conde Aguiar, no livro As divas do Rádio Nacional, Dircinha, aos 63 anos, e Linda, aos 66, estavam vestidas de trapos, sofriam de diabetes, arritmia, arteriosclerose, desnutrição seriíssima e muito mais.  Havia mais notícia triste: elas não tinham dinheiro nem mesmo para pagar a conta da mercearia do bairro, que parou com o  fiado. O único amigo era o cantor José Ricardo que providenciou a internação das três.
Mas o que aconteceu com elas?

O que a aposentadoria pagava para as irmãs cantoras não cobria os gastos. Elas já tinham vendido joias, apartamentos, roupas, eletrodomésticos. Ninguém as chamava para cantar nas estações de rádio ou na TV. Tinham saído da moda. Tragédia, má administração de bens, doenças, decepções.
No auge da carreira, só no eixo Teresópolis-Friburgo, elas tinham quatro casas. Catorze carros de luxo na garagem, alguns importados. Usavam muitas joias e casacos de pele. Linda gostava de beber e jogar; Dirce de jogar e beber. Muitos vestidos milionários eram usados uma única vez. Viajavam para o exterior e jogavam em cassinos da Europa, perdendo fortunas. As festas duravam 15 dias seguidos! Durante 11 anos seguidos, até 1948, Linda foi eleita Rainha do Rádio. Era adorada pelos fãs. Até 1946, quando os cassinos fecharam as portas por ordem do presidente Dutra, elas ainda tinham trabalho. Com a lei de proibição dos jogos no país 53 mil pessoas ficaram sem emprego do dia para a noite. Não existiam mais cassinos, um lugar onde as irmãs Batista costumavam se apresentar e ganhar muito dinheiro.

Com o surgimento da era da TV, a partir de 1950, as intérpretes mais famosas do Brasil, principalmente do samba-canção, foram saindo do circuito. Um dos últimos trabalhos de Linda foi como de repórter de TV. Mas ela não tinha tarimba para a coisa, afinal, nunca tinha trabalhado naquela função antes.

O pai das meninas, Batista Júnior, era humorista e ventríloco que chegava a imitar 22 vozes sem abrir a boca. Fazia questão de pagar bons colégios para as filhas, depois que a família veio de São Paulo para o Rio. Dircinha estreou no rádio aos 6 anos, em 1930, ao lado do pai, cantando Morena cor de canela. Gravou seu primeiro disco aos 8. Linda, um pouco mais tímida, estreou em 1936, aos 17 anos, em um programa do cantor Francisco Alves, o “Rei da Voz”. Chico Viola, como ele também era conhecido, já era muito famoso na época e dono da Rádio Cajuti. Ouvi um depoimento muito interessante de Linda contando como a irmã, Dirce, armou uma peça para ela entrar na carreira artística na marra. Minutos antes da participação de Dirce no programa de Chico Alves, ela fingiu ter desmaiado.  A produção pediu para que Linda cantasse no lugar dela, para não pegar mal. Para ajudar, Linda fez isso, sem saber que estava estreando no rádio!

A carreira das meninas cresceu rapidamente. Elas podiam ser vistas em filmes como Banana na Terra, Alô, alô, Brasil; Alô, alô, Carnaval; Caídos do céu e muitos outros. Participavam dos shows luxuosos do Cassino da Urca. Linda se tornou crooner da Orquestra Kolman, na Urca. Ganhou o slogan de “Maioral do Samba”. As irmãs também faziam excursões e ganhavam rios de dinheiro. Além de serem estrelas absolutas da Rádio Nacional. Aliás, elas sempre se comportavam assim, como estrelas, cobertas de peles e joias caras. Parecia que as fontes jamais iriam secar.

