segunda-feira, 18 de maio de 2015

Rádio Blog – Francisco Alves: "Boa Noite, amor"

Rose Esquenazi



Semana passada, falamos sobre Orlando Silva, O Cantor das Multidões. Dissemos que ele teve um grande padrinho. É sobre ele que vamos falar hoje. Francisco Alves, que vai se tornar o Rei da Voz. Nascido em 19/8/1898, era filho de um português, dono de um bar no Centro da cidade, na Rua do Acre. Naquela época, se chamava Rua da Prainha. A família não era nada rica e, para ganhar uns trocados, o menino Francisco foi engraxate, coisa que o pai não gostou. Depois, começou a cantar nas ruas do Centro, pedindo algum dinheiro para os passantes. Trabalhou em fábricas de chapéus, sendo que uma delas ficava na Mangueira. Foi também motorista de táxi. Trocou a bicicleta por um violão, instrumento que passou a ser grande companheiro, amigo de todas as horas.

Quem lhe deu a primeira oportunidade na área musical foi João Gonzaga, viúvo da concertista Chiquinha Gonzaga. Ao se casarem, Chiquinha tinha 52 anos e João, 16. Para evitar o falatório, ela adotou-o como filho! Chico Alves gravou discos em 78 RPM dois sambas do famoso Sinhô, Fez muito sucesso: Pé de anjo e Fala meu louro.Vamos ouvir Pé de anjo, a primeira gravação de Francisco Alves, em 1919. Vocês podem perceber que a gravação é precária e a voz de Chico, muito diferente.

 https://www.youtube.com/watch?v=DyDlGpH8kNA

Aos 22 anos ele se casou com uma mulher da Lapa, mas o casamento não deu certo. Perpétua Guerra Tutóia perseguiu Francisco pelo resto da vida, mesmo depois de muito tempo separada dele. O segundo casamento, com Célia Zenatti, foi bem mais tranquilo e durou 28 anos. Não tiveram filhos. Nos últimos quatro anos de vida, apaixonou-se pela professora Iracy Alves, que sabia tudo sobre a carreira dele. Ela era muito mais jovem do que ele.

Em julho de 1927, começou a gravação elétrica no país, o que facilitou a gravação e a equalização dos sons. Chico Alves gravou na Odeon vários sucessos e passou a ter o pseudônimo de Chico Viola. Mas o melhor slogan de Chico Alves foi dado por César Ladeira, na Rádio Mayrink Veiga: o Rei da Voz. Ao conhecer Ismael Silva, no Estácio, a vida do cantor mudou. Chico descobriu que podia comprar sambas e esquecer, entre aspas, o autor original. Assim aconteceu com Me faz carinhos. Ismael gostou de ter uma grande voz interpretando os sambas, mas certamente, adoraria ver o nome como autor.

Com Noel Rosa, ocorreu algo semelhante. Francisco Alves viu o talento do rapaz de Vila Isabel. Segundo o jornalista e crítico musicaç José Lino Grünewald, Noel ganhou um Chevrolet e, em troca, fez parceria com as seguintes músicas: É preciso discutir, A razão dá-se a quem tem, Fita amarela, Estamos esperando, Nuvem que passou, Não tem tradução, Feitio de oração, Anda cismado, Pra esquecer, É bom parar, essa com a parceria de Rubens Soares.

Vamos ouvir Já não é mais aquela (CD1, faixa 1), de 1936. Acho delicioso o verso:
Já não é mais aquela mulher carinhosa/ Que outrora eu tinha/Só agora eu vejo que fui enganado/Não eras só minha!

Observando que o jovem Mário Reis estava fazendo sucesso, com a sua voz pequena e discreta, Francisco Alves propôs-lhe parceria. Eles cantavam juntos e faziam um interessante contraponto. Também deu supercerto. Francisco Alves teve outros parceiros-compositores geniais, como Orestes Barbosa, que costumava fazer versões de músicas estrangeiras admiráveis.

No programa da Rádio Nacional, Quando os ponteiros se encontram, Chico cantava a música que se tornou um símbolo de sua potência vocal. Boa noite amor, de 1936 (José Maria de Abreu e Francisco Mattoso), que ouvimos na abertura do quadro. Curiosamente, o cantor falava sobre a despedida da amada na hora de dormir e o programa ia ao ar ao meio-dia!

Em relação à vida radiofônica, Chico começou na Rádio Sociedade, de Roquette-Pinto e dos cientistas que dirigiam a primeira rádio no Brasil, em 1923. Foi justamente por ser tão séria  e sisuda, nem sempre era bem recebida pelos ouvintes que já estavam apaixonados pelo samba e música ligeira. Por isso, Chico Alves foi contratado, para atrair as fãs e, além disso, tornar a emissora mais musical e antenada com os modismos.

Depois, o cantor foi para Mayrink, onde ficou dois anos. Passou para a Rádio Clube e Tupi, até chegar à Rádio Nacional. Na Nacional, ele ficou lá durante 11 anos, de 1941 a 1952. Era adorado pelas fãs que sonhavam em acordar tendo ao lado o intérprete de Boa-noite, amor. Por essa razão, muitas admiradoras iam à delegacia afirmando que estavam grávidas de Chico Alves. Nem que ele fosse o maior atleta sexual de todos os tempos, conseguiria engravidar tantas mocinhas em todo o Brasil, ao mesmo tempo. Por essa razão, um jurista escreveu sobre a Doença do Rádio. Já que não podiam namorar os ídolos, mentiam dizendo que foram enganadas. Depois de uma noite de amor, estavam grávidas. Não havia pílula anticoncepcional nem exame de DNA!

Ao longo de 33 anos de carreira (1919-1952), Chico Alves gravou 1173 discos, sendo que 39 mecânicos. Foi recordista absoluto. Compôs algumas delas, mas, a maioria, ele comprou mesmo, um comportamento muito comum na época. Participou de seis filmes, quase todos da Cinédia. Alô, alô, Brasil!, Alô, alô, Carnaval, Samba em Berlim foram alguns deles.
Quando ia para as turnês em Buenos Aires, era chamado de Gardel brasileiro. Aliás, ele conheceu Gardel pessoalmente, outra grande voz daqueles tempos, igualmente adorado.Tinha uma voz maravilhosa, cheia de sensualidade, ótima para cantar milongas, precursoras do tango. Os dois tiveram mortes trágicas; Gardel, aos 45 anos, em um acidente de avião, em 1935. O avião em que estava em Medelín, durante uma turnê na Colômbia, chocou-se com outro.
Chico Alves morreu aos 54 anos, em um terrível acidente de carro na Dutra, entre Rio e São Paulo. O carro – um Buick tipo sedan -, se chocou com um caminhão que vinha na contramão, no dia 27 de setembro de 1952, às 17h23. Morreu na hora. Chico, antes de morrer, ia gravar Carlos Gardel! Dezessete anos antes, Gardel estava prestes a gravar um sucesso de Francisco Alves, a música A voz do violão. Tristes coinvidências. 

Vamos ouvir Meu Buenos Aires distante (Meu Buenos Aires querido), gravado por Chico Alves em 1934. Seu maior sucesso foi Aquarela do Brasil, de Ary Barroso, de 1939, que se tornaria o segundo hino do Brasil. Com Aquarela, ele ficou conhecido internacionalmente.

Chico Alves adorava carros e cavalos. Chegou a ter alguns cavalos, costumava ir ao hipódromo da Gávea para torcer por eles nas corridas. Muita coisa foi dita sobre o Rei da Voz. Que ele era chato, que comprava músicas – o que era verdade – que costumava dar secas cusparadas entre as frases, que era pão-duro. Mas ele também ajudou muita gente, como vimos com a carreira de Orlando Silva. Dava a maior força para Sylvio Caldas e João Duas, que ele considerava seu sucessor. Foi o primeiro cantor profissional da história da MPB, o primeiro mito, segundo Grünewald, que escreveu a apresentação de uma edição especial das músicas do Rei da Voz,  lançada pela BMG/RCA.

Cantava vários gêneros: samba, fox-trot, rumba, valsas, serestas com sua voz impressionante. Para o crítico, “ele encerrou um ciclo da canção brasileira, da voz empostada” que procurava sempre o “brilho do efeito vocal”.
O enterro de Chico Alves no Cemitério São João Batista reuniu mais de 500 mil pessoas. O povo acompanhou o féretro cantando Adeus – cinco letras que choram, samba-canção de Silvino Neto, de 1947. Em todas as emissoras de rádio, naquele dia, só tocou os sucessos do Rei da Voz.
https://www.youtube.com/watch?v=b5No3xH_kZM




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