O temperamento do pai era bonachão, mas o da mãe, dona Neném, era explosivo e dominador. Depois da fase de timidez, Linda herdou o jeito da mãe. As irmãs Batistas tinham uma séria rivalidade com Emilinha Borba, que estava subindo no estrelato na mesma época. Há relatos de brigas físicas, problemas com os fãs e pequenas baixarias. Havia problema também em relação ao namoro de Linda com o diretor de cinema Orson Welles, que esteve no Brasil para rodar o filme It’s all true e transmitir um programa de rádio em cadeia nacional a partir do Copacabana Palace, em 1942. No livro O rei da roleta. A incrível vida de Joaquim Rolla, os autores João Perdigão e Euler Corradi descrevem que Welles explicou ao vivo a letra da música Sabemos lutar, interpretada por Linda. Segundo o livro, Welles trocou “gracinhas com Linda que era seu caso, em pleno palco”.

Na opinião dos críticos, Dircinha tinha um domínio melhor da técnica vocal. Sabia postar a voz e “tinha emissão quase perfeita”. Ela gravou 23 discos de 78 rpm e dois LPs, sendo que fez muito sucesso com Periquitinho Verde, Conceição, Nunca mais. Vamos mostrar Dircinha interpretando Conceição (duração: 3:10), de Dunga e Jair Amorim. Apesar de ser considerada uma canção símbolo de Cauby Peixoto, há quem diga que Dirce interpretou com mais emoção. Vamos ouvir?


Já Linda, apesar de não ter tanta técnica, se tornou mais popular do que a irmã. Gostava das marchinhas de Carnaval, tinha um grande pique. Nega maluca, Risque, Clube dos barrigudos fizeram um grande sucesso. Tinha predileção também pelas músicas sobre amor desfeito nas composições tão bem escritas por Lupicínio Rodrigues. Linda gravou 29 discos de 78 rpm e três LPs. Vamos ouvir Linda Batista cantando a música Chico Viola (duração 3:07), de Wilson Batista e Nássara. Observação, essa música era homenagem ao grande músico que morreu em um trágico acidente de carro, na Via Dutra, em 1952. O Rio de Janeiro parou com a notícia da morte do “Rei da Voz” que tinha gravado 524 discos de 78 rpm,  um recordista. Durante todo o dia, os rádios só tocaram as músicas de Chico Viola em toda a programação. A voz de Linda transpirou emoção, já que o pai dela era amigo do cantor e ela mesma tinha começado a carreira com ele.


Em 1961, Dirce gravou seu último disco, Quero morrer no Carnaval, e encerrou a carreira em 1970, com a marcha-rancho O primeiro clarim. Quando dona Neném morreu, depois de cinco anos lutando contra um câncer, Dircinha caiu em depressão e nunca mais saiu de casa.


As irmãs já tinham gasto uma fortuna para o tratamento da mãe. Linda também ficou esquecida, ninguém a chamava para nada.  O cantor José Ricardo ajudou em tudo que podia, mas ele também ficou doente e morreu em 1999. Linda morreu no dia 17 de abril de 1988, anos 68 anos, e Dircinha em 18 de junho de 1999, aos 77 anos, no Hospital Dr. Eiras.

Foi uma história que marcou a MPB, gerando o musical “Somos irmãs”, em 1998, de Cinthya Graber.  A montagem que teve como Linda (Suely Franco) e Dircinha (Nicette Bruno)- como idosas – e Cláudia Lira(Linda), e Cláudia Netto (Dircinha), no papel das cantoras ainda jovens,   chamou a atenção do público. Fez muita gente pensar que não podemos deixar os nossos idosos, famosos ou não, esquecidos à prova sorte. 

6 comentários:

  1. Que blog maravilhoso e bem escrito. Não vivi a Era do Rádio, mas minha mãe sempre me conta essas belas histórias. Parabéns!

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  2. Sou apaixonado pelas Irmãs Batista.
    Pena elas terem terminado assim no ostracismo.
    Pena .
    Por mais que elas tenham gastado toda a fortuna,elas não mereciam esse fim de vida doentes e na miséria,afinal elas eram PATRIMÔNIO NACIONAL como dizia o Presidente Getúlio Vargas .

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    1. a verdade é que élas tinham tudo p não ficarem assim .

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  3. Tenho 39 anos...mas sempre gostei de curtir essas musicas da era do radio...especialmente as irmãs Batistas!

